Fabiam Perez – “Black Suit, Red Wine” Fabian Perez – “Proud to Be a Man, III”
"A espaços, quando a saudade bate, reúnem-se os(as) velhos(as) amigos(as).
Os pretextos são muitos: o aniversário do final da guerra, o funeral de velho chefe de que alguém se lembrou ou simplesmente... por coisa nenhuma.
Têm todos esses encontros em comum ocorrerem sempre à volta de mesa farta. Como um hino ao declínio hormonas e ao Outono das ideias. O prazer, que andava antigamente pelo baixo-ventre, sobe agora para as papilas gustativas.
Nos homens, desce o que nem preciso mencionar e sobem as sobrancelhas como que semeadas em dia de vento. Comparadas a rigoroso transferidor, as curvas da felicidade são aferidas pelo estado civil. Nos casados, de bojos mais proeminentes, infere-se a inveja pelos que ainda têm o grisalho dos cabelos sobre a testa.
Nas mulheres, arredondam-se os rostos levemente inchados. As saias, justas, contorcem-se em prodígios de costureira. Os perfumes, outrora aromas suaves, viraram opiáceos intoxicantes entre maquilhagens mais carregadas que bateria nova. Os decotes são agora menos discretos pelo milagre da elasticidade das lãs.
Por muito velhos que estejamos, conforta-nos ver que fulano está pior do que nós e sicrano muito mais magro depois de operado. Agradecemos e retribuímos a piedosa mentira do 'estás na mesma', com um sorriso confuso de quem não sabe se isso é bom ou mau, mas tomando-o como bom.
Abraçamos aqueles de quem gostávamos e gostamos. Os seus rostos fazem-nos corar pela memória de histórias do tamanho das nossas vidas num doce prazer de estar triste a que os românticos insistem em chamar de nostalgia. Diz-nos a razão, como sal que tempera a emoção, que não voltaremos a ser, ter ou haver, o que já foi e passou.
E perguntam-nos sempre aqueles que nunca nos ligaram nenhuma 'então, o que fazes agora?' como se o quer que fizéssemos agora, interessasse sequer ao menino Jesus quanto mais aos inquiridores; internamente ocorre-nos a vontade de responder: _ 'o que é fraco dura muito!'
Na mesa ao lado, numa tétrica conversa de sénior, enumeram-se quarenta nomes, dos quais, alternativamente, os presentes, vão confirmando os óbitos.
Entre suspiros roubados ao silêncio da memória, os homens compitam em murmúrio - diz quem sabe que fulana, ainda tem muito boa mama - e bebem mais um copo para esconder o sorriso e o que sabem mas não dizem.
De igual modo o fazem as mulheres, com os olhares. Em explícita cumplicidade, mais mordaz que alcali forte, um olhar basta para demonstrar como é cáustico o riso histriónico de fulana e parola a gravata estampada de sicrano.
Com ou sem discurso do promotor ou homenageado, etilizados pela saudade e exacerbação de memórias, permutam-se abraços longos de despedida, confortados na promessa de 'para o ano de novo aqui sem saberem que baixas haverá na foto de família, por lesão ou perdidos em combate."
Texto de Júlio Gonçalves, autor do livro “Caixeiro-Viajante”
CAFÉ DA MANHÃ
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