Greg Horn
As meninas e os meninos bem comportados estão à mesa com propósitos, não interrompem adultos, só esgrimem um argumento por dia com os progenitores, cumprem horários na escola, estudam, são virgens; nos tempos livres, fazem desporto, lêem, são cinéfilos ou dedicam-se ao voluntariado.
Dos genuínos cumpridores do estereótipo não há muito a dizer: são parvos até à medula. Dos outros, há a contar. Estão calados por não terem vocabulário ou ideias consequentes para uma frase que exceda meia dúzia de palavras. Gerem com parcimónia desacordos com os progenitores porque quanto menos souberem do que fazem e pensam nas catorze horas de vigília em que não lhes põem a vista em cima, menos se desiludem, lhes picam o juízo e mais aberta fica a bolsa/sustento dos vícios.
Nos dias úteis, despedem-se da casa a tempo da pontualidade escolar sem alterarem mediocridade do rendimento e atrasos. Cafés, rua, motas e shoppings fazem das aulas mero interlúdio. Mantida em segredo a «curte» ou o «tasse bem», as faltas são prestimosamente justificadas por via dos papás convencidos pelo ar rameloso que prova o pico asmático, a enxaqueca, dores menstruais ou musculares.
As (poucas) horas passadas na solitária/quarto em pretenso estudo, são postas em bom serviços a favor de jogos, telefone, sornas e à perícia espreme-borbulhas. A prática desportiva depende: se além das modalidades comuns forem incluídas rapidinhas, noitadas, fumos e rosnice, abundam candidatos com máximos dignos de ouro em olimpíadas. Escrita, leitura, cinema e voluntariado todos cumprem: teclam nas redes sociais, lêem mensagens, a vida é um ‘ganda filme!’, voluntariado, sim, sempre, desde que a miúda «tope» e dispa o top.
A esperança reside nos mal comportados e não cabotinos. Muitos. 'Benz'ós Deus!'
CAFÉ DA MANHÃ
Blake Flynn, Greg Horn
Lia desde os cinco. Antes, com ajuda do avô e do pai, juntara letras para satisfazer a necessidade louca de descobrir o sentido daqueles desenhos impressos a negro que contavam histórias lidas pela mãe ao adormecer. Satisfeito o sono, pulava para a cama onde a esperava o colo materno; continuava a ouvir o que a noite interrompera. Devorou a ‘Formiguinha’ antes da entrada na primária. Talvez pela condição de filha única, além dos amigos reais, privilegiava os imaginários, dela em lugar primeiro, dos Grimm e de La Fontaine. Da Comtesse de Ségur, da Louisa Alcott, mais tarde. Da Odette de Saint-Maurice cujas estórias ouvia nos sábados da rádio sob o formato de episódios. Desenhava as cenas, treinava a figura humana. Fez do carvão um amigo – os lápis de cor pouco lhe diziam. Blocos de ‘papel cavalinho’ gastos em menos do soprar de um fósforo. E os pais, compreensivos e atentos, reabasteciam-na dos instrumentos/brinquedos. E pensavam a filha como menina-prodígio pela celeridade das aprendizagens e múltiplos interesses. A verdade desmentia – tão somente criança só buscando na fantasia irmãos que não tinha.
Um dia, desprezando a conversa das cegonhas, da mãe quis saber se nela existia a vontade de ter um bebé. Que sim, que tinha, que se veria. E tinha, mas não chegou. Até hoje, o porquê não foi explicitado e vivem ambas a não-pergunta, a não-resposta. Fosse noite de estio que pede liberdade fora de paredes e nenhuma das lembranças acima ocorreriam. Mas é serão dum Dezembro morno acolhido em alma fervente a propiciar revisitação de idos, enquanto lãs e enfeites desenham motivos outros.
CAFÉ DA MANHÃ
Sonia Roji e Greg Horn
Procuram o sol nos cantos onde o vento descansa. Ajuntam-se, aos poucos, quando a manhã arrastou mais de metade. Idosos. Passada lenta. Bengala um por outro. Com excesso de peso quase todos _ caminho andado para corações e artérias atrofiadas. ‘Bom dia!’ à chegada. Palavras escassas depois. Olham, sem ver, o visto diário. Vislumbre de ânimo quando mais um se acomoda nos bancos comunitários.
Nas sombras frias que Abril não aqueceu, os mais novos. Desocupados dia sim, dia sim. Falta de trabalho ou de vontade em utilizar com proveito social as horas que fogem perdidas em inutilidade. Cigarro numa mão, cerveja na outra. Magros. Olham e/ou interpelam sem talento as mulheres que passam. No resto, tão velhos como os aquecidos pelo sol. Em frente, apartamentos com boa cara são coberta que os aconchega chegado o tempo da janta. Da noite.
Atravessam sol e sombras mulheres elegantes. Passeiam cães ou caminham em passo rápido até desembocarem nos parques onde a saúde e as formas exemplares do corpo são promessa. Equipadas com o melhor do sportswear. Saem dos condomínios fechados. Ignoram velhos e novos próximos pela vizinhança, distantes pelo estatuto da morada e da profissão. A eles e elas acontece virem a casa num pulo. Entram e saem temerosos. Carrões deixados à porta por tempo curto, não os saqueiem ou vandalizem os novos postados nas sombras, camisetas justas, calças descidas, orelhas furadas. Pacíficos no seu bairro _ se desmandos fazem escolhem lonjuras convenientes. Tristes, todos. Uns porque as dores chegaram e adivinham fim próximo, outros pela ociosidade e boa/má vida, os «ricos» pela mediania encapotada, pelos recursos insuficientes para satisfação de prazeres grandiosos, cópias dos abastados de facto. Semelhanças (in)visíveis.
CAFÉ DA MANHÃ
Greg Horn
Parece subir a moderação nos gastos e a vontade de emagrecer a coisa distante chamada Estado. Se até aqui sempre os anónimos mexilhões pagaram enquanto em cima a boa vida era lagosta, nela surgem indícios de troca por camarão-tigre. Ainda longe das «lameginhas» catadas na maré descida. Todavia, diminuído o tamanho do bicho. Augúrio a sublinhar.
A norma ‘trindade saída por unidade entrada’, passou dos funcionários públicos às viaturas estatais. Normativa menor do PEC: “abate de pelo menos 3 viaturas por cada nova adquirida quando até à data a regra era de ‘1' por ‘1', excepto quando se trata de novas necessidades." Dos cinquenta e seis mil pares de rodas em serviço, fatia dos que transportam correm o risco de ficarem apeados. Pagar a tantos o ronronar, avec chauffeur ou não, cansava desempregados, pobres e remediados. Não basta, conhecidos os milhões desembolsados em prémios e reformas multiplicadas que os maiorais arrecadam. Não chega pela fome exposta e pela envergonhada. Não é suficiente, embora a Europa a muitos e o Dr. Durão publicitem Dominus Vobiscum. Mais seria inadequado? Afastaria os realmente capazes da política e gestão dos bens públicos? Por isto, mercenários, ou humanos com ambição? Ficaríamos entregues aos arrivistas ansiosos por momentos de ‘vã glória de mandar’? Mas não é este o presente comum?
A propósito, excerto duma delícia:
“Espicaçado por todos os lados, farto das lutas intestinas que todos os dias lhe faziam azia ao jantar, e do fogo de guerrilhas da vizinhança, um dia o conselheiro Torres, um dia em que estava cheio de alegria porque apertara a mão ao sr. Conselheiro Fontes e porque tinha para o jantar chispe com ervas, o seu estadista e o seu pratinho favorito, ao sentar-se à mesa declarou solenemente à família ali reunida, que sim, que consentia no teatrinho.”
Gervásio Lobato in “Lisboa em Camisa”
CAFÉ DA MANHÃ
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Brasileiros