Abel Manta, pintor nascido em Gouveia em 12-10-1988 Abel Manta - Fundação Calouste Gulbenkian
“Mas quem somos nós senão os outros? Um homem é todas as coisas que ele viu e todas as pessoas que passaram por ele, nesta vida.” (Teixeira de Pascoaes)
O património de alcunhas nas Aldeias, freguesia do concelho de Gouveia onde ainda tenho a casa do Prado e raízes fundas, está ferido por gentes desmemoriadas cuja tradição oral não importa. Dela, relembro idos e o desuso em que caiu linguajar que me encantava.
Nome primeiro acompanhado por outro associado ao lugar de morada ou afazer é passado. Hoje, imperam apelidos como o notário registou. Mas são lembrados alguns, embora os utentes, na maioria, já tenham a alma no Além. Curioso era não se apoquentarem os alcunhados. A Emília ‘da Carvalha’, habitava junto ao carvalho frondoso no adro da Igreja. A ‘tia Costureira’ ou ‘Emília do Canto’ associava lugar de morada à profissão exercida com pundonor. O ‘José da Volta’ tinha casa à ‘curva do Prado’ e, logo abaixo da escadaria que ao mesmo lugar ascendia, morava o ‘Senhor Barbas’. O ‘Joaquim e a Emília do Largo’ viviam no Largo da Igreja, a ‘Céu Forneira’, no centro do «povo»*, cozia pão no forno comunitário.
Do casal ‘Joaquim e Alice das Risadas’ lembro a curiosidade e o sorriso melífluo da mulher, pais extremosos de menina que casaria cedo, talvez com dezasseis anos. Tornou-se mulher bonita que recordo elegante na postura ao atravessar a cidade. A ‘Senhora Céu Americana’ fora emigrada nos Estados Unidos da América. Voltara com fortuna, enfeites e ouros no pescoço, também ao dependuro em todas as extremidades, salvo pés. Óculos excêntricos para a moda local, lábios pintados com carmim espesso, cabelo enrolado em «banana» ripada. Simpática e generosa.
À ‘Fernanda do Sargento’, filha de militar da GNR, solteirona, caracterizava-a o silêncio, a afabilidade, o ar maltrapilho conquanto tivesse posses de sobra. Combinar roupa extravagante era a sua especialidade. Irreverente, pouco lhe importava o que sobre ela era falado nos dizeres aldeões. Persistia nas idas e vindas diárias, a pé, para a cidade de Gouveia, àquele tempo, vila, que os mil e poucos metros facilitavam. Discreta, não era mulher para ‘levar e trazer’, o mesmo é coscuvilhar. Parece que por ter sido o pai republicano aguerrido, não paravam padre, andores, anjinhos e banda nas procissões junto à casa de morada.
A ‘Emília Romeira’, mulher simples no pensar, amiga dum copito mas sem exagero, trabalhadeira nos campos como poucas, tinha um filho: o ‘Menã’. Dele recordo (…)
Nota: há instantes, texto publicado aqui.
CAFÉ DA MANHÃ
Victoria Moore, Kristin Abraham
Houve menina que bem conheci. Fez-se mulher. Privou com avós e bisavós e ‘tios-bisavós’, mais tios-avós até idade adulta avançada. Teve infância pobre à conta da falta de irmãos e primos directos - respeitasse o novo acordo ortográfico e escreveria ‘diretos’ - desde três gerações; rica pela família que a gerou (o ‘rico’ não significa óbvio – tem a ver com experiências inusitadas de que guarda memórias d’ouro).
O avô era músico autodidacta. Lia pautas como criança industriada que, de cor, repete tabuadas. As filhas cantavam primorosamente, eram prendadas em artes várias (domésticas incluídas). Uma foi p’ra freira e conservou a tradição de cada camada geracional contribuir com um ou mais elementos para casório divino. Pelos muitos castos(?) da família, houve descendente única. Transviou – não fez votos de castidade e de pureza ou pobreza. Insubmissa, escolheu trilho diferente dos mandadores: o comum. Nunca se arrependeu, mas venera crítica e afectuosamente donde e de quem veio para o mundo.
