Blake Flynn, Greg Horn
Lia desde os cinco. Antes, com ajuda do avô e do pai, juntara letras para satisfazer a necessidade louca de descobrir o sentido daqueles desenhos impressos a negro que contavam histórias lidas pela mãe ao adormecer. Satisfeito o sono, pulava para a cama onde a esperava o colo materno; continuava a ouvir o que a noite interrompera. Devorou a ‘Formiguinha’ antes da entrada na primária. Talvez pela condição de filha única, além dos amigos reais, privilegiava os imaginários, dela em lugar primeiro, dos Grimm e de La Fontaine. Da Comtesse de Ségur, da Louisa Alcott, mais tarde. Da Odette de Saint-Maurice cujas estórias ouvia nos sábados da rádio sob o formato de episódios. Desenhava as cenas, treinava a figura humana. Fez do carvão um amigo – os lápis de cor pouco lhe diziam. Blocos de ‘papel cavalinho’ gastos em menos do soprar de um fósforo. E os pais, compreensivos e atentos, reabasteciam-na dos instrumentos/brinquedos. E pensavam a filha como menina-prodígio pela celeridade das aprendizagens e múltiplos interesses. A verdade desmentia – tão somente criança só buscando na fantasia irmãos que não tinha.
Um dia, desprezando a conversa das cegonhas, da mãe quis saber se nela existia a vontade de ter um bebé. Que sim, que tinha, que se veria. E tinha, mas não chegou. Até hoje, o porquê não foi explicitado e vivem ambas a não-pergunta, a não-resposta. Fosse noite de estio que pede liberdade fora de paredes e nenhuma das lembranças acima ocorreriam. Mas é serão dum Dezembro morno acolhido em alma fervente a propiciar revisitação de idos, enquanto lãs e enfeites desenham motivos outros.
CAFÉ DA MANHÃ
Thomas Waterman, Scamato
Mal começou o estio, e a silly season aí está espampanante pelas frivolidades de que faz notícias. Não fossem as especulações e «achares» sobre o governo, o futebol e prevenção dos incêndios, a penúria dos portugueses, a já sabida intenção de emigrarem trabalhadores qualificados com que se encheriam páginas, rádios e televisões? _ De cultura em pousio, novelas feitas de tragédias nossas e mundiais, do pároco que assediou a beata mais apetitosa da paróquia, da mãe que matou o tio e foi assassinada pelo filho, do falecimento da mulher mais velha do mundo, brasileira, 114 anos, cujos familiares garantem ser o segredo da longevidade jamais se ter imiscuído na vida dos outros. Ora, neste último particular, há motivo para reflexão. Não sobrecarregar a consciência, dela o pensamento, com ociosidades, espírito optimista que rejeita afligir-se antecipadamente e morrer de véspera como peru natalício constituem dietas mentais que não entopem artérias.
É também dito da brasileira falecida ter optado por quotidiano alimentar saudável – pequeno-almoço de café, pão, fruta e chá com linhaça. Ora, tenho para mim, que a metade dos portugueses que este Verão, pela falta de pecúlio, não goza férias ou fica em casa ou pede abrigo a familiares doutros sítios para mudança de lugar, luta por alguma saúde económica e longevidade assisada. Razões: falta dinheiro para cervejas, vinhaças e almoços empanturrados seguidos de sesta anestésica que atafulham estômago e o músculo cardíaco, carvão pra grelhados mais barato do que energia comprada à EDP ou que gás encanado.
Claro que o Algarve, malgré promoções tentadoras, ficará mais tranquilo que o costumado – os autóctones melhoram a qualidade de vida sem hordas de turistas nossos e dos carregados em aviões vindos de fora. A economia do sul marítimo e aqueles que dela dependem terão agruras novas; todavia, das agressões ambientais causadas pelo péssimo ordenamento do território algarvio, da pelintrice internacional cedo ou tarde sofreria.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros