Sexta-feira, 21 de Junho de 2013

À VOLTA DAS SOMBRAS

David Ligare

 

Deve ser uma maçada viver sobre o Equador: 12h de dia, 12h de noite todo o bendito ano. Inexistente o frisson de sentir a luz crescer e atingir o máximo no dia do solstício de Verão - para hoje a noite mais curta dos 365 dias da rotação da Terra - e, a partir dele o inevitável diminuir até ao solstício de Inverno por volta de 21 de Dezembro que marca a noite mais longa do mesmo intervalo de tempo.

 

Mas é deste 21 de Junho o tratado. Com o Sol no ponto mais alto relativamente à Terra, as sombras são as menores do ano. Quem não resiste a olhar para a sua própria sombra tem desgosto. Os demais, a maioria, querem lá saber do pequeno ou extenso rasto sombrio delineado atrás no solo. Tomaram eles que legassem impressivas passadas na vida! Estas, sim, importam. De resto, este Verão começado mais promete véu de nuvens cinza tapando a luz do astro dito rei que marcas/fronteiras entre a luz mais a expetável canícula e o desenho perfeito das sombras.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

                                      Para saber                                                                                            Para fruir

 

publicado por Maria Brojo às 08:38
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Sábado, 21 de Abril de 2012

SEM QUÊ NEM PORQUÊ

 David Ligare

 

“No tempo em que não havia automóveis, na cocheira de um famoso palácio real, um burro de carga curtia imensa amargura, em vista das pilhérias dos companheiros de apartamento. 

    Reparando-lhe o pêlo maltratado, as fundas cicatrizes do lombo e a cabeça tristonha e humilde, aproximou-se formoso cavalo árabe que se fizera detentor de muitos prémios, e disse, orgulhoso:

_ Triste sina a que recebeste! Não invejas minha posição em corridas? Sou acariciado por mãos de princesas e elogiadopela palavra dos reis!

    Exclamou um potro de fina origem inglesa:

_ Pudera! Como conseguirá um burro entender o brilho das apostas e o gosto da caça?

     O infortunado animal recebia os sarcasmos, resignadamente. Outro soberbo cavalo, de procedência húngara, entrou no assunto e comentou: 
_ Há dez anos, quando me ausentei de pastagem vizinha, vi este miserável sofrendo rudemente nas mãos do bruto amansador. É tão covarde que não chegava a reagir, nem mesmo com um coice. Não nasceu senão para carga e pancadas. É vergonhoso suportar-lhe a companhia.

Nisto, admirável jumento espanhol acercou-se do grupo, e acentuou sem piedade:

_ Lastimo reconhecer neste burro um parente próximo. É animal desonrado, fraco, inútil, não sabe viver senão sob pesadas disciplinas. Ignora o aprumo da dignidade pessoal e desconhece o amor-próprio. Aceito os deveres que me competem até o justo limite, mas, se me constrangem a ultrapassar as obrigações, recuso-me à obediência, pinoteio e sou capaz de matar. 

    As observações insultuosas não haviam terminado, quando o rei penetrou o recinto, em companhia do chefe dascavalariças.

_ Preciso de um animal para serviço de grande responsabilidade, informou o monarca, um animal dócil e educado, que mereça absoluta confiança. O empregado perguntou:

_ Não prefere o árabe, Majestad

    Falou o soberano:

_ Não, não, muito altivo e só serve para corridas em festejos oficiais sem maior importância.

_ Não quer o potro inglês?

_ De modo algum. É muito irrequieto e não vai além das extravagâncias da caça.

_  Não deseja o húngaro?

_ Não, não. É bravio, sem qualquer educação. É apenas um pastor de rebanho.

    Insistiu o servidor atencioso

_ O jumento espanhol serviria?

_  De maneira nenhuma. É manhoso e não merece confiança.

    Decorridos alguns instantes de silêncio, o soberano indagou:

_ Onde está meu burro de carga?

    O chefe das cocheiras indicou-o, entre os demais. O próprio rei puxou-o carinhosamente para fora, mandou ajaezá-lo com as armas resplandecentes de sua Casa e confiou-lhe o filho ainda criança, para longa viajem. E ficou tranqüilo, sabendo que poderia colocar toda a sua confiança naquele animal.”

 

  Assim também acontece na vida. Em todas as ocasiões, temos sempre grande número de amigos, de conhecidos e companheiros, mas somente nos prestam serviços de utilidade real aqueles que já aprenderam a servir, sem pensar em si mesmos... E nós? Será que já aprendemos servir? Mais: servir sem quê nem porquê? Ainda mais: confiar sem quê nem porquê?

