Terça-feira, 10 de Junho de 2014

CAMÕES FICA FORA DISTO

Gustavo Fernandes

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:28
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Quarta-feira, 23 de Abril de 2014

FALTAM 2 DIAS PARA 40 ANOS

                    

João Abel Manta - A Família dos Pachecos                                                                               João Abel Manta - Namoro

 

Era um país a preto e branco. Havia o bem e o mal. A virtude e o pecado. O permitido e o proibido. Pessoas certas e erradas - comunistas, ladrões, democratas, assassinos, livres pensadores, trafulhas, irreverentes, prostitutas, liberais, bêbados, artistas ousados, ateus. Somente na riqueza havia três categorias: muito ricos, remediados e pobres (a maioria). Era um país de filtros. Uniformes nos níveis de porosidade, passava o situacionista e ficava retido o perigoso cruzado a vermelho pelos censores. Os humores e a tacanhez dos polícias do espírito filtravam a informação, os livros, os filmes, a música e o teatro. Era um país de famílias: as poderosas e as outras. Mas famílias. Pai, mãe e filhos, ascendentes e descendentes, todos com estado civil nos vértices de um triângulo: viúvos, casados ou solteiros. Estes como pessoas menores sendo adultos e mulheres. Uma depressão no feminino - doença dos nervos, diziam - podia ter uma de duas razões: pesadas mágoas se casada, falta de homem se solteirona (estado avançado da degradação das mulheres que ninguém quis). Era um país de homens. Governavam o povo e as famílias, detinham os cargos superiores, pertencia-lhes a exclusividade da vida militar e doutras profissões. Era um país analfabeto, rural, com elevada mortalidade infantil, pejado de deveres e diminuído em direitos, salvo a bebedeira, o prostíbulo e o futebol. Era um país sem dúvidas. Do nascer ao morrer. Acabada a primária, era sabido que, podendo a família sustentar estudos, o destino seria a Escola Industrial ou o elitista Liceu. Os meninos pobres para se instruírem iam para o seminário, enquanto as meninas pobres faziam a lida da casa, trabalhavam nas fábricas ou no campo. O rapaz sabia que a guerra o esperava no alvor da juventude e, caso sobrevivesse, no regresso empregava-se e constituía família. As raparigas casavam cedo para amarem e procriarem com decência; trabalho fora de casa apenas por necessidade ou capricho da abastança. As mulheres eram velhas aos quarenta anos. Havia a certeza da morte ser precedida pelo chamar do padre e pela extrema unção – caso contrário, iam direitos ao Inferno e a família incorria em grave risco de escândalo social perpetuado até à terceira geração. Portugal legitimou dúvidas, opiniões e deu-lhes voz sem medos faltam dois dias para quarenta anos. Bem maior não há.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:26
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Terça-feira, 2 de Julho de 2013

VAI UMA REZA PELO MORIBUNDO?

 

LA Hughes watercolor collage “To Die For”                                                    LA Hughes Pop painting “Go Forth…”

 

A pasta das finanças mudou de rosto e de mãos. É o costume: quando é chegada a condição de moribundo, ou se desligam as máquinas de suporte de vida, ou é tentado remédio novo ainda sem créditos firmados e que pode dar o golpe final no desgraçado. Para os crentes é altura de pedir conselhos à Senhora de Fátima como o patrão maior fez há tempo pouco.

 

Vem a propósito a letra da música “O Charlatão” a que o Sérgio Godinho deu voz.

 

“Numa ruela de má fama
faz negócio um charlatão
vende perfumes de lama
anéis de ouro a um tostão
enriquece o charlatão

 

No beco mal afamado
as mulheres não têm marido
um está preso, outro é soldado
um está morto e outro f´rido
e outro em França anda perdido

 

É entrar, senhorias
a ver o que cá se lavra
sete ratos, três enguias
uma cabra abracadabra

 

Na ruela de má fama
o charlatão vive à larga
chegam-lhe toda a semana
em camionetas de carga
rezas doces, paga amarga

 

No beco dos mal-fadados
os catraios passam fome
têm os dentes enterrados
no pão que ninguém mais come
os catraios passam fome

 

É entrar, senhorias
a ver o que cá se lavra
sete ratos, três enguias
uma cabra abracadabra

 

Na travessa dos defuntos
charlatões e charlatonas
discutem dos seus assuntos
repartem-se em quatro zonas
instalados em poltronas

 

P´rá rua saem toupeiras
entra o frio nos buracos
dorme a gente nas soleiras
das casas feitas em cacos
em troca de alguns patacos

 

É entrar, senhorias
a ver o que cá se lavra
sete ratos, três enguias
uma cabra abracadabra

 

Entre a rua e o país
vai o passo de um anão
vai o rei que ninguém quis
vai o tiro dum canhão
e o trono é do charlatão (bis)

 

É entrar, senhorias
a ver o que cá se lavra
sete ratos, três enguias
uma cabra abracadabra”

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:09
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Quarta-feira, 24 de Abril de 2013

À MEIA NOITE, 39

 

João Abel Manta

 

Trinta e nove anos repartidos entre euforia inicial, esperança muita, desolação dos portugueses na fatia maior das órbitas completas da Terra entretanto ocorridas.

 

Povo mal governado, povo cujo atavismo do «come-e-cala» é cumprido ainda que historicamente quebrado em esparsos momentos chave, povo com sorriso desbotado, povo sofredor, povo que encolhe alma valente e empreendedora, povo solidário, povo subordinado a mandantes focados nos umbigos, sem ideares coerentes, corruptos vezes demais. Povo à deriva.

 

Que já na idade madura da libertação seja bradado ‘Basta!’. Que os ânimos se alevantem. Que a luta individual e de todos por melhor se instaure. Que seja declarada guerra à prostração coletiva. Que façamos sumir os esquifes onde julgam enfiar-nos batendo ainda os corações.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 10:33
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Terça-feira, 16 de Abril de 2013

O BARCO VAI A PIQUE

 

Erica Chappuis - Navigating

 

Eduardo Catroga: - "A minha geração nos últimos 15 anos só fez porcaria."

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:55
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Sábado, 8 de Setembro de 2012

CARTA

Mary Helmreich

 

"Ontem pelas seis da manhã, ainda escuro como breu e com chuva miúda e persistente, entrou na quinta o colaborador que me acompanharia, em jornada de trabalho pelas terras dourienses.

Perante uma Diana atónita e cheia de moleza, que lhe ladrou, preguiçosa, com o seu vozeirão de mastim e tinha atrás de si dois dos filhotes, ainda cambaleantes mas já "reguilóides" e de rosnadelas "pífias" (voz de falsete nos adolescentes humanos), saímos em direcção ao Norte, tendo eu, o que é raro, cedido o volante ao companheiro de viagem.

Cerrei os olhos e enviei-te um primeiro pensamento, imaginando-te quente, "fofa" e em suave abandono ao pesado sono da madrugada.

Rolámos em silêncio umas dezenas de quilómetros. A hora matinal do dia invernoso, sem sol a romper, escuro, frio e chuvoso não nos predispusera ainda às primeiras conversas de circunstância. Pelo rádio íamos ouvindo, distantes, a situação dos acessos a Lisboa e ao Porto e tomámos conhecimento dos dois acidentes graves, que no troço final da A1 dificultavam o trânsito.

Surgiram os MadreDeus, o Rui Reininho, o Fausto (relembrei o "Por este rio acima") numa colectânea de música portuguesa bem escolhida.

Na passagem pelo desvio de acesso a Coimbra-centro, imaginei com muita ternura a minha companheira cúmplice, nos seus verdes anos, numa Academia prestigiada, de uma Coimbra ainda sonolenta no tempo. Caloira, praxes, sobrevivência académica, momentos únicos de convívio e companheirismo, as angústias, mas a esperança inconsciente da imortalidade.

Mealhada, Águeda, Albergaria, Oliveira do Bairro, Carvalhos, antigos pontos de referência de uma viagem que era longa e onde os singelos marcos de estrada apressavam a alegria da chegada, hoje meras placas de sinalização que colocam esses lugares no recôndito da nossa memória...Como eram as igrejas?, e as tais tasquinhas que só nós e mais uma hipotética meia-dúzia de amigos conhecíamos?

O Porto austero esperava por nós. No escritório local o esmero era maior por óbvias e compreensíveis razões. Acertadas as agulhas e delineada a nossa estratégia para as conversações que iríamos manter durante o dia, avançámos...

Durante o dia estiveste presente na ausência. Enquanto no restaurante das velhas caves "Taylor" ouvia distante as vozes monótonas e ridiculamente graves dos interlocutores, o meu olhar inquieto acompanhava o rio, devassava a Ribeira em frente e imaginava-te a meu lado, serena, senhora do tempo, feliz pela  nossa solidão a dois, acompanhando a redescoberta da paisagem, a velha ponte D. Luís, as  aflorações graníticas, cinzentas e duras e sobretudo recordava a experiência recente de quanto é bom mergulhar na doçura dos teus olhos castanhos e com eles brincar ao amor.

No fim do dia, já noite, a chuva continuava, o cansaço era do tamanho do mundo e havia que voltar. O meu lenitivo eras tu... Pensei, imaginei, contigo conversei longos diálogos acerca de tudo e de nada. Numa breve paragem na estação de serviço de Pombal para um simples café, vislumbrei uma figura feminina, o coração quase que me deu um baque, momentaneamente estavas ali...nem pensei no insólito que tal seria...a silhueta...o cabelo castanho...e a figura desapareceu... ilusão visionária que me deixou, por momentos, tenso e expectante.

Em casa, cansado, sem sono, reflecti longamente até às primeiras horas da madrugada. Apoiando a cabeça nas minhas coxas, com as crias aninhadas junto à barriga soltando débeis latidos, a Diana, companheira nas minhas noites mais longas, dormia aconchegada e feliz por ter o dono a seu lado.

Se fosse no tempo em que os animais falavam e compreendiam os humanos, eu contar-lhe-ia as razões da minha insónia e dir-lhe-ia que tinha inveja dela, porque não tinha a dona do meu coração junto de mim...

Porque já é muito tarde e, finalmente, consegui escrever-te, vou ver se hoje consigo dormir...Até amanhã (até logo?)...Um grande beijo e muita saudade."

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:29
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Sábado, 24 de Setembro de 2011

LAIVOS, LATIDOS

Peter Brumm, Alphonse Maria Mucha

 

Outono real, pré anunciado como todos os ciclos da terra. Levantou-se estremunhado, neblina descendo da serra, frescura a pedir casaco, botas e calças justas por melhor resguardarem do frio as pernas. Ao longe, balidos e chocalhos de ovelhas, latidos do cão guardador, pastor envolto em sorrubeco e safões. Curiosa, segui o som. Estrada da Serra acima, encontrei o primeiro, o segundo e outro guardador de rebanhos. Sendo escassos parecem ter-se ajuntado em área pequena nesta falda que me abriga. De todos eram os sons que na saleta ouvia, porta escancarada para as videiras cansadas da protecção dos frutos. As uvas moscatel e as «americanas» pintadas de negro laivado de azul ou roxo, vá lá alguém determinar com exactidão o tom!, suspensas das hastes velhas que anos descuidaram. Das parras mais há a apontar pela riqueza cromática que hoje é para daqui a um mês não ser. E a neblina turva os cumes como guarda-sol fora de época, o mesmo é dizer capilé morno ou chapéu de palha em Janeiro. Mas refresca. Sabe bem. Aconchega a humidade da terra castanha que espera engravidar com novas sementeiras.

 

As gentes que no final do dia empregue em trabalho com pré mensal garantido - o até quando é «x» matemático, a incógnita que os aflige - zelam pelos pertences agrícolas, luzem olhar alegre na perspectiva da quantidade de vinho obtido após a estafa das vindimas. As videiras prometeram e cumpriram. Repousam agora até à poda que rebentos farão surgir. Nestes, a esperança de novo ciclo produtivo. Nestes, também o sentido de mãos laboriosas, a fé no advir.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:21
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Quinta-feira, 1 de Setembro de 2011

A TABERNA DO SENHOR EUGÉNIO

Gil Elvgren

 

Em qualquer urbe grande ou pequena, pontificam tabernas. O evoluir e a globalização de costumes e normas a muitas retirou simbolismos e passaram à banalidade de mini-mercados ou cafés, ainda assim servindo ao balcão ‘taças’ de branco ou de tinto ou mata-bicho de aguardente para o dia bem começar e acrescer gordura no fígado, aliás o que menos importa ao dono respectivo pois do estado do dito não faz a menor ideia. Nem quer fazer o doente julgado são, que isto de ir ao médico quantas vezes é causa de sair acabrunhado quem se tinha por rijo como pêra camoesa. E é de experiência feita, aquela de entrar num hospital com queixas de dores num pulso, ser observado criteriosamente e sair de lá com indicação mais cartinha para consulta oftalmológica. Cumpridor, o queixoso vai ao ‘médico dos olhos’. Após leitura atenta da missiva enviada pelo colega, o especialista pergunta:

_ Sente «areias» nos olhos?

_ Nunca dei por elas, Senhor Doutor.

_ Vou introduzir-lhe na base da pálpebra inferior tira de papel filtro e já se vê.

O cliente nem uma, nem duas. À uma, pela perplexidade acompanhada da contínua dor no pulso tão longe do olho como dos pés; às duas, porque médicos são autoridades sabedoras e o paciente ignorante do que vai nas entranhas. Arregala os olhos, é metido o papel e daquele modo fica minutos que lhe parecem horas. Quando o doutor o livra do incómodo mira a tira e remata:

_ Não fabrica lágrimas em quantidade suficiente. Sofre de síndroma de anticorpos antifosfolípidos.

Continua a dor no pulso e sai alapardado pela maleita de nome impronunciável que nem dá para nomear a amigos e conhecidos. Uma pepineira!

 

A taberna do Senhor Eugénio tem décadas de história. Herdada do Sr. Moisés, o pai, no largo principal das Aldeias, prestou serviço público de monta. ‘Matava o bicho’, funcionava como bar – cervejas, vinhos e aguardentes correntes - entretinha quem das novidades gostava saber como se fora jornal diário, possuía o único telefone da aldeia, recebia o correio ao qual as gentes acudiam para da família receber notícias, era marco de correio, vendia açúcar, farinha, arroz, feijão e bens outros para o tacho, os tachos também, alguidares e plásticos e pesticidas e adubos e panos de chita ou de categorias acima, alfaias agrícolas. O demais vendido seria descrição fastidiosa e no mercado das quintas, em Gouveia, o Senhor Eugénio mais a mulher e a única filha exibiam tecidos à moda para costureiras confeccionarem obras-primas. E havia-as, copiadas nos últimos figurinos das colecções que Paris ditava, botões tal qual incluídos.

 

O Senhor Moisés destinou o filho à mais nova das meninas Brojo da terceira geração anterior à que, hoje, desponta. Por desaprovação da interessada e das matriarcas, o amor pra vida seria outro – militar que em Gouveia veio prestar serviço e depressa se encantou pela beleza, recato, postura exemplar, condição de «menina-família» sempre bem vestida, conquanto sem arrebiques ociosos. Ele, homem e profissional exemplar, desposou a donzela num gélido 31 de Maio na igreja das Aldeias desde há muito associada à família da nubente. Tinha vinte anos a noiva, como a mãe, como a filha que o casal geraria.

 

O jovem par faria princípio de vida em Gouveia, curto tempo, depois na Guarda, idêntica duração e, pelos sete anos da filha, em Coimbra. Até hoje, a Senhora Brojo, até há seis anos, o amor da vida. Ele dum lado pró outro desde o início da guerra colonial, Áfricas algumas, sempre desfeito pela dor da partida. E aguardava-o a mulher/amante, suavizada a saudade pelos aerogramas e férias. Piores eram os Natais que a «têvê» inundava de mensagens dos forçados guerreiros, o atraso da correspondência, a Noite Santa sem do amor e do pai e do genro e do sobrinho haver notícia. Missa do Galo com lágrimas, mãos unidas em prece, esperançada em que o Menino recém-nascido não se esquecesse do pai, oração crente da menina/filha. Retorno no breu serrano. Eram as férias do Natal e a volta nevada para Coimbra amena.

 

Somente aos dezoito anos, a jovem soube a delícia de ter o pai junto continuadamente. Do susto aterrorizador por ele sentido se era batida com força a porta do frigorífico. Da discrição nos horrores passados por conta de tiranos ilusionistas. De tudo viria a saber, já mãe, nos infindáveis passeios/partilhas a dois pelos carreiros de cabrestos acima.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

publicado por Maria Brojo às 08:25
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Domingo, 15 de Maio de 2011

DA SAÍDA À CHEGADA, “SÃO ROSAS, MEU SENHOR!”

 

Na saída, “são rosas, meu senhor, são rosas”, brincos de princesa e frescura no ar lavado. O automóvel ronronará, depois, a caminho do centro ainda histórico pela tradição. No Largo, a partir do qual mil caminhos derivam, paragem. Duas gerações directas enveredam pela calçada das muitas esplanadas e um jardim.

 

 

O coração da urbe bate aqui no enviesado das ruas e escadas, dos prédios estreitos, significantes. Ex-libris alguns. Outros somente velhos cujas faces foram alindadas. Por dentro, os curadores tratam de preservar o encerado das escadas, a dignidade possível. Se ocupados por serviços, foram remediadas rugas e humidades e a modernidade entrou.

 

 

Mas são os ferros forjados por hábeis artesãos que recolhem olhares. Em baixo, hordas de turistas com cabeças empinadas para das fracções arquitectónicas catalogadas não perderem pitada. E tufos de musgo, de ervas selvagens espreitam nos telhados. A roupa debruçada nos varandins denuncia necessidades/hábitos dos poucos habitantes sob o desenho rendilhado.

 

 

Existe maior beleza que a simplicidade dos traçados? Edificações coladas, coerentes, cúmplices nos alicerces e paredes-meias abrigam recursos a todos necessários. Conhecem pelo nome os clientes habituais, cumprimentam-nos nos passeios havendo folga entre o ‘quero isto’, ‘quanto custa?’, ‘embrulhe’, ‘tome lá, dê cá’.  

 

 

Pontifica na artéria a filial dos Grandes Armazéns do Chiado instalada em 25 de Abril de 1910, ano da implantação da República. Foi modernidade da cidade litoral, vendeu mercearias finas, mudou costumes no trajar, terá enfeitado damas e cavalheiros à moda de Lisboa quando Paris, Londres, Roma e Nova Iorque eram lonjuras inimagináveis que raros conheciam. Cumprido o centenário com festa e folclore, continua dedicada às artes e desempenha valorosa contribuição cultural.

 

 

Ainda na mesma rua, a desordem de estilos ordenada pelos anos. Para a mulher que se embevece com sacadas e ferros e candeeiros e comércio tradicional, que recorda com saudade o esmero dos arranjos florais da Petúnia Florista para alegrias e lutos, cada reencontro é beber seiva duma das quatro raízes.

 

 

No Arco da Almedina, antiga Porta de Barbacã possivelmente construída nos reinados de Afonso III e D. Dinis, está protegida a escultura de João de Ruão. Mais abaixo, a Igreja de São Tiago é acompanhada por escadaria que de cima desce à Baixa Velha.

 

 

Rosas de pedra, trabalhadas por cinzel ágil. É a Rainha Santa Isabel inspiradora de tantos ornamentos floridos com idêntico mote? Na dúvida, sejam colhidas por pupilas focadas no alto.

 

 

Abandonadas presenças do que foram e ainda são, esperam rosas a chegada. O automóvel detém-se. Na quase curva, o fresco de paredes vetustas, conhecidas, amadas, é desejo quando o sol está a pino.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 10:29
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Segunda-feira, 2 de Maio de 2011

ASAS AO DEPENDURO

Mark Bryan, Janice Northcutt

 

Do ‘mal’ consubstanciado num homem, Bin Laden, resta o corpo sob custódia dos Estados Unidos. Festejam os norte-americanos, pronunciam contentamento líderes mundiais. É reclamada justiça feita aos milhares de inocentes no Oriente e no Ocidente que a organização tentacular encabeçada pelo homem assassinou.

 

Enquanto as agências noticiosas se afadigam em divulgar tão importante feito, adiantam que o cadáver já tem o mar como esquife, é consensual não confundir as sobras do ‘mal’ com o fim do terrorismo – doravante, a previsibilidade aponta para o seu recrudescimento. Estados alerta, os cidadãos sem meios para se cuidarem. O acontecido no café de Marraquexe mostra que o polvo se desdobra em múltiplas cabeças.    

 

Já o assassinato de um filho e três netos de Muammar Khadafi pelas forças da Nato é coisa outra - eliminar alvos militares líbios que diminuam o poder do ditador e o conduzam à demissão, sim, atacar cirurgicamente humanos sem culpa, nunca. Efeitos colaterais, dirão os mandantes; acção falhada, erro grave, digo. O propósito de mandar Khadafi para a tumba, polémica a bondade do intento, obrigava a cautelas extremas que bombardeamento não assegura.

 

O ‘mal’ dos muitos rostos ficou sem um. Demais com máscara de anjo circulam por aí, escondendo a podridão das asas ao dependuro.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

 

 

publicado por Maria Brojo às 10:28
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Segunda-feira, 4 de Abril de 2011

ANTES QUE AS CÃS SEJAM TODO O CABELO

Paulo Toledo

 

País trôpego, gentes julgadas mancas. Mãe bastarda e briga familiar fizeram nascer Portugal. Do burgo de Portucale ao reino tomado por conta e risco de Afonso Henriques, não se esticaram os anos. Terra com pouco a contar se, de ouvido rente ao chão, ignorarmos os ecos da evolução incerta entre dois mundos políticos diferentes: fronteiras oscilando entre os reinos cristãos e a influência muçulmana e islâmica.

Território acanhado, pobre, pedregulhos agrestes entrecortados por leiras de solo castanho e húmido aventurando-se no mar. O do interior, dado ao centeio e à oliveira, o do litoral, propício ao milho e verduras. A pastorícia e a pesca espreitavam amenidades atmosféricas para trazer à mesa o pão que as invernias negavam.

Do «ontem», assim resumido, há diferenças no presente. Continuamos, porém, leira acanhada, pobres como antes, desencantados por vocação. Penhorámos bens e ilusões, mas é nosso o espírito vadio que nos elevou a cumes onde outros não chegaram sem recuarmos a séculos muitos em que os genes por ora acartados eram pedaço de junco de ribeira.

Dêem ânimo a esta gente antes que as cãs sejam todo o cabelo. Na campanha próxima, não acenem com benfeitorias, idas ao bufete e folguedos, subestimando a lusa inteligência. Sabemos quem somos e o que queremos, embora nem sempre pareça. Do gato e da lebre conhecemos diferenças. Exigimos trindade de valores como alimento da energia derramada em suor para empurrar este país: verdade, hombridade e carácter.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:52
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