Quarta-feira, 3 de Agosto de 2011

TOMATES, “COURGETTES”, COMPOTAS E MARMELADA

Richard Whitney, Bo Bartlett

 

A Sr.ª Dona Ventura é mulher para setenta anos. Criou três filhos, sozinha pelo falecimento prematuro do marido. Foi empregada doméstica a tempo inteiro provendo o sustento da prole. Porque eficiente e bondosa, patrões compreensivos permitiam levar com ela as crianças. Conserva mãos habilidosas que, nos serões, bordam encomendas, de dia, lavam pratos em restaurantes. No ano inteiro, zela casas cujos donos só em férias as ocupam. Talento culinário faz dela cozinheira de eleição. Bem arranjada, sem avental confecciona refeições de truz para família outra reunida em cada Agosto. Miúdos e graúdos aplaudem os petiscos. Nas esperas dos assados, estrugidos e sopas divinas, ordena gavetas, limpa armários. Almoça, arruma a cozinha sem na roupa que usa deixar mácula. Entra e sai senhora respeitada.  

 

A Leonor, trinta e seis anos, cabelo liso preso com elástico num «rabo de cavalo» terminado nas costas, é vendaval nas limpezas e no passar a ferro. Carrega história pesada – o marido alcoólico sovava-a até a deixar negra, tantos eram os hematomas. Sem uma queixa pelo medo que ele lhe inspirava e julgando assim preservar de ofensas físicas as duas filhas pequenas. Morreu novo. Casou segunda vez e é feliz com o seu homem. Bem disposta, esconde por detrás do riso fácil a mágoa do desemprego. Deita mão ao que aparece e, anualmente, assina o ponto no casarão cheio nas três primeiras semanas de Agosto. Almoça com a Sr.ª Dona Ventura na sala de estar – rejeitam a longa mesa da família que, pela amizade, de bom grado lhes faria lugar em troca das animadas conversas sobre as novas da pequena cidade. De há meses para cá, assaltos, muitos, contam, por bando de quatro vindo de Gaia que aterroriza quem trabalha e deixa a casa cerrada ou circula nas ruas e estradas. Dia, noite, amigos do alheio abarbatam o que podem. E podem muito, como provam moradias esvaziadas, o surripiar vil das carteiras sob a silenciosa luz solar. Não foram vizinhos atentos que chamaram a polícia, continuaria em expansão a carreira dos larápios.

 

Acontece que a Sr.ª Dona Ventura «campainhou» em hora não prevista e do saco surgiram mimos de lamber os beiços – tomates rijos e no ponto, courgette gigante, três compotas caseiras, diferentes, marmelada do ano anterior. Diga quem nas cidades «autofágicas» faz vida, se gestos desprendidos, regalos idênticos, contabilizam.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:51
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