Kathleen Scarboro – Sharing
Por onde andas que tão poucos te encontram? Que forma tens para muitos não te reconhecerem quando partilhas a casa que os abriga? Falasses, murmurasses ao ouvido “estou aqui, ao teu lado” e talvez te vislumbrassem. Talvez o olhar rodasse. Talvez lábios entreabertos num sorriso luzido. Talvez dias/tesouros. Talvez doenças se esvaíssem. Talvez o mundo girasse ao contrário por desse modo ser entendido.
Tantos te associam a haveres e a ausência de deveres. A desejos (ilusões?) satisfeitas no instante em que arribam. A lâmpada de Aladino sempre a brilhar. Mas, para isso, quem assim ideia a felicidade teria de ser distinto dos demais. Só o poucochinho dos seres faria deles espécie outra. Alojaria nas curvas cerebrais a convicção de privilegiados. Que muitos têm e não sabem. Porque vivem no negrume. Cega-os a desesperança metódica, implacável. Solidariedade como palavra vã – não lhes acresce bem-estar imediato; maçada que não apetece.
Dar de si o melhor em cada dia passado, é futuro prometedor. Entender que o lugar-comum “a saúde e os afetos são o que mais importa” é, afinal, verdade insofismável. Que família calorosa, que corpo sem células guerrilheiras e assassinas são bens que descontam achaques e miudezas. Porque ao chegar a tristeza, e chega sempre, a noção de felicidade séria não é mera panaceia. É remédio. Seca lágrimas, cura chagas da alma, dá sentido a um corpo mutilado, à sobrevivência quando paira a ameaça real de amanheceres precários.
CAFÉ DA MANHÃ
Afirma a pintora contemporânea Kathleen Scarboro: _ "A vida é magia, mas, frequentemente, esquecemos isso. Parece-nos repetitiva, vulgar quando é surpreendente e este mundo complexo. Não quero esquecer o mistério no centro de cada ser vivo. Adoraria redescobrir a vida cada manhã. É o que fazem as crianças e é razão de serem tão apelativas. O ideal seria combinar a frescura duma criança com o poder de ação de um adulto."
Autor que não foi possível identificar
Era o dia. Marcara-o em agenda vazia. Queria-a virgem de rotinas por cumprir. De ociosidades. De breves fichas de leituras. Ao abrir a Moleskine ampla, oferta com poucos dias, escreveu com letra bonita o propósito. Assim registado com ritual condigno, pensou não ter motivo para deslize. De facto, optara por limpar o espírito dos negrumes últimos. Das mentiras que o íntimo adivinhava num tom de voz, numa interjeição, numa frase. Dos conselhos que alguns atreviam para lhe comandarem atitudes. Das intrigas alheias que atingiam amigos e, solidária, ouvia. De falsos afetos apresentados como hologramas e, supostamente, lhe dirigiam. De interesses rasteiros. De hipocrisia. Da ingenuidade tonta pensada como característica sua. Da confusão entre espontaneidade e espírito débil. De ser manipulável o que contraria o natural pragmatismo e as análises íntimas. De ser frívola pelo cuidado no arranjo quando, em cada manhã, apenas projetava estar bem consigo deixando liberto o pensamento para o importante na vida. Do impositivo não gosto assim ou assado. Do convencimento dela obedecer, conquanto negado pelo dia-a-dia e pela argumentação. De ser tida por lerda apenas pelo gosto de nos outros ver o melhor.
Escreveu na página limpa: _ “Eliminar dos que me rodeiam incumpridores do respeito que exijo e devolvo.”
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros