Autor que não foi possível identificar – “Chemistry teacher”
Das greves, conhecemos incómodos decorrentes. Quase sempre marcadas para períodos chave em que mais se fazem notar. Os utentes dos serviços afetados bradam contra e a maioria tem-nas por inúteis, do piorio para os seus interesses e para a economia nacional. Factos contra-argumentados pelos sindicatos manipulados, não raro, politicamente. Porém, as forças sindicais existem e, sem elas, aos assalariados faltaria representatividade junto do poder instituído. Lembrar todo um tempo em que os sindicatos eram proibidos é trazer da memória a árdua luta dos trabalhadores mundiais para uma conquista que, entre nós, a Revolução de Abril legitimaria.
A prevista greve dos professores às avaliações finais dos alunos e no primeiro dia dos exames nacionais em que decorre a prova de Português para o 12ª ano ergue a voz das Associações de Pais e das famílias preocupadas com os respetivos infantes. Reação natural. Todavia, fossem outras datas, conseguiriam os professores interpelar eficazmente o «patrão» para o tratamento indigno e condições de trabalho insustentáveis que desde há anos perduram?
Como exemplo seja lembrado o número insuficiente de funcionários assistentes de ação educativa que, em escolas de grande dimensão, podem ser apenas nove efetivamente ao serviço. Qual a ligação desta realidade com a atividade docente? Muita. Sendo os referidos funcionários garante da higiene, limpeza, vigilância e acompanhamento dos alunos nos intervalos das aulas e durante elas como é o caso aulas laboratoriais de Biologia, Química e Física. As duas últimas envolvem preparação dos materiais necessários, riscos que o professor dificilmente pode controlar sozinho – basta ajudar um aluno para ser obrigado a desviar a atenção da classe. No entretanto, muito pode acontecer que afete a segurança de todos. A presença dos técnicos de laboratório fornece mais um par de olhos atentos e sabedores ao que decorre.
Outras situações da realidade docente podiam ser chamadas à colação tal como a progressiva desautorização dos professores num quadro de laxismo governamental relativo também à permissão de inenarráveis justificações das faltas dos alunos e sobrecarga burocrática antes da competência dos auxiliares. Esse era o tempo em que estes não eram “pau para toda a obra” como por ora acontece.
Não estimo a ideia de prejudicar alunos seja qual for o modo. Contudo, tem sido esse o fim último das medidas economicistas governamentais que justificam a revolta docente. Preferível prejuízo num dia que durante anos sob a égide de sucessivos «patrões», quase todos jamais tendo exercido funções numa escola. Legislar de cor ou sob o mando de números é o cancro do nosso sistema educativo.
CAFÉ DA MANHÃ
Mikel Glass
A última preocupação nas escolas públicas é saber se o FMI entra ou não na desgraçada jogatina portuguesa. Na ruína laboral em que se inserem, é ociosidade como a estória do Pedro e do Lobo - tanta vez ameaçou que, a sério, foi mais uma. Entre pelo país dentro ou não, pior é impossível – ainda sem o fantasma, ao Ministério da Educação apenas interessam números desligados das gentes e do mapa social que as insere. As escolas públicas não dispõem de funcionários suficientes para garantirem o normal funcionamento das actividades. Os alunos, entregues a si próprios nos corredores e pátios, correm perigos inumeráveis. Na sala de aula, o professor dá o melhor para garantir aparência de normalidade - lecciona, destila conteúdos, utiliza estratégias que motivem aprendizagens eficazes. Quando a campainha toca é o caos: omissos funcionários vigilantes, se um transviado decidir puxar de arma ninguém o impedirá, salvo o acaso. Enquanto tragédia não acontecer e o ‘fia-te na Virgem’ for regra, os pais, através das respectivas associações, mantêm-se indiferentes. Para eles o importante é ver, pela matina, portas abertas que legitimem o depósito dos infantes. De seguida, irem descansados à vida. Julgam, mas visitassem amiúde a escola dos filhos, fosse importante o saber das horas em que não os vêem, a inquietude não lhes permitiria dia e noite descansados.
Pelo insano Estatuto do Aluno, basicamente os gaiatos fazem o que lhes é ditado pela gana integrada no espírito grupal. Faltam, assinam mais as famílias ‘contratos de aprendizagem’ sem lhes passar pela cabeça cumpri-lo. Director de Turma atento, se detectar estados psíquicos alterados por fumaças ou «snifs» e convocar para entrevista o Encarregado de Educação arrisca-se a ouvir: _ O Martim está farto de saber que não lhe permito «charrices» nas aulas. O professor, boquiaberto, emudece. O Estatuto do Aluno em muito pouco legitima procedimentos punitivos. O referido Martim encontrado com maço anormal de notas garante-o fruto de presente natalício. Chamados, de novo, os pais confirmam, não seja o infante castigado e denunciado por tráfico de droga.
Se após desmando grave, o adolescente for punido com trabalho escolar comunitário, aqui d’el rei que o meu filho não foi (des)educado para limpar mesas que conspurcou durante as aulas, acobardado atrás do colega da frente que nem olhar laser do docente detectaria. É que o professor, um tonto, ainda se entusiasma na transmissão dos conteúdos e tenta levar além quem o segue, menosprezando a função policial quando pares de olhos curiosos pedem mais saberes. Afinal, a turma estava em absoluto silêncio. Os cretinos também.
Entretanto, os professores, abalroados com papelada, sem tempo para o principal, ensinar com qualidade, amarram-se aos computadores e marcam faltas e planos de recuperação, enviam cartas aos Encarregados de Educação que, na maioria, ficam sem resposta; convocam entrevistas e sentem-se totós num universo de espertos. Certezas têm: cortes nos salários, limpeza do material de laboratório, sem a presença da assistente laboratorial assumirem, isolados, os perigos das aulas experimentais, trinta e cinco horas de trabalho por semana, onze horas de trabalho individual, normalmente cumpridas ao fim do dia ou da semana, destinadas a elaborar e corrigir testes, fichas, estudo e preparação de aulas. Era desejável que o professor lesse, tivesse possibilidade de assistir a espectáculos de teatro, concertos, ópera, bailado? Sim, mas a tanto não aspiram – pré e tempo para evoluírem culturalmente é escasso. Empobrecida, também por esta via, a actividade docente. Prejudicados alunos e a educação em Portugal.
A reorganização curricular no próximo ano lectivo prevê a eliminação de cerca de vinte por cento dos postos de trabalho – aproximadamente dez mil professores. Ao terminar com o ‘estudo acompanhado’, ‘formação cívica’, a disciplina da ‘Área de Projecto’, o prejuízo dos nossos alunos é incalculável. Das trinta e cinco horas, previstas vinte de carga lectiva semanal independentemente do estatuto na carreira, da idade. E se cidadão fora desta realidade argumentar que não lhe parece mal, que vinte horas frente a alunos ainda são de menos, configure uma média de quatro blocos de 90 minutos por dia, o aumentado número de turmas por docente, o acréscimo de trabalho nas tais onze horas individuais, o castigo do implacável decréscimo de exigência profissional para quem o brio em cada aula ministrada é honra devida aos alunos. E a vida familiar, o acompanhamento dos filhos, que mudanças sociais nefastas terá?
Ontem, numa escola, correndo aula, o professor encontrou um jovem com arma carregada e manual de instruções para fabrico de bomba artesanal. Este é começo. Não fosse estarem imbuídos do espírito de serviço à comunidade, directores das escolas e a classe docente há muito e para segurança de todos deviam ter fechado portas a vários estabelecimentos de ensino. Não o fizeram, não o fazem; todos se desdobram em actividades mil. Subserviência bem intencionada que sai cara ao país.
CAFÉ DA MANHÃ
Cortesia de RMF.
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