 

Nota: autor que não foi possível identificar.

 

CAFÉ DA MANHÃ

publicado por Maria Brojo às 17:32
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Sexta-feira, 27 de Janeiro de 2012

SOBRE E À VOLTA DA FELICIDADE

David Ligare e adaptação de obra de Manet

 

É falada a felicidade. Sentir intermitente. Viver cada dia como se fosse último conduz a desmandos pessoais. Vivê-la como projecto obriga a esforço, a ordenar prioridades, ao gozo do instante em que surge inopinadamente. Depois, é fruição, porque, seja ingénua, concordo, o caminho calcorreado por cada um apenas tem esse objectivo. Se em cada amanhecer for objectivo último, é imediatismo. Como projecto de vida obriga a optar entre o fácil e a dificuldade. E nem sempre um obstáculo é entendido como degrau capaz de quem o ultrapassa ascender a paraísos. E surgem. E são memórias e presentes. Porque não aprendemos com passados? _ Por ser milimétrica a capacidade de reter experiências. Mas é necessário delas constituir acervo. Remirá-lo. Jamais remetê-lo ao esquecimento.

 

Recebo, diariamente, sugestões na minha caixa de correio/chaminé virtual propostas de uma qualquer Groupon para “jantar com show de striptease para duas ou quatro pessoas, desde 27 €”, “Lavagem automóvel: 1 ou 3 lavagens completas com limpeza interior e exterior, desde 12€”, “Corpo perfeito: 3 ou 6 sessões de endermologia, desde 29 €”, “Depilação caseira: 1, 3 ou 5 luvas depilatórias e esfoliantes Smooooth Legs, desde 16 €”, “Animais domésticos: puff canino de tamanho normal ou XXL disponível em 5 cores, desde 35 €” e outras sugestões de teor semelhante. Serão propostas de momentos e actos inolvidáveis? De atingir «felicidadezinhas» por encomenda?

 

Haja pudor em tentações(?) mesquinhas que têm o destinatário por incapaz racional.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

Por via de Mário de Carvalho, que não o escritor: _ "Orçamento é uma mulher honesta que se prostitui mais tarde."

 

publicado por Maria Brojo às 12:51
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Segunda-feira, 16 de Janeiro de 2012

O DIABO VERMELHO

Vladimir Kush, David Ligare

 

A literatura, quando de qualidade, é fonte de ensinamentos que duram para lá do tempo em que foram. Prova-o este “Diálogo entre Colbert e Mazarino, durante o reinado de Luís XIV, extraído da peça de teatro Le Diable Rouge, de Antoine Rault” que adaptei aqui e ali:

 

"Colbert: _ Para encontrar dinheiro, há um momento em que enganar [o contribuinte] já não é possível. Eu gostaria, Senhor Superintendente, que me explicasse como é possível continuar a gastar quando já se está endividado até ao pescoço...
Mazarino: _ Se se é um simples mortal, claro está, quando se está coberto de dívidas, vai-se parar à prisão. Mas o Estado... o Estado, esse, é diferente! Não se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a endividar-se... Todos os Estados o fazem!
Colbert: _ Ah sim? O Senhor acha isso mesmo? Contudo, precisamos de dinheiro. E como havemos de o obter se já criámos todos os impostos imagináveis?
Mazarino: _ Criam-se outros.
Colbert: _ Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres.
Mazarino: _ Sim, é impossível.
Colbert: _ E então os ricos?
Mazarino: _ Os ricos também não. Eles não gastariam mais. Um rico que gasta faz viver centenas de pobres.
Colbert: _ Então como havemos de fazer?
Mazarino: _ Colbert! Tu pensas como um queijo, como um penico de um doente! Há uma quantidade enorme de gente entre os ricos e os pobres: os que trabalham sonhando em vir a enriquecer e temendo ficarem pobres. É a esses que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais!Esses, quanto mais tirarmos mais eles trabalharão para compensarem o que lhes tirámos. É um reservatório
inesgotável."

 

Numa dezena de «tiradas», os princípios básicos da exploração que nos sujeita e traz acabrunhados. Assim era. Assim será? _ Não creio. Em
2010, 25% das transacções escaparam ao fisco. A percentagem subiu devido ao aumento do IVA. Cerca de quarenta mil milhões de euros são o valor da actual economia paralela. Com isto e mais se desmente parte da argumentação de Mazarino. Nova ordem social terá de ressuscitar parte substantiva deste mundo agonizante.

 

Nota: origem do excerto aqui.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:32
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