De regresso ao avô - viajar para tempos mais recuados dava livro e não crónica. Compunha músicas e letras/poemas. Amante da mulher que lidava com o quotidiano e do marido/amor respeitava utopias, teve casamento feliz por décadas até se despedir da vida. A mulher, namorada sempre, sobreviveu-lhe um ano. Primo exímio em guitarra mais colegas tocadores da canção coimbrã eram visitas da casa. Desafiavam-no para serenatas e tocatas até horas-meninas da madrugada, para aventuras como fazer serenata no cimo do Cântaro Magro; quem o conhece de longe vislumbre a aventura. Burro atestado com víveres, violas e guitarras subia com eles. Loucos deliciosos!
Nos estios, noite chegada, a casa vibrava com acordes. Tertúlias que arrebatavam amigos e personalidades de artes várias. Uma delas, Irene Lisboa, a menina já não conheceu mas leria a obra em que desancava tias-avós. A pequenota levantava-se pé-ante-pé, sim, porque era mandada cedo para a cama, e, sentada num vão da escada roendo maçãs, ouvia e ria com as anedotas, as picardias sobre política e literatura que intervalavam música.
A mulher não herdou talentos - limita-se a fazer uso menor do aprendido no regaço meigo da família.
CAFÉ DA MANHÃ
Autor que não foi possível identificar, Paul Corfield, William Perry
É refrescante saber que religiosos, polícias e professores estão equiparados na confiança que os portugueses lhes atribuem como os menos corruptos do país. Sendo que a maioria dos elementos das classes mencionadas são pelintras por desvio da roda da fortuna, esta fé comove. O mesmo que dizerem: _ Coitados! Que podem eles fazer? De que vale tentá-los se o sistema lhes confere poderes mínimos? Corromper por corromper antes aqueles com estatuto bastante para cunhas que influenciem advires.
Longe vai o tempo em que o pároco da freguesia era interpelado sobre a seriedade de jovem casadoiro(a). Em que distribuía pelos desfavorecidos queijo flamengo e leite em pó vindos da Caritas Americana, conquanto reservasse para os seus gastos fatia substantiva. A Irene Lisboa disso fez retrato vivido no “Crónicas da Serra”. Frades e freiras, pelo voto de pobreza, estão impedidos de acumular bens materiais em benefício próprio. Corruptíveis somente por via do coração. Um cachecol de agradecimento, ainda vá, sumptuosidades nem vê-las, nem delas experimentam o aroma, nem lhes caem no regaço.
Polícias é outra loiça, ainda assim resignados a parcas ligas metálicas em forma de moedas, no conjunto notas poucas, se no trânsito traficam medos. Isto para os mais afoitos. Os outros, nem isso. A fracção maior, portanto. Arriscam balázios, sim, pecúlios extra, não.
Os professores também honestos. Podem enfiar cunha para um infante ter acesso à escola onde os docentes quase pernoitam. Recompensa por isso? _ Nenhuma! A consciência e o risco de ficarem sem trabalho não lhes permite escorregar na rampa que lhes escapa e nem é tentadora. Podem dar explicações sem recibo, mas é crime outro: economia paralela que, somadas a muitas outras actividades, subtrai milhões ao fisco e ao bolso de cada um. Equivalente, assim se deparasse a possibilidade, faríamos pela precisão e pela raiva de tanto roubo incompreensível aos haveres e fazeres. Apontem-me um impoluto e crescerá a minha fé na lusa candura.
CAFÉ DA MANHÃ
Autor que não foi possível identificar
Cadeira vazia em Oslo ocupada por milhões.
Autor que não foi possível identificar e Clay Jones
Após dezassete anos, os Da Weasel findam o projecto. Memória uma.
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros