Sexta-feira, 14 de Março de 2014

ORA TOMEM LÁ CATERVA DE USOS DESUSADOS

 

Abel Manta, pintor nascido em Gouveia em 12-10-1988                              Abel Manta - Fundação Calouste Gulbenkian

 

“Mas quem somos nós senão os outros? Um homem é todas as coi­sas que ele viu e todas as pes­soas que pas­sa­ram por ele, nesta vida.” (Tei­xeira de Pascoaes)

 

O patri­mó­nio de alcu­nhas nas Aldeias, fre­gue­sia do