Sexta-feira, 16 de Janeiro de 2015

A TABERNA DO SENHOR EUGÉNIO

 

Arthur Sarnoff untitled.jpg

Edward H. Nicholson 0682.jpg 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Arthur Sarnoff                                      Edward H. Nicholson

 

 

A taberna do Senhor Eugénio tem décadas de história. Herdada do Sr. Moisés, o pai, no largo principal das Aldeias, prestou serviço público de monta. ‘Matava o bicho’, funcionava como bar – cervejas, vinhos e aguardentes caseiras - entretinha quem das novidades gostava saber como se fora jornal diário, possuía o único telefone da aldeia, recebia o correio que as gentes acudiam para da família receber notícias, era marco de correio, vendia açúcar, farinha, arroz, feijão e bens outros para o tacho, os tachos também, alguidares e plásticos e pesticidas e adubos e panos de chita ou de categorias acima, alfaias agrícolas. O demais vendido seria descrição fastidiosa e no mercado das quintas, em Gouveia, o Senhor Eugénio mais a mulher e a única filha exibiam tecidos à moda para costureiras confecionarem obras-primas. E havia-as, copiadas nos últimos figurinos das coleções que Paris ditava, botões tal qual incluídos.

 

 

 

O Senhor Moisés destinou o filho à mais nova das meninas Brojo da quarta geração anterior à que, hoje, desponta. Por desaprovação da interessada e das matriarcas, o amor pra vida seria outro – militar que em Gouveia veio prestar serviço e depressa se encantou pela beleza, recato, postura exemplar, condição de «menina-família» sempre bem vestida, conquanto sem arrebiques ociosos. Ele, homem e profissional exemplar, desposou a donzela num nevado 31 de Maio na igreja das Aldeias desde há muito associada à família da nubente. Tinha vinte anos a noiva, como a mãe, como a filha que o casal geraria.

 

 

 

O jovem par faria princípio de vida em Gouveia, curto tempo, depois na Guarda, idêntica duração e, pelos sete anos da filha, em Coimbra. Até hoje, a Senhora Brojo, até há sete anos, o amor da vida. Ele dum lado pró outro desde o início da guerra colonial, Áfricas algumas, sempre desfeito pela dor da partida. E aguardava-o a mulher/amante, suavizada a saudade pelos aerogramas e férias. Piores eram os Natais que a «têvê» inundava de mensagens dos forçados guerreiros, o atraso da correspondência, a Noite Santa sem do amor e do pai e do genro e do sobrinho haver notícia. Missa do Galo com lágrimas, mãos unidas em prece, esperançada em que o Menino recém-nascido não se esquecesse do pai, oração crente da menina/filha. Retorno no breu serrano. Eram as férias do Natal e a volta nevada para a Coimbra amena.

 

 

 

Somente recém-adolescente, conheceu a delícia de ter o pai junto continuadamente. Do susto por ele sentido se era batida com força a porta do frigorífico. Da descrição dos horrores passados por conta de tiranos ilusionistas. De tudo viria a saber, já adulta, nos infindáveis passeios/partilhas em tempo de férias na montanha subindo carreiros de cabrestos.

 

 

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

 

 

publicado por Maria Brojo às 08:00
link | Veneno ou Açúcar? | favorito
Sexta-feira, 14 de Março de 2014

ORA TOMEM LÁ CATERVA DE USOS DESUSADOS

 

Abel Manta, pintor nascido em Gouveia em 12-10-1988                              Abel Manta - Fundação Calouste Gulbenkian

 

“Mas quem somos nós senão os outros? Um homem é todas as coi­sas que ele viu e todas as pes­soas que pas­sa­ram por ele, nesta vida.” (Tei­xeira de Pascoaes)

 

O patri­mó­nio de alcu­nhas nas Aldeias, fre­gue­sia do con­ce­lho de Gou­veia onde ainda tenho a casa do Prado e raí­zes fun­das, está ferido por gen­tes des­me­mo­ri­a­das cuja tra­di­ção oral não importa. Dela, relem­bro idos e o desuso em que caiu lin­gua­jar que me encantava.

 

Nome pri­meiro acom­pa­nhado por outro asso­ci­ado ao lugar de morada ou afa­zer é pas­sado. Hoje, impe­ram ape­li­dos como o notá­rio regis­tou. Mas são lem­bra­dos alguns, embora os uten­tes, na mai­o­ria, já tenham a alma no Além. Curi­oso era não se apo­quen­ta­rem os alcu­nha­dos. A Emí­lia ‘da Car­va­lha’, habi­tava junto ao car­va­lho fron­doso no adro da Igreja. A ‘tia Cos­tu­reira’ ou ‘Emí­lia do Canto’ asso­ci­ava lugar de morada à pro­fis­são exer­cida com pun­do­nor. O ‘José da Volta’ tinha casa à ‘curva do Prado’ e, logo abaixo da esca­da­ria que ao mesmo lugar ascen­dia, morava o ‘Senhor Bar­bas’. O ‘Joa­quim e a Emí­lia do Largo’ viviam no Largo da Igreja, a ‘Céu For­neira’, no cen­tro do «povo»*, cozia pão no forno comunitário.

 

Do casal ‘Joa­quim e Alice das Risa­das’ lem­bro a curi­o­si­dade e o sor­riso melí­fluo da mulher, pais extre­mo­sos de menina que casa­ria cedo, tal­vez com dezas­seis anos. Tornou-se mulher bonita que recordo ele­gante na pos­tura ao atra­ves­sar a cidade. A ‘Senhora Céu Ame­ri­cana’ fora emi­grada nos Esta­dos Uni­dos da Amé­rica. Vol­tara com for­tuna, enfei­tes e ouros no pes­coço, tam­bém ao depen­duro em todas as extre­mi­da­des, salvo pés. Ócu­los excên­tri­cos para a moda local, lábios pin­ta­dos com car­mim espesso, cabelo enro­lado em «banana» ripada. Sim­pá­tica e generosa.

 

À ‘Fer­nanda do Sar­gento’, filha de mili­tar da GNR, sol­tei­rona, caracterizava-a o silên­cio, a afa­bi­li­dade, o ar mal­tra­pi­lho con­quanto tivesse pos­ses de sobra. Com­bi­nar roupa extra­va­gante era a sua espe­ci­a­li­dade. Irre­ve­rente, pouco lhe impor­tava o que sobre ela era falado nos dize­res aldeões. Per­sis­tia nas idas e vin­das diá­rias, a pé, para a cidade de Gou­veia, àquele tempo, vila, que os mil e pou­cos metros faci­li­ta­vam. Dis­creta, não era mulher para ‘levar e tra­zer’, o mesmo é cos­cu­vi­lhar. Parece que por ter sido o pai repu­bli­cano aguer­rido, não para­vam padre, ando­res, anji­nhos e banda nas pro­cis­sões junto à casa de morada.

 

A ‘Emí­lia Romeira’, mulher sim­ples no pen­sar, amiga dum copito mas sem exa­gero, tra­ba­lha­deira nos cam­pos como pou­cas, tinha um filho: o ‘Menã’. Dele recordo (…)

 

Nota: há instantes, texto publicado aqui.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:55
link | Veneno ou Açúcar? | favorito
Domingo, 18 de Agosto de 2013

DA "ESTRELA", COISAS E LUGARES (II)

 

 

No perto, muito perto, do casarão na Estrada da Serra em Gouveia, frutos erguidos de caules que o Inverno e uma Primavera nevada haviam açoitado lembram os ciclos da Terra, os ciclos da vida de todos e de cada um.

 

 

De troncos vetustos, beleza ainda verde que aguarda duas semanas para ser colhida.

 

 

De janelas cimeiras do casarão, cumes da montanha que zoom aproxima.

 

 

Na vereda tantas vezes calcorreada, mais uma casa em ruínas que, fui informada pela Junta de Freguesia, ainda pertence à quinta do Prado sita em Aldeias. Deo gratias, porque integrada onde a casa do Prado ocupa o seu lugar ancestral e mais duas casas destelhadas em granito repousam, o IMI não fica acrescentado.

 

 

Deste modo, considero estar bem acompanhada no casarão de Gouveia. De um lado o Caramulo, de três outros a Estrela. O granito intervala os horizontes.

 

 

Descendo aos baixios de Gouveia e virando à direita, telhas e madeiras geram sombras apetecíveis em esplanada pertença da pérola da gastronomia local.

 

 

A simplicidade do genuíno aconchego no restaurante "Lá em Casa".

 

 

Na ementa, pratos regionais que chefe competente inventa. A fusão dos sabores, a estética do vindo à mesa, satisfazem palato e olhar.

 

 

Lombinhos de porco recheados com queijo da serra em seu molho de morcela, divino esparregado de gourgettes jamais provado em qualquer outra região do país. O disseminado cultivo local das gourgetttes é devido ao fenómeno da emigração em massa de gentes beirãs a partir dos anos sessenta.

 

A novidade e perfeita confeção das sobremesas é inexcedível. Eu, que não morro de amores por doçuras, ali não as perco como remate da refeição perfeita. A beleza com que são apresentadas também desperta o apetite. Porque lá fora o estio corria quente, nos regressos frequentes optei pelo 'sorbet de limão em vodka'. Talvez por não ingerir álcool, o sabor do delito foi nota de requinte que me concedi.

 

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

Detalhes da cidade de Gouveia acompanhados por magnífica banda sonora. Visita guiada que merece seguir.

 

publicado por Maria Brojo às 09:22
link | Veneno ou Açúcar? | favorito
Terça-feira, 13 de Agosto de 2013

SERVIDO DE BATATAS COZIDAS NO VALE DO ROSSIM?

 

Onde está a Maria na descasca de batatas?

 

Os dias corriam devagar para adolescente rodeada de família vigilante por todos os lados exceto por um: o da imaginação onde incluía leitura e desenho. Não era ‘pera doce’ quinze anos em férias na montanha como sempre acontecera desde que viera ao mundo em noite outonal rabugenta. Naquele Agosto particular, espigara como as espigas dos campos: «crescidota» mas longe do tempo da colheita. Da mão-cheia de amigos licenciados pelas matriarcas, apreciava um a um. Com eles diferente a intimidade dos que em Coimbra deixava assim eram aviadas as aulas, uma surtida ao além fronteira e o tempo de praia em Vila do Conde. Pouco haveria a contar daquele estio se à tia andarilha não fosse concedida licença do convento – espécie de quartel com fardas, normas rígidas mas pejado de missas, terços e matinas e vespertinas - para “ir à família”. Mal viu a sobrinha, pressentiu desalento. Reboliço íntimo. Não esteve de modas: anunciou planear acampamento na montanha. Que sim, que eu iria, pois então!, mais bando de raparigas e rapazes escolhido, garantiu para sossego das almas em ânsias. Fiadas no currículo religioso e antecedente, assentiram. E lá anima a pequena mais os amigos fartos como ela dos muros invisíveis onde apetecia dar cabeçadas. Para todos era a perda de virgindade em dormir uma semana ao relento das famílias e com uma freira no comando. Sabiam-lhe do espírito juvenil, tolerante, sorridente. Bastava-lhes. Só os preparativos e reuniões para distribuição de tarefas foram parte alegre da aventura.

 

Montado acampamento no Vale do Rossim, telefone do guarda-florestal por perto, os dois primeiros dias fruídos até ao tutano – as famílias haviam cheio com o bom e o melhor já pronto a comer arcas frigoríficas. Banhos de sol e nas águas cristalinas da barragem, caminhadas, cantorias e guitarras dedilhadas até as tantas. Ao terceiro dia, decidido fazer de raiz o almoço. Na ementa, batatas cozidas. Após tentativas, fui vergonhosamente afastada da tarefa por surripiar com a casca fração substantiva do tubérculo. Contrariedades: nem a água da panela fervia, nem as batatas coziam. A malta, essa, esfomeada. Mais tarde, rir-me-ia com gosto da ingenuidade científica do grupo.

 

Quando a pressão atmosférica diminui pela menor altura da coluna de ar sobre cada unidade de superfície, a pressão de vapor da água e a temperatura de ebulição diminuem do mesmo modo. Exemplo: à pressão atmosférica dita normal, 1 atm, a água ferve a 100 graus Celsius, mas a 0,5 atm ferve a oitenta e dois.

 

 

Carece de nota explicativa o fenómeno da ebulição de um líquido – passagem rápida e tumultuosa do estado líquido ao estado de vapor. Toda a energia transferida por aquecimento para garantir a fervura duma massa líquida é utilizada, não a alterar a energia ligada aos movimentos das partículas, mas (…)

 

Nota: explicação científica integral aqui.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:55
link | Veneno ou Açúcar? | favorito
Segunda-feira, 12 de Agosto de 2013

CANTARES NA ‘MINHA’ ALDEIA

 

Detalhe duma experiência minha a óleo em honra do avô Artur Brojo e duma das casas da família, a "Casa do Prado", sita em S. Cosmado, Aldeias

 

Do espólio familiar e de S. Cosmado-Aldeias (autor das letras e da música Artur Brojo).

 

“Do alto da serra,

Olhei pra baixo e vi

A igreja da minha terra

A casinha onde nasci

 

Vejo além ao longe

Um regato e uma fonte

E uma linda capelinha

Tão branquinha lá no monte

 

Vejo da minha janela

Toda a casinha singela

Nesta aldeia de encantar

Vejo lindo panorama

Que logo a atenção me chama

Para depressa adorar

 

Vejo as ovelhas no monte

Correr a água da fonte

Por enormes ribanceiras

As moças ao regressar

Depois do trabalho acabar

Cantam lindas ramaldeiras.”

 

Enquanto na “Sociedade Industrial” – Amarantes, as lançadeiras iam e vinham, obedeceu ao ritmo e compôs a música do “O meu Amor é Pastor” (poema escrito ao serão do mesmo dia). É considerado património do folclore do Concelho de Gouveia.

 

“O meu amor é pastor

Já anda a aprender a ler

Já comprou uma cartinha

Para depois m’escrever

 

Rapazes e raparigas

Cantai cantigas

Batendo o pé

Também canta o meu amor

Que ele é pastor

Ai lariló-lé.”

 

Artur Brojo tinha profunda consciência da opressão dos trabalhadores pelos donos da terra coadjuvada pela sua experiência fabril (referido em “Maria e Sario”). Embora desse trabalho a quem precisava, jamais explorou o suor alheio. Exemplo duma quadra musicada que, segundo os recontos, criou e o povo a que tinha orgulho de pertencer cantava sob o peso da enxada.

 

“Ao malhar da borda

Vinho à malha

Se o patrão não paga

Fica o pão na palha.”

 

Com o primo António Pinho Brojo e o amigo deste, André, nas férias em S. Cosmado, ambos exímios tocadores de viola e futuros catedráticos de Farmácia na Universidade de Coimbra, nos serões da família e por onde calhava, tocavam até de madrugada.

 

O António, o André mais o Zé Roque faziam serenatas de encantar. O poema seguinte fez parte duma em favor da, ao tempo muito jovem, tia Maria do Céu, vinda ela de férias do Colégio do Sagrado Coração de Maria, na Guarda, onde prosseguia estudos.

 

“Ao longe

Ao cair da tarde

Quando no mar

O sol lentamente

Se vai apagar

É que eu penso

No teu olhar

Tão meigo e profundo

Que me deixa a sonhar.”

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

O par de sequências musicais do avô Artur Brojo abaixo interpretadas pelo Rancho Folclórico de Gouveia, possuem o encanto raro da genuinidade que letras e pautas contêm. Poemas belos que o povo mais idoso das Aldeias ainda trauteia. Giacometti, amigo do avô, garantia a ancestralidade dos temas e ficou pasmo quando numa das visitas teve nas mãos os originais em papel datados e assinados. Aconselharia, a bem do património musical português, deixar cair no esquecimento o autor. Pelo amor aos Hermínios, suas gentes e tradições, o avô concordou e assim aconteceu.

 

publicado por Maria Brojo às 11:42
link | Veneno ou Açúcar? | favorito
Domingo, 11 de Agosto de 2013

DA "ESTRELA", COISAS E LUGARES (I)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAFÉ DA MANHà

 

publicado por Maria Brojo às 07:37
link | Veneno ou Açúcar? | favorito
Segunda-feira, 29 de Julho de 2013

FOI NO SÁBADO, PELAS DEZ, PORTUGAL ACIMA

 

Abel Manta, Fundação Calouste Gulbenkian

 

Do quase Sul, aceder à Estrela. Saindo da A1 para a IP3, basta percorrer vinte quilómetros para que o «lago» da Barragem da Aguieira altere o cenário da Beira Litoral, pré-anunciando outro – o da Beira Alta. Arvoredo misto progride até capitular perante o pinheiro bravo e alguns eucaliptos. Após via rápida até Nelas, estrada curvilínea, trânsito raro, segura a velocidade moderada. Mas bela, cheirosa, com sombras que entrecortam a «soalheirada» dos últimos de Julho. Num troço, o desgosto de incêndio em fase de rescaldo que bombeiros vigiam. E se era magnífico aquele pedaço! Daqui a quantas décadas, pressupondo optimismo, a área ardida regressará ao viço anterior? Novo pinhal talvez nunca se o solo foi exaurido de alimento até ao tutano.

 

Em Nelas, paragem garantida: magnífica cafetaria estende esplanada sob tílias e plátanos; para refeição de substância “Os Antónios” sito nas antigas adegas dum solar, outrora, propriedade dos Jesuítas. Gastronomia tradicional da região, gama de vinhos excelentes. No Inverno, lareira acesa convida a esticar a presença. Serviço atento, custo sensato. Tílias e mais tílias bordejam empedrado e alcatrão onde é fácil estacionar. Porquê interromper o trabalho do motor em Nelas? _ Dali em diante, muda o horizonte, surgirá a imponência da Estrela e das suas faldas que alojam as cidades de Seia e Gouveia. A primeira, industrial com magnólias a enfeitá-la; a segunda, tranquila e bela onde o património, pela riqueza, foi preservado e as hortenses floridas espreitam em qualquer recanto. Duma ou doutra, quinze quilómetros de distância entre elas, acesso directo e curto à montanha. O de Gouveia promete e cumpre a revelação do “Cabeço do Velho”, dos elevados penedos esguios das “Freiras” alinhados em procissão, do “Mondeguinho”, das “Penhas Douradas”, do “Vale do Rossim”. Para satisfazer a arte de bem comer, em Seia, o “Camelo” e o “Solar do Pão”; Gouveia oferece (re)conhecidos lugares e a «boda» no Albertino.

 

Corra estio excessivo, a Estrela e seus próximos arredores garantem frescura nas manhãs e no entardecer. Por tudo, destino sem estação pela abundância de parques e de aldeias históricas, romarias, praias fluviais, outras imitando as marítimas, a neve e os desportos de Inverno.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:20
link | Veneno ou Açúcar? | favorito
Segunda-feira, 29 de Abril de 2013

OUTRAS MEMÓRIAS DA VIDA OPERÁRIA EM CIDADE TÊXTIL - GOUVEIA

 

David R. Darrow

 

De tão bela mereceu alcunha: Emília Bonita. Rapariga viçosa, morena na pele e no cabelo sedoso. Para estudos além da quarta classe era curto o dinheiro dos pais. Duma fábrica têxtil na vila próxima, não escapou - antes isso que pés descalços enterrados na terra para a ceifa, apanha das batatas a troco de quase nada. Pela madrugada, dois quilómetros a pé se era de dia o turno. Sendo Inverno, neve e frio eram açoites. Aos poucos, cortavam rente a esperança de vida melhor. O passo era corrido, não ouvisse a sirene da fábrica antes de nela entrar. Acontecesse chuva torrencial e chegada mais tardia do que o hábito, em falta tempo para aquecer junto às brasas incandescentes; a roupa encharcada secava no corpo e os pés nos botins de gelo.


Patrões, empregados de escritório, debuxadores, responsáveis do fio, tecelões de primeira, segunda e terceira. Urdideiras e caneleiras. Masculinas as tarefas superiores ou criativas; às operárias esperava-as a repetição dos gestos que não carecessem de raciocínio. Suportadas as horas de trabalho sem limite definido, e, após a dureza do caminho de regresso, outros encargos esperavam: a lida da casa, os filhos para tratar, dar de comer às galinhas e ao porco. Os homens iam diretos para o cultivo do campo donde recolhiam alimentos de sobrevivência. A noite curta mal dava para aliviar os ossos da crueldade dos dias.


A Emília Bonita, como a Lurdes do Zé Cunha - rapariga loura, pele branca de cetim - e tantas outras como estas, pelos dezasseis anos, sofriam rito iniciático no mundo operário. Patrões experimentavam-lhes o corpo após a máquina que as prendia delas ter sentido os dedos. Assédio sexual prolongado não havia - iam direitos ao assunto sem mais. Elas perdiam a virgindade, cerravam os dentes e fechavam a boca após a agressão pelo temor do despedimento. Um momento de dor e mais nada, julgavam, por ser ato comum e sabido antes da entrada. Gostando da «primeira vez» (...)

 

Nota: texto publicado na íntegra aqui.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:31
link | Veneno ou Açúcar? | favorito
Terça-feira, 21 de Fevereiro de 2012

HUMOR PORTUGUÊS NO SEU MELHOR

 

"O governo encontrou uma solução para enfrentar os protestos e vaias populares. Depois de a população de Gouveia ter dito a Passos Coelho o que nem Domingos Paciência disse de Godinho Lopes, o primeiro-ministro decidiu aproveitar o Carnaval para sair à rua mascarado de Dias Loureiro ou de Isaltino Morais ou de vírus da gripe ou de bloqueador de rodas da EMEL para suscitar menos antipatia das pessoas. A segurança pessoal de S. Bento engendrara um plano que passava por mascarar o chefe de governo apenas com lingerie feminina e uma peruca vermelha, para o fazer passar despercebido na rua durante esta semana, mas Miguel Relvas já tinha requisitado todos os soutiens e cintos de ligas da presidência do conselho de ministros para a festa de Carnaval da RTP."

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 10:42
link | Veneno ou Açúcar? | ver comentários (1) | favorito
Sábado, 8 de Outubro de 2011

NÃO ME TRAIAS!

Carlos Botelho

 

Lisboa, tão bela, depois da Estrela arrisco desgostar-me dela. Inaugurado o regresso com filas de trânsito na curta distância desde casa até outro ninho de afectos, preciso, com urgência que se me não tolde a visão e relembre os encantos da cidade ribeirinha, das colinas, dos recantos ternos que não dos arrabaldes, pensões Estrelinha nocturnas, onde há feiura, lixo e mau no cimento erguido.

 

Coimbra, lar outro, já piora no terço do caminho andado desde a limpeza e vida simples de Gouveia. Em Lisboa, gaiola que me aprisiona – sentimento por uma vez experimentado há quinze anos num retorno semelhante. Nunca depois com desconsolo tão grande como ontem. Faltam-me lonjuras, sobram «repolhos» que entopem vidraças. Faltam-me “bons dias” de quem não conheço, sobram apitadelas e gestos impacientes. Falta o conforto dos cheiros da terra, as regas do entardecer, acessibilidades pacíficas; transborda na taça desgostosa a secura das árvores que tentam amenizar de modo raquítico a quentura dos passeios separados por alcatrão.

 

E, Lisboa!, demando entre os liozes, calcários outros e basalto a tua sedução feiticeira. Garanto-me disponível para sentir e rendição. Não peço engodos, apenas que te reveles num novo surpreendente sem rasgares cambraias ou o linho do Tejo onde adormeces nua, ondulante, coberta com lençol de estrelas, afagada pelo rumorejar dos cais e embarcações.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

publicado por Maria Brojo às 16:50
link | Veneno ou Açúcar? | ver comentários (1) | favorito
Sábado, 1 de Outubro de 2011

TRAVESSA DE ARROZ DOCE

Jacek Yerka, Hoyt

 

Saíra do pó em nuvem que o interior do Prado toldava como terra ressequida que enxada lavra. A Sandra, companheira da limpeza, esquecera que o primeiro andar arrecadara mais lixo que o segundo. Eu também. Por isso, sentávamo-nos no balcão de pedra emborcando água em golfadas. O ar serrano, inspirado até às profundas, limpava pulmões mas era impotente perante desmazelo tamanho. Dele m’envergonho e me penitencio. Após a partida das tias-avós, anos e anos, persisti no remanso das doces férias na Estrela, sem atrever a moradia guardiã das férias rurais infantis. P’ra meu opróbrio confesso não ter sido o ultimato da Junta de Freguesia em conluio com a Câmara para todos os proprietários limparem os terrenos e nem subiria ao Prado. Do lado das Aldeias, acesso por escadaria mal enjorcada que caprinos e humanos utilizam, como prova as inevitáveis esferas negras dos dejectos. No lado Norte, caminho transitável até o desleixo autárquico esquecer três centenas de metros. A família viva e falecida batalhou sem resultado positivo. Os senhores mandantes locais esquecem percurso indispensável à recuperação de oito magníficas ruínas, mais duas minhas, além da casa de feliz traça chamada Prado. Amontoados de granito destelhados não pingam votos. Destroços pujantes para quem os lê até às entranhas poderiam alocar, houvesse caminho decente, turistas e novos habitantes para as Aldeias, que os há procurando naquelas bandas possibilidades ao alcance da bolsa, visto os bancos apenas financiarem credores de milhões e os remediados sem dívidas tidos por “gentinha pedinchona”!

 

Terminada outra jornada de trabalho, entro em casa “mais morta que viva”. Mergulhada em água tépida, cheirosa, ouço o telefone. Por tudo estar preso no sítio, nada caiu além do desgosto. Encharcada, catrapisco o inoportuno. Era a Sr.ª D. Ventura, funcionária ano inteiro e cozinheira onde crítica é impossível botar.

_ Vou aí, Senhora Doutora! Tenho um arroz doce ainda morno que acabei de fazer. Achei-a desfigurada. Isso é fome e excesso de trabalho.

_ Não se incomode. Remedeio-me com qualquer coisa.

Apertando a gula pelo pitéu, somei:

_ No estado em que traz a perna não deve andar. Vou a sua casa.

_ Não vale a pena. Tenho o dedo na campainha.

E tinha. Recusou entrada pela hora tardia. Deixou-me o doce e foi-se no breu sem que me fosse permitido dar serventia aos ténis já calçados para a condução.

 

Obliterei a «banhoca» interrompida. Duma assentada, comi meia travessa. Suspirei, gemi durando o deguste. Olhei para o restante e decidi ficar para o dia seguinte. _ Qual quê? Já na cama, livro na mão, havia desconforto. Era a travessa meada o problema. Deixou de ser. O sono chegou num ápice.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 13:48
link | Veneno ou Açúcar? | ver comentários (3) | favorito
Sábado, 3 de Setembro de 2011

O PADRE ISIDRO

Autor que não foi possível identificar

 

O Padre Isidro foi sacerdote exemplar e homem de cultura. Enquanto pároco de Gouveia, deixou obra feita com a intenção de ajudar desvalidos e promovê-los também através da informação. Casa paroquial sempre aberta a quem a ele recorria, fosse à busca de conforto ou conselho. A sua profunda humanidade ficou perpetuada na memória daqueles que o conheceram e dela deixaram notícia às gerações posteriores.

 

Preocupado com a falta de instituição que permitisse prolongar estudos além da ‘primária’, fundou colégio que leccionava até ao quinto ano do ensino liceal. Antes e após cumprida a quarta classe, os alunos eram encaminhados para Gouveia ou Viseu. Ora, para pais sem família alargada que lhe acolhesse os filhos numa cidade ou noutra, era incomportável sustentar quarto, alimentação, propinas e material escolar necessário mais as viagens nos finais de cada período escolar e as que os progenitores faziam para amenizarem saudades e inteirarem-se do andamento dos filhos. Não era fácil desenraizar crianças de dez anos da família. Por essa razão e por incapacidade económica muitas ficaram com a escolaridade básica, outras nem essa concluíam. E assim se perpetuava a ignorância das gentes beirãs que outro saber não tinham além do fornecido por via de professores dedicados e da grande mestra experiência. O décimo aniversário era, para muitos, sinónimo de passagem à vida activa. As bolas e bonecas de trapos, os brinquedos de lata, carinhos em madeira onde o rapazinho cabia e que conduzia pelas ruas enlameadas chegando as chuvas esperavam o domingo para a criança ter direito a sê-lo.

 

Empreendedor e sem receios de pedir auxílio a quem o podia fornecer, o Padre Isidro concretizou o sonho de abrir colégio que aos mais dotados ou com algumas, embora modestas, posses desse alento para continuarem estudos junto das famílias. Gerações muitas de crianças e adolescentes ali estudaram, sendo obrigados a largar a família apenas se além do quinto ano pretendessem avançar. Mas aí, já os quinze anos permitiam saída, sem riscos de maior, do ambiente natal.

 

Uma das saborosas características do Padre Isidro era o gosto por tertúlias, petiscos e convivência abrangente, sem lhe fazerem mossa importâncias sociais. Era Sexta-Feira Santa e em Aldeias participou num ofício religioso. Seguiu confraternização com alguns homens do lugar. Perante uma mesa bem coberta de pão centeio, salpicões, queijo da serra, requeijão e presunto inteiro cortado à navalha, o sacerdote não resistiu, cansado como andava de correr de um lugar pró outro para em todas as freguesias não faltar ritual condigno em honra da morte  e ressurreição do Senhor. Com a «fomeca» que trazia por mal ter tempo para refeições merecedoras do nome, criou embalagem com a conversa bem-disposta; minutos após, já ele mastigava, olhos em alvo pela bênção na forma de petisco, quando ouve dum pastor:

_ Ó senhor padre, olhe que está a comer chouriço e hoje é dia santo. Carne está proibida ao seu rebanho.

Lesto, responde:

_ Ora, ora… Que saiba, Deus encarnou mas não enchouriçou!

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 11:41
link | Veneno ou Açúcar? | ver comentários (2) | favorito
Domingo, 28 de Agosto de 2011

GLÓRIAS D’ANTANHO

 

Pisando solos conhecidos, as lembranças que pareciam arrumadas em arca de sólido castanho cerrada por ferragens caprichosas respiram pelas fendas. Com tanta insistência o fazem que num sopro mais forte deslizam as aldrabas. Escancarada a arca, saltam novelos de recordações à mistura com fotografias e postais e cartas e bordados e rendas em linhos que foram alvos e ferrugem maculou. Todavia, basta químico adequado e uma barrela para voltarem ao branco primordial. Assim fosse com o tempo que dizem tudo sarar. Mas não. Bastas vezes corrói, deixa nódoas difíceis de remover, arruína o outrora belo sem que falado seja o corpo. No espírito, sim, acontece o voar do tempo trazer ao de cima imperfeições que refinou. Como nas pessoas, nas sociedades nas casas. Deixando aos anos laborar por sua conta e jeito, corcovam os telhados, neles as fendas pela zanga dos ventos.

                                             

 

Deixando aos anos laborar por sua conta e jeito, corcovam os telhados, neles as rachas pela zanga dos ventos, alastram limos nas paredes de granito que a moda duma época cobriu – regressando os emigrantes com alguns dinheiros ajuntados remodelavam ou construíam casas fatalmente pintadas; quem ficara, talvez não desejando restar atrás, sobre as paredes de rocha derramava baldes de tinta. Deu no que deu, o mesmo é dizer «maisons» por todo o lado indiferenciando doutros os lugares serranos. Descaracterizados da personalidade de outrora, empobreceram. Não foram os picos da Estrela encimando o vale a demarcar geografia de encher o olho, os pobres sem meios para mudar o herdado, a pronúncia e o léxico local, julgar-se-ia Beira outra. Hoje, passado o negro período migratório e miserável pelas condições de vida amanhadas na «estranja», estão de volta os granitos exibidos com raça e graça. Deo Gratias!

 

 

 

Para quem na arquitectura procura estórias muitas perspectivas há de as ler. Janelas e janelos por exemplo. Quando debruadas as primeiras por pedra com recortes notificam dos haveres e gosto do dono pela obra a crescer. Da época de construção. Os janelos tinham serventia na iluminação natural de corredores ou esconsos sombrios afastados das visitas que aos espaços ‘de receber’ arribassem.

 

Fachadas, pouco antes, pouco depois de 1900 não costumam enganar. Esquadrias simples apenas com detalhe diferenciador. Dentro, portadas de madeira que da noite aliviassem temores e do sol o calor, as cores dos móveis e objectos.

 

 

Na Beira Alta, casa sem ‘loja’ não o era. Sem forro interior, rocha por aparar à vista, era cómodo para lenha, lagar, garrafeira, carpintaria, para tablados onde as batatas recolhidas de chão fértil esperavam mãos hábeis que na panela ou no forno delas fizessem pitéus. Ainda lusco-fusco, o trabalhador agrícola, almoçava: tigela de sopa, batatas com farinheira ou morcela ou ovo ou o que da «ceia» - jantar para os urbanos - tivesse sobrado. Sendo o labor nos lanifícios, o mesmo. Uns e outros precisavam de amanhecer com sustento para aguentarem costas curvadas pelo peso da enxada ou a jorna de pé frente a tear sem parança.

 

 

 

Ruínas há muitas por esse país fora. No concelho de Gouveia, talvez menos que o habitual. Recuperadas na maioria, restam algumas que apetece espreitar para mais tarde sonhar. É tentadora a fantasia, projecto quiçá, dos granitos destelhados fazer habitação que lustre a paisagem e o ambiente rural, segunda moradia para quem habita nas cidades grandes entupidas por tráfego que ao dia rouba horas de descanso ou primeira se o tentado se pode arrogar privilégio tamanho. Porque o é, diz quem a mudança experimentou e renasceu para a simplicidade original.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:31
link | Veneno ou Açúcar? | favorito
Quinta-feira, 18 de Agosto de 2011

CANTARES NA MINHA ALDEIA

  

Do espólio familiar (autor das letras e da música Artur Brojo) e de S. Cosmado-Aldeias.

 

“Do alto da serra,

Olhei pra baixo e vi

A igreja da minha terra

A casinha onde nasci

 

Vejo além ao longe

Um regato e uma fonte

E uma linda capelinha

Tão branquinha lá no monte

 

Vejo da minha janela

Toda a casinha singela

Nesta aldeia de encantar

Vejo lindo panorama

Que logo a atenção me chama

Para depressa adorar

 

Vejo as ovelhas no monte

Correr a água da fonte

Por enormes ribanceiras

As moças ao regressar

Depois do trabalho acabar

Cantam lindas ramaldeiras.”

 

Enquanto na “Sociedade Industrial” –Amarantes, as lançadeiras iam e vinham, obedeceu ao ritmo e compôs a música do “O meu Amor é Pastor” (poema escrito ao serão do mesmo dia). É considerado património do folclore do Concelho de Gouveia.

 

“O meu amor é pastor

Já anda a aprender a ler

Já comprou uma cartinha

Para depois m’escrever

 

Rapazes e raparigas

Cantai cantigas

Batendo o pé

Também canta o meu amor

Que ele é pastor

Ai lariló-lé.”

 

Artur Brojo tinha profunda consciência da opressão dos trabalhadores pelos donos da terra coadjuvada pela sua experiência fabril (referido em “Maria e Sario”). Embora desse trabalho a quem precisava, jamais explorou o suor alheio. Exemplo duma quadra musicada que, segundo os recontos, criou e o povo a que tinha orgulho de pertencer cantava sob o peso da enxada.

 

“Ao malhar da borda

Vinho à malha

Se o patrão não paga

Fica o pão na palha.”

 

Com António Pinho Brojo e o amigo deste, André, nas férias em S.Cosmado, ambos exímios tocadores de viola e futuros catedráticos de Farmácia na Universidade de Coimbra, nos serões da família e por onde calhava, tocavam até de madrugada.

 

O António, o André mais o Zé Roque faziam serenatas de encantar. O poema seguinte fez parte duma em favor da, ao tempo muito jovem, tia Maria do Céu, vinda ela de férias do Colégio do Sagrado Coração de Maria, na Guarda, onde prosseguia estudos.

 

“Ao longe

Ao cair da tarde

Quando no mar

O sol lentamente

Se vai apagar

É que eu penso

No teu olhar

Tão meigo e profundo

Que me deixa a sonhar.”

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:56
link | Veneno ou Açúcar? | ver comentários (8) | favorito
Segunda-feira, 15 de Agosto de 2011

NAS ‘FESTAS DA VILA’, AS MENINAS BROJO

Gilliard, James Borger

 

Nestes dias de 12 a 15 de Agosto do ano da graça de 2011, teço loas à edilidade e ao Presidente do Município por não ser acordada nas quatro matinas festivas com foguetório – «morteiros» chamam-lhe bem a propósito ao deixarem «morta» de sono a população. É que decorrem as “Festas do Senhor do Calvário”, a Grande Romaria das Beiras assim designada pela mole humana vinda de todo o concelho e de fora: emigrantes e imigrantes que partiram ‘à cata’ de vida melhor, turistas nacionais e da «estranja» (holandeses, muitos franceses, alemães). Entre estes, alguns são amigos ou patrões ou superiores hierárquicos que os nossos deslocados no estrangeiro conheceram no bairro, na fábrica, na empresa, na casa de família onde prestam serviços, em qualquer lugar; de modo geral, apreciados pelo trabalho que desenvolvem com pundonor.

 

Lembro a surtida dos aldeões à “vila”, então Vila de Gouveia, exteriormente vestidos com roupa domingueira, no interior com alegria e ilusão. As vitualhas cabiam nos “merendeiros” transportados à cabeça pelas mulheres vindas em grupos ou por famílias. Petiscar era na improvisada mesa e assentos em que transformavam as escadarias que sobem até à Capela do Senhor do Calvário, ou nos curtos degraus da Igreja de São Pedro que abençoa a praça maior baptizada com o mesmo nome. Feiravam, não perdiam uma cerimónia litúrgica e, chegada a noite, o arraial mais os enfeites de mil luzes nas ruas. Regressavam a pé após o “grandioso espectáculo do fogo de artifício” ou do preso. Deste tinha eu “medo que me pelava”e literalmente me pelara e queimara vestido novo, «embaloado» - as faúlhas saltavam do «fogo» em rodízio como se todas as estelas do céu tivessem, em convénio, decidido cair sobre o local, no caso sobre o cacho dos meus caracóis e o organdi que cobria saiote franzido, depois engomado para entesar. Mas foi por esse tempo que a «coimbrinha» viu, por vez única, actuarem ao vivo o Tony de Matos, tornar-se-ia amigo do avô Artur por mor da música que este compunha, e o Duo Ouro Negro. A pequenota deve ter-se enamorado ou do Raul ou do Milo. O primeiro é mais provável se a memória não enredou estas com outras paixonetas por ‘cantores da televisão’.

 

História recuada de família cujo contar ouvi reza assim: as duas meninas filhas do casal Brojo, separadas por dois anos nos partos, eram diferentes em tudo, embora as unisse o afecto e a beleza. Mui pias, ou não fossem rebentos do único progenitor numa linhagem que contava um sacerdote, o irmão casado e sem filhos nas bandas do Sabugal com a tia Rosa Costa Pina cuja família se associara aos Vilaverde fundando empresa vinícola (Costa Pina & Vilaverde), o sobrinho missionário, tias solteiras.

 

De volta às meninas Brojo e ao Senhor do Calvário; parece que a mais nova era maria-rapaz, traquinas, desembaraçada, afectuosa, frontal. Levada as irmãs às Festas da Vila,a benjamim, vestido de cetim pintalgado de florinhas com laçarotes rematando as alças, escapuliu-se num ápice – era perita! – até uma gamela de peras. A vendedora encantou-se com a criança que mais parecia visão angelical e deixou-a ficar comiscando peras. Quase de imediato, dão os pais pela falta dela. Nem hesitaram: foram direitos à gamela pois bem sabiam como a miúda gostava de tais frutos. É que numa bela tarde, memória não muito atrasada, haviam-na encontrado pendurada pelo vestido dum galho forte duma pereira pela qual trepara para apanhar as peras rosadas.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:53
link | Veneno ou Açúcar? | ver comentários (13) | favorito

últ. comentários

Olá. Posso falar consigo sobre a sua tia Irmã Mar...
Olá Tudo bem?Faço votos JS
Vim aqui só pra comentar que o cara da imagem pare...
Olá Teresa: Fico contente com a tua correção "frei...
jotaeme desculpa a correcção, mas o rei freirático...
Lembrai os filhos do FUHRER, QUE NASCIAM NOS COLEG...
Esta narrativa, de contornos reais ou ficionais, t...
Olá!Como vai?Já passaram uns meses... sem saber de...
continuo a espera de voltar a ler-te
decidi ontem voltar a ser blogger, decidi voltar a...

Julho 2015

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

pesquisa

links

arquivos

tags

todas as tags

subscrever feeds