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Vapor de água e dióxido de carbono quase tudo. Sobem, enovelados no ar, os produtos da queima orgânica. Fuligem é subproduto. Calor a rodos como é próprio das combustões - do arvoredo, dos espíritos apaixonados, dos corpos enleados como eras. Raízes afundidas no exaltado suporte dos sentidos. Rumba, salsa, louco bamboleio. Soprando irados os ventos, é avivado o lume. Crepitam troncos e emoções. Água que escorre nas costas cujo rego os dedos perseguem. Que migra para o peito e contorna os seios. Conhecidos vales como novos leitos. Bebida sem saciar. Desaguando em formosa cascata que o incêndio serena, iludindo quem o julgar extinto, reaceso a qualquer momento - um beijo, uma carícia, fantasia partilhada. Porque 'mi vida, yo la prefiero vivir asi'.
Os dias cálidos propiciam desatinos fogosos. E chega dos incêndios o tempo. Arde a terra que não mitigou a sede. Ardem matas por limpar - por descuido, pelo custo, pela propriedade dividida em mínimas frações. Meios frugais combatem o riso das chamas. Mas há planos e campanhas e recursos maiores e formação humana. De fora ficam os donos dos prédios rústicos onde o mato ressequido se agiganta. Rastilho de pólvora seca propício à dança ardente. Bamboleio que 'no tiene pardon de dios'.
CAFÉ DA MANHÃ
Vora V. M. Gilee Barton
Das pérolas não prescindo mesmo se adormecidas na caixa dos ‘adereços de vez em quando’. Vestem a pele nua que mais não precisa do que a fiada. Rematam sedas, algodões ou lãs. Dão brilho ao dia que começa e à noite festa dos sentidos. Se herdadas, ocultam fragmentos de vidas mortas, talvez dores, talvez felicidades, precárias umas e outras. Compõem fiadas mesmas ou outras guardadas na caixa da memória onde alegram rostos de mulheres desbotados pelo tempo. Mães, depois avós, bisavós, tias com úteros secos, corações amplos cujas fronteiras desdiziam dos corpos frágeis.
Na hora da sesta, a menina escapulia-se e entrava no quarto dos tesouros. Mimava o visto fazer, escondia os caracóis em écharpes, rolava nas mãos as pérolas, enfeitava dedos e pescoço, crescia nos saltos arrastados até ao espelho onde mirava o resultado. Numa tarde de horas mansas em que encenava a mulher futura, o sol mirrou num repente. Espreitou a montanha em frente. Nada, salvo o negro poisando nas oliveiras. Deslizou no telhado das traseiras, do muro para o jardim pendurada no ramo baixo da nogueira que às águas-furtadas disputava céu. E viu. Ardiam giestas e pinheiros plantados no chão que o granito entremeava. O horizonte de verdes era fogo. O rebate dos sinos acordou a casa. Consternação, horror, medo - quem garante que o pasto seco não conduz aqui as chamas? Enquanto a família organizava a prevenção, a tia Lucinda subiu ao quarto e arrecadou as pérolas no bolso do vestido com flores miúdas. Da tragédia, a menina fez lembrança triste. A mulher retém-na. Ouve notícias de fogo posto ou não e de novo sobe o terror.
Porque têm de arder as matas da infância, porque não é feita limpeza preventiva, porque razão loucuras perversas delapidam patrimónios de alguns e de todos? Dizem as albufeiras cheias para o estio sério e para este falso. Mas vai ardendo o longe enquanto o fogo não lambe perto. Como outrora, como hoje.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros