Georgy Kurasov
Na história da literatura, as mulheres foram protagonistas. Não como escritoras, raras obtiveram do mérito e da fama os proveitos, mas como leitoras. Em idos e no presente, a palavra escrita fascina-as, enredam-se nas teias crescidas nas histórias, nas de seda das cartas de amor - hoje, dispensados o romantismo dos papéis aromatizados, a letra desenhada com pena a escorrer tinta de emoção, o mensageiro e o seu duplo toque. O alvoroço de quem recebe manteve-se. Mais curta a espera pela velocidade da luz nos polímeros que levam e trazem novas.
A Inquisição escolheu como vítimas, fundamentalmente, mulheres com saberes e os livros. Uns e outros atirados às fogueiras do ódio. Nem assim extinto o desejo do conhecimento, mesmo se folhas de jornal onde um poema de Rilke veio a propósito numa crónica andarilha e tem a serventia de forrar soalhos enquanto paredes e tetos são pintados. Ignorância? Desleixo? Crime? _ Qual quê? Pior faz regime totalitário que soe cair na tentação de condicionar ou exterminar a palavra escrita «mai’lo» autor. Cidadãos que pensam, mulheres em particular para que não se ergam acima das chinelas do saber e destruam núcleos familiares submissos, são risco social, julgam os ditadores.
É contado que Ossip Mandelstam foi aniquilado e os poemas destruídos. A companheira memorizara-os e escreveu-os. Negou ao tempo a borracha. Oposto aconteceu com a heroína literária russa Maria Bassova, atiradora reputada do “Exército Vermelho” e o seu enamoramento por um oficial da fação oposta. Venceu a obediência de Maria à política orientadora. Elimina o oficial. Mas a narrativa tem um entremeio: ele quer fumar, faltam mortalhas. Ela escrevia poemas num caderno onde derramava tesouros íntimos. Dele, até à última, rasga folhas que enrolem o tabaco.
O medo, a morte, o amor, sempre o amor elevado pela escrita a beleza maior do que no real, todavia sem o arrepio da pele que só a vida autoriza.
Nota: publicado no "Escrever é Triste".
CAFÉ DA MANHÃ
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