Andrew Bennett
Outra reunião a milhares de quilómetros. Havia menos de semana, regressara duma. Mais do mesmo, que as novidades diluí-as o tempo e a experiência. Cruzou as pernas sob a secretária estilizada. Estava cansada de viagens restritas ao «vou-ali-volto-já» do costume – aeroporto, hotel, aeroporto. Por isso, a mala de cabina não saía do quarto, entre a cómoda e a porta. A de agora, marcada para depois do dia seguinte. Com tecnologia além do suficiente, qualquer vídeo-conferência, rosto a rosto nos momentos cruciais das negociações, seriam bastantes. Mas não.
Hierarquia superior ao departamento que chefiava insistia em privilegiar contactos directos, supostamente ganhadores nas múltiplas vertentes. De início, surpreendera-a listagem precisa quanto a procedimentos cedo aprendidos e imagem – minúcia no reflexo social, saia e casaco ou vestido e casaco, saltos, calças nunca. Sedução, competência, disponibilidade, altivez afável eram itens.
Sabia da cobiça suscitada nos olhares masculinos. Em tempos, ocorrera-lhe ter sido a figura elegante mais decisiva na contratação do que a excelência do curriculum. Assomando o pensamento e a realidade experimentada, libertava fúria.
Bem paga, habituara-se às mordomias entre idas e vindas: classe executiva, automóvel às ordens, hotéis estrelados até perder de vista. De novo, abdicaria da presença no aniversário do Manuel - confiava nos avós e no companheiro/pai para a certeza da felicidade do filho. Ligaria, ouvi-lo-ia, à distância cuidaria dos detalhes impossíveis de cumprir antes da partida. O T5, compra recente num condomínio de luxo, a decoradora, a manutenção do estatuto económico obrigavam-na. Também o prestígio, a ilusão de por modo este a família, o Manuel em particular, acrescerem nas vidas momentos únicos e despreocupados que os comezinhos não desfrutavam. Desculpas?
O voo fora rápido. Feito no hotel o check-in, soube da meia hora de espera até subir ao quarto convenientemente arrumado e limpo - descuido que reportaria. Quis saber do Manuel. Conversar sem telemóvel. Enviar-lhe o vídeo retrospectivo dos catorze anos mediados desde o nascimento. Surpresa que a ocupara horas antes da viagem/trabalho. Concentrada, notou e esqueceu o demais até olhar insistente se interpor. Sabia de cor a rábula seguinte. Irada, manteve o sorriso e a postura. Cumpriu o «abc» duma resposta sedutora ao arrogante (rendido?) olhar masculino. Descruzou as pernas para outro cruzar aliciante. Viu chave, que não sua, deixada ao lado do computador. Simples: ele estava a pedi-las. Vigiou-o na entrada no elevador, convencido da irresistibilidade da sugestão. Ela desligou a máquina e levantou-se. Chave/oferta/assédio na mão depositou-a junto ao homem que no bar matava espera ou náusea ou nostalgia. Pelo olhar de revés, persuadiu-o. Após a perplexidade, ergueu-se, entrou no elevador agitando o ‘abre-te Sésamo’ da gruta que não possuiria.
CAFÉ DA MANHÃ
Amelies Welt
Não fosse ter sido aluna do Infanta D. Maria em Coimbra talvez o título da notícia que remetia para a escola secundária tivesse sido lateral à atenção. Li atenta, habituada ao que tudo vem dali ser relativo a ensino exemplar e posição cimeira nos rankings de sucesso nacionais. Mas não - duas professoras de Biologia suicidaram-se em menos três semanas. Corpo docente e discente, assistentes operacionais optaram por minuto de silêncio.
Sabido é que o exercício de professorado desmente expectativas de trabalho adequadas à função. Os desmandos impostos sob forma de lei que, despudorados, desmentem o outrora garantido, as condições para o labor, o desinteresse dos alunos sem relação com o desempenho do professor, a tonelagem de carga burocrática, propiciam a insatisfação docente. Sem adivinhar razões para atitudes tão extremas, um todo é motivo. Todavia, interessaria esmiuçar causas que, profilacticamente, tragédias semelhantes prevenissem.
Lembro, galhofeira, a época da Maria dos Craveiros - a espiã-mor ao serviço da reitora. Solteirona rígida no pensar, rígida no estar e sabem os deuses onde mais, vigiava comportamentos e audácias que nos aproximassem da cerca onde passavam alunos do liceu masculino. Duzentos metros, era a distância imposta. Chegado o tempo cálido, ou usávamos soquetes, ou beliscava as pernas das alunas para estar segura do cumprimento das regras que mandavam usar meias. De vidro, era dito, ou collants transparentes. Nos corredores do Infanta, a esquerda era para quem vinha dos ginásios, a direita para quem ia. Mulherio adulto e juvenil por todo o lado – ilha na sociedade. Os pais sossegavam por saberem as meninas entregues a boas práticas no ensino e melhores(?) costumes. Quem fora não tivesse envolvimento saudável, saía do Dona Maria para a faculdade como idiota de truz. Aconteceu comigo.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros