Sexta-feira, 10 de Janeiro de 2014

A GENIALIDADE DOS SIMPLES

 

 

 

Heather Neill

 

É trivial o parecer que de mulher simples não sejam esperados voos geniais. Assunção para quem julga despiciendo carregar no ventre vida nova, pari-la, dar-lhe os seios noite e dia, cuidá-la, educar, dar ombro, ternura e afecto à família, empenho no trabalho, regressar com carregos do «super» e filhos pela mão, providenciar janta, dar banho à pequenada e, após dormidos, coser a bainha esgaçada na camisa do seu homem, engomar até as costas vergarem. Dia comum repetido no seguinte.

 

Que à mãe trabalhadora portuguesa, paga minguada e menor que a masculina, não sobre tempo para muito mais é previsível. Ainda assim, inúmeras ocupam horas que deviam ao sono em atividades cívicas: ajudam a idosa vizinha, oferecem o mimo dum sorriso aos que precisam. Tudo somado não faz delas geniais? Somente as que escrevem no conforto do escritório, as que se destacam na política ou nas artes ou na gestão de empórios merecem aplausos e reverências públicas? Salvo para aproveitamento partidário, quem menciona esta força/alicerce que respeitada e protegida faria melhor o país? Esperam-nos gerações desesperadas pelo crescer penoso, revoltadas contra as injustiças que vitimaram os pais?

 

Mulher simples, declaro-me. Ido o tempo dos afazeres multiplicados, conquanto substituídos por outros, tenho o privilégio de ocupar ócios com leitura, escrita e pintura. Pois a simples deu em iniciar manta de croché. Com prendas na área do tricô, do ‘ponto de cruz’ e da costura - ‘bordado cheio’ e renda saídos dos meus dedos foram desastre. Aventuro-me agora a tomar o gosto de uma só agulha nas mãos misturando lãs multicolores. Construir. É desafio continuado dar labuta aos neurónios e, através deles, ao fazer. Em cada laçada, esperança, em cada quadrado, a certeza do “consegui!”. No mundo das pequenas coisas, as grandes podem segui-las.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:00
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Sábado, 23 de Novembro de 2013

LIVROS PROIBIDOS PELA OPUS DEI

 

Heather Neill


Recuso-me a aceitar como verdade que “a Opus Dei controla toda a informação á qual os membros da organização podem ter acesso. Estes necessitam de permissão dos seus diretores para ler um livro, ainda que necessário para formações escolares. Os mesmos diretores averiguam se o livro será adequado ou não, mediante lista guardada a sete chaves. Lista baseada na usada pela Igreja Católica até 1948, altura em que terá, supostamente, abolido a mesma. A Opus Dei continuou a utilizá-la e a atualizá-la dia após dia.”

 

No índex dos proibidos, dizem constar “6892 livros com a classificação 6 (proibido ler), entre os quais livros dos seguintes autores: Woody Allen, Isabel Allende, Karen Armstrong, Margaret Atwood, Judy Blume, Roberto Bolano, Joseph Campbell, Gustav Flaubert, Allen Ginsberg, Mary Gordon, Gunter Grass, Andrew Greeley, Herman Hesse, Adolph Hitler, John Irving, James Joyce, Carl Jung, Eugene Kennedy, Jack Kerouac, Stephen King, Milan Kundera, Hans Kung, Harold Kushner, Henri Lefebvre, Doris Lessing, Sinclair Lewis, Richard P. MacBrien, Mary MacCarthy, Malinowski, Karl Marx, Somerset Maugham, Toni Morrison, Alice Munroe, Vladimir Nabokov, V.S. Naipaul, Pablo Neruda, Nietzcshe, Octavio Paz, Harold Pinter, Marcel Proust, Philip Roth, Bertrand Russell, John Updike, Gore Vidal, Voltaire, Alice Walker, Gary Wills e Tennessee Williams.”

 

Sem descrédito para o “Bad Books Don’t Exist!", a tão extraordinária notícia ponho reservas.  

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:22
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Terça-feira, 6 de Novembro de 2012

SEI PORQUÊ HOJE

Heather Neill

 

Lembro a Lúcia.

 

Lembro o seu acordar madrugador.

 

Lembro a irrepreensível mesa posta para o desjejum da família muito antes dos outros «acordares».

 

Lembro as lareiras ateadas cedo, não enregelasse quem nascia para dia invernoso.

 

Arrumada a cozinha, feitas camas, arejados espaços, lembro o xaile e o lenço de lã e a seira para compras do constante no rol. Fascínio era a chegada e o retirar do mercado mimo/certeza. Por ele esperava na ânsia de saber o quê. Ao vislumbrá-lo na seira, era o riso em surdina de ambas, não fosse espevitada repreensão das matriarcas.

 

Lembro.

 

Lembro as mãos hábeis no picar da cebola, no corte da couve tronchuda, a fina pele separada das batatas e cenouras e nabos nos preparos para o almoço.

 

Lembro o arroz de bacalhau saído do forno a lenha. Apetites mais servidos com o amor de quem à família pertencia e, servindo, era servida com respeito e afeto.

 

Lembro esmeros no polimento dos metais, a entrega ao madeirame dos soalhos se pedinchavam cera.

 

Lembro deslizar tardes com a Lúcia que trocava o diário tempo livre pelo catar de ervas daninhas e plantio de açucenas, jacintos, despedidas de verão sendo das espécies o tempo. O recorte do jardim roubado ao terreno agrícola era quadro de naturezas vivas onde me perdia ao ajudar a Lúcia. Enquanto isto, a família cochilava ou não fosse da sesta a hora.

 

Lembro a merenda degustada pelas duas no banco sob a nogueira em que, num dos braços robustos, oscilava baloiço durando férias da menina a partir do nascer desterrada na cidade longe.

 

Lembro o declínio que os anos trazem. Mortes, dores e saudades. Pela frágil saúde, a Lúcia mal saía do quarto. Servida como servira.

 

Lembro-me sentada à beira dela, escrevendo memórias nas falas.

 

Morreu em casa, num ‘dia santo de guarda’. Parte de mim com ela.

 

Nota: texto inspirado em lembranças que a pintura de Heather Neill chama. (publicado aqui)

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 11:18
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Quinta-feira, 23 de Agosto de 2012

A CASA ESTÁ EM ORDEM

 

Heather Neill

 

Garantia do poder entronado na governação. E uma mulher sai de casa para abastecer o despenseiro e, por três sacos com básico carrego, sofre um baque ao pagar. Se estava acostumada à Zara, muda para o chinês do bairro. Tendo cabelo rebelde, lava-o em casa e chega, pingona, ao cabeleireiro para um brushing simplex. Com a magra poupança, arrisca a manicura. À borla, lê as últimas leviandades dos famosos, o horóscopo semanal, receitas de culinária que enganem, a baixo custo, dente e olho, dicas para caçar um homem ou conservar o que tem. Anima-a ser tratada por menina, não esticar os braços durante meia hora para fatiar o cabelo que o secador esturrica, sair com as unhas coruscantes. Sabe como sol de pouca dura os luziratos coloridos – porque abdicou de empregada e pela falta de hábito, esquece o uso de luvas que protejam as mãos dos detergentes e esfregões. Talvez, pela noitinha, as besunte com um creme barato, se o cansaço não a levar para a cama sem mais lhe ocorrer que lavar rosto e dentes. Nem olha para a pele do corpo, outrora macia, hoje escamada pela secura. Ainda assim, louva a bem-aventurança da família, o trabalho que a sustenta e também preenche. Arregaça mangas e vontade em cada amanhecer.

 

A casa não está em ordem, nem, um dia, ficará. São parcos os haveres que o país não quer ou sabe adubar para depois, e por todos, distribuir. De outros «teres» possuímos fartura, alguns herdados, outros a cada dia, adquiridos: o soalheiro e marítimo solo, outrora dito pátrio, na literatura páginas de ouro que uma vida não chega para saborear, epopeias que extremos da Terra lembram, tradições e beleza que, independentes do suporte artístico, iluminam o olhar. E é gratuita a caminhada na areia que o vaguear do oceano molhou; gozar frescura e excelência na penumbra de uma igreja ou de um museu; acantonar o corpo nas sombras desdobradas pelo casario; navegar numa tela; «lamber» as formas que o cinzel esculpiu; descobrir que poucas são as vielas e os becos sem saída.

 

CAFÉ DA TARDE

 

publicado por Maria Brojo às 17:15
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