Natasha Villone
"- Antigamente, na França, os criminosos eram executados com a gelatina.
- Em Portugal, os homens e as mulheres podem casar. A isto chama-se monotonia.
- Em nossa casa cada um tem o seu quarto. Só a mamã é que tem de dormir sempre com o papá.
- Os meus pais só compram papel higiénico cinzento porque já foi utilizado e é bom para o ambiente.
- As vacas não podem correr para não verterem o leite.
- Um pêssego é como uma maçã só que com um tapete por cima.
- Eu não sou batizado, mas estou vacinado.
- Depois do homem deixar de ser macaco passou a ser egípcio.
- A primavera é a primeira estação do ano. É na primavera que as galinhas põem os ovos e os agricultores põem as batatas.
- A minha tia tem tantas dores nos braços que mal consegue erguê-los por cima da cabeça e com as pernas é a mesma coisa.
- Um círculo é um quadrado redondo.
- A terra gira 365 dias todos os anos, mas a cada 4 anos precisa de mais um dia e é sempre em Fevereiro. Não sei porquê. Talvez por estar muito frio.
- A minha irmã está muito doente. Todos os dias toma uma pílula, mas às escondidas para os meus pais não ficarem preocupados."
CAFÉ DA MANHÃ
Autor que não foi possível identificar
Coleções. O prazer de ter. De enumerar. Classificar. Rever. Pela infância e começo da adolescência, embevecia-me o colecionado. Primeiro, os cromos da Disney. ‘Mãe, mãe, compre por favor!’, implorava, apertando-lhe a mão. O saquinho como prémio de bom comportamento. Ansiedade crescente ao abri-lo: _ ‘Estes não são repetidos de certeza!’ (sempre a teima em ver o copo meio cheio quando muitos o diriam vazio). Depois, foram as caixas de fósforos pequeninas enfeitadas por gatos em jardins de fantasia, meninas emolduradas por laços e flores. Mais tarde viria o fascínio por faróis e barcos. Colecionar postais e ordená-los ocupou-me anos da adolescência. Fotografias antigas. Atentar no sorriso cristalizado pela câmara, no olhar fixo, na pose e no cenário. Imaginar vidas. Dos vivos refazer a história. Identificar o ar zombeteiro do tio-avô no menino vestido de marujo da fotografia. Tão sério na postura... Vendo com mais atenção, sim!, lá estava o olhar vivo troçando da encenação. Hoje, não coleciono objetos. Antes momentos. Felizes. De exceção. Como os Natais. Os dias que antecedem a consoada, procuro vagá-los. Sem tarefas em agenda. Isentos de pressas ou compra de presentes. Fruo do que lembre ou identifique ou encarreire quem sou. Mergulho na serenidade que invento. Treino-a no vagar. Na descomplicação do existir. Sobriedade. Dos momentos, preservo registos de ocasião - um postal, uma imagem, um laçarote, um saco de papel. Mais guardo no álbum que oculto no coração.
CAFÉ DA MANHÃ
Douglas Hofmann
Das partidas, inebriam-me os regressos. Porque dos instantes vividos o último é o melhor, ou não tivesse prolongado a vida até ele acontecer, esqueço os primeiros que inauguraram a viagem, o fim-de-semana ou a manhã.
Não aceitando que do caos tenha surgido a organização do Universo, renovo a cada noite o sentimento de assombro pela certeza do tempo que a Terra demora no rodar sábio à volta dela e da estrela maior. Experimento a doçura de ter calhado esta forma de vida ao meu planeta. De não terem calhado em Saturno as noites dos meus dias. Vinte e nove anos terrestres para descrever uma órbita seria tempo demais para quem aprecia recomeços. E a lonjura? E o frio pela gigante distância ao Sol? Por isso me quero na Terra que amo e concede ciclos adequados à parte do meu ser que não se vê.
Quando a inclinação do eixo encurta os dias e faz maiores as noites, é tempo da rodilha em que o meu corpo se aconchega no sofá. Do livro no colo, da música sussurrada, do rosto lavado, das calças de algodão que o laço do atilho prende à cintura. De me erguer e, encostada à vidraça, desenhar caminhos das pérolas líquidas que as nuvens deixaram cair. São as noites aveludadas pelas sabrinas brandas que confortam os pés, enquanto é pressentida chuva e frescor na rua. E a languidez distende pele e músculos. O espírito regressa ao tempo dos sonhos acordados que o serenam e transmitem paz.
Manso, chega o sono. Mansa, arrumo a noite sabendo que o giro da Terra a prolongará.
CAFÉ DA MANHÃ
Audrey Marienkoff
Pelas seis, o acordar como “De Profundis, Valsa Lenta”, título do José Cardoso Pires. Noite quase esfumada, azul fundo no céu espreitado pelas étamines bege e fogo. Ela vestida de pele. Sonolenta. Entreaberta a porta-janela, deixou as transparências sobrepostas procurar a brisa ausente. Repetiu as trivialidades de quem madruga e delas faz gosto: o pisca do café, da chávena ao pousar no tabuleiro. Os gestos que acordam músculos e trazem lucidez à manhã/noite.
Na véspera, fora longo o dia na cidade bela e autofágica. A noite descera ao compasso de Verão preguiçoso. Desobediente à órbita e aos costumes da Terra. Provocação que a mulher vestida de pele não desmentiu, uma mola afastando o cabelo do meio das costas, vidro aberto, jazz/forro na condução.
Atendeu pelo brilho do ecrã, pela proximidade da garagem, pelo anonimato do lugar. Lisboa dentro e longe - os corações da cidade por tantos serem, cinco minutos de compasso até um deles são coisa pouca. Faceiras, mulher e cidade. Garridas. Misteriosas pelos véus que somem quando o querer ordena.
CAFÉ DA MANHÃ
Ali no cruzamento entre a Estados Unidos e a Avenida de Roma, o Vá-Vá.
Lugar de tradição no pensar e refletir conjunto da sociedade portuguesa. O telefone avisa chamada da querida amiga Manuela Pinheiro.
_ "A menina agora deu em jornalista?"
Entrei. Foi de ternura o reencontro. Como outros. Como todos.
A reconhecida Pintora Manuela Pinheiro, autora de algumas das obras que fazem do Vá-Vá mostra significativa da cerâmica e pintura portuguesa, Victor Serra e Fernando Dacosta.
A cumplicidade de amigas desde sempre: Maria Eduarda Colares e Manuela Pinheiro.
João Soares entre amigos. (Fotografias obtidas por Maria Eduarda Colares)
Lauro António apresenta João Soares. Política, sociedade, Europa e o mundo. Debate informal, espontâneo e proveitoso. Serão que permtiu analisar as funduras, graças e desgraças deste povo em aperto nunca visto.
CAFÉ DA MANHÃ
Autor que não foi possível identificar
Neste país, delapidado e «troikiado» o bastante, bolsos rostos na vasta maioria do povo que ao mau estava habituado e o péssimo agravou. Impostos e custos em crescendo encavalitam-se nos castigados desde sempre, agora, como lapas que não despegam da classe média de outrora. Mas é Verão, o Sol aquece corpos e almas e dilui aflições. O regresso ao quotidiano difícil somado às chuvas outonais, à queda das folhagens caducas que deixam nus troncos e seus ramos, abrem carreiros nos espíritos onde fluem, à solta, desesperança, tristeza.
Quem a fortuna bafejou com hortas, leiras, quintas ou casas rurais mais terreno em volta, que as conserve. Vendê-las a troco de parcas lentilhas em tempo de penúria, salvo urgências inadiáveis, é desassisado. Pelo desemprego ou pela carestia dos bens e serviços nas cidades grandes, “dar às de Vila-Diogo” para trabalho honroso na terra herdada onde cresceram raízes da matriz individual, lograr agricultura de subsistência e poupança de dinheiros, havendo possibilidade, revela tino, olho comprido que o longe descortina.
Erra quem julga os pequenos centros urbanos do interior desprovidos de escolas com qualidade, de instituições e serviços eficientes, do mexer da cultura, todos ao dispor do cidadão. Nos povoados escondidos, as Juntas de Freguesia tentam que a terra progrida, servem e encaminham os aldeões para vilas e cidades próximas abonadas em recursos inexistentes no lugar. O direito aos cuidados de saúde é o mais esquecido. Na poupar falso e indiscriminado, têm sido esvaziadas extensões dos Centros de Saúde indispensáveis aos rurais. A suposta economia não melhora os cuidados necessários a todos, antes é traduzida em gastos à «fartazana» que abarrotam as carteiras de alguns. Triste sina! Dão com a passividade de gentes sofridas... Mas dia virá em que tão injustamente apertados os cintos, a indignação, aos brados, romperá do silêncio o ruído.
Maria João Pires procurou regaço nos arrabaldes de Castelo Branco e durante tempo largo por ali criou estrutura musical e doutras áreas performativas. Não cultivou nem viu crescer primícias vegetais pelas suas mãos plantadas. Mas quem, como ela, génio possui, do cérebro descido até à ponta dos dedos que no piano desbravam acordes, cultiva arte em terras da Beira Baixa. Zanga viria depois. Justa ou nem por isso é valoração de cada um que se arroga o direito de condenar e absolver outrem como sendo imune à humilde condição de humano.
Nas encruzilhadas de enganos todos caímos, mais do que a devida conta nos perdemos. E são proveitosos os logros – permitem repensar, crescer, ir adiante, aumentar a tolerância. Ora, acontece que imperfeições «perfeitas» caracterizam a maravilha de ser pessoa auto-crítica e atenta.
CAFÉ DA MANHÃ
Anderson, Daniel F. Gerhartz
Quando o “sarampo, «sarampelo», sete vezes vinha ao pêlo”, por longo tempo, crianças, raros adultos, eram isolados no quarto com janelas e candeeiros protegidos com papel encarnado, não ficassem afectados os olhos. Durando os sintomas, poucos eram os entreténs que suavizassem a espera da cura – ler estava arredado, visitas dos irmãos e amigos nem pensar pelo risco de contágio; ficavam os brinquedos para os intervalos em que a febre amainava. Sofrimento com base dez e expoente de tédio.
A periculosidade da doença matava. Quem sobrevivia, a maioria não sendo infantes de curta idade, restavam frágeis como folhas expostas aos ventos doutras maleitas. O provérbio/mote estava englobado num conjunto que reflectia possível origem, duração do mal e aconselhava terapias:
- “O sarampo vem a cavalo e vai a pé”;
- “água estragada, fervida ou coada”;
_ “a tinha é pior que a morrinha”.
A crença nos sete ataques da doença advinha da confusão com outras: varicela, rubéola e mais aquelas caracterizadas por borbulhagem disseminada na pele. Hoje, o sarampo na putativa forma de epidemia também atravessa a Europa de “cabo a rabo” – feliz expressão popular que em “três palavrinhas apenas” traduz uma das áreas geográficas abrangida pela moléstia viajante. Porque, afinal, o vírus somente por vez única ataca o pêlo e a eficácia da vacina é facto, quem nunca guerreou o microscópico bicho previna-se.
Seja pelo senhor Dominique Strauss-Kahn, director geral do FMI, ter sido acusado e preso por agressões sexuais, seja pela velocidade da progressão do sarampo, de novo, o euro caiu e o ressurgir económico da Comunidade Europeia com ele. Valham-nos deuses que no Olimpo da modernidade lançam olhar benévolo para os autóctones deste território fronteiro com o Atlântico cujos mistérios aventuraram desvendar.
CAFÉ DA MANHÃ
Margaret Thorvat
Agrupar. Das miudezas fazer maior. Concentrar. Poupar recursos humanos e equipamentos. Gastar em transportes. Inserir no anonimato quem estava habituado a ser rosto conhecido dentro e fora. Os vastos agrupamentos escolares já implantados ou ‘em vias de’, numa primeira abordagem, parecerem adequados a pôr cobro à triste realidade dos primeiros anos do ensino básico nas zonas mais carenciadas. Porém, dúvida metódica se interpõe - estratégia copiada do exterior, validada por investigações e resultados, adaptada a quem somos e ao que temos, ou motivada pelo nacional ‘desenrasca’ sendo necessário reduzir custos sob aparência de tentadora maçã suculenta e lustrosa?
«Lapalassiano» é repetir não servirem escolas que misturam escassos alunos de quatro ciclos diferentes atendidos por um só professor, com tecnologias limitadas a Magalhães, deficientemente providas doutros recursos indispensáveis. Os incensados agrupamentos servirão melhor uma política séria na Educação traduzida em resultados genuinamente satisfatórios e não fruto de malabarismos numéricos? Fontes de poupança no imediato, posteriormente despesistas?
No Reino Unido, nos Estados Unidos, o anonimato inerente a escolas de grande dimensão não beneficiou os alunos. Nesses países, os dados provaram maior insucesso escolar. Nos estabelecimentos com mais de 900 alunos “a função dos docentes passou frequentemente a ser mais a de "apagar fogos" do que a de ensinar, os alunos tendem a sentir-se menos motivados e os professores menos felizes com o ambiente vivido”. No horizonte, portanto, despesa acrescida pelas retenções. Por tudo, naqueles países é aposta escolas mais pequenas, melhor qualificadas e com maior autonomia, implementação de novos currículos, fixação de um corpo docente mais qualificado.
Inovar em Educação não tem sido característica nossa, também por incapacidade de elaborar programa bem estruturado e agregador das sensibilidades políticas. A volatilidade dos sucessivos ministros não ajuda por associar causa e consequência. Por outro lado a multiculturalidade presente nas escolas exige resposta a preceito. Não sendo o caso, repetem-se situações destas:
“ _ a professora, faz a chamada.
_ Mustafá El-Ekhseri.
_ Presente!
_ Obamba Moluni.
_ Presente!
_ Achmed El-Cabul.
_ Presente!
_ Evo Menchú.
_ Presente!
_ Yao Ming Chao.
_ Presente!
_ Al Ber Tomar Tinsdi-As.
Ninguém responde. Repete a professora:
_ Al Ber Tomar Tinsdi-As.
Ninguém responde. Pela última vez:
_ Al Ber Tomar Tinsdi-As.
Levanta-se um miúdo.
_ Devo ser eu professora, mas pronuncia-se Alberto Martins Dias.”
CAFÉ DA MANHÃ
Acorda. Na obscuridade, luz invisível revela o conhecido. Novo pelo despertar. Como se fora estranho pelo sono e o antes dele. Pestanejar vigia o relógio. Esquece. Ronrona no quente benfazejo. Tempo ainda de sonhar. El Dorado perdido na fímbria da vigília doce. Pelo serão, pelos dias completados em clima de fim-de-semana. A madrugadora recolhida no calor que deseja e contribui para a dose de felicidade que necessita para ser quem é. E é. Feliz. Às vezes. Muitas. Algumas. Poucas se o blue empardece, raramente, o mood/modo/estar.
Na casa dormida, evita movimentos bruscos. A fantasia arrebata-a como “The Lost City of Z” - El Dorado, a capital de tesouros ocultos na Amazónia. Entre eles, espécies julgadas extintas que ali sobreviveriam. Lenda, talvez. Ou livro: "O Mundo Perdido", de Conan Doyle.
Suave, muda de posição. Encolhe uma perna sobre a estendida. Enfia a mão sob a almofada. Ajeita a cabeça. Semi-dobrada, a macieza dos lençóis e da véspera presente transporta-a para «estórias». A do bandeirante português que, em 1753, após sair do interior da floresta amazónica, jurou ter visto do cume duma montanha ruínas de civilização antiga. De tal dimensão e majestade, deduziu, somente pertença de cidade populosa e opulenta. Localizada pelo Google Earth em regiões desflorestadas da Amazónia e no tempo: de 2 a.C. a 13 d.C.
Talvez a Cidade Z nunca tenha existido. Mas a mulher é. Sente e inspira pertença. El Dorado que, em cascata, lhe acaricia a pele e faz tremer.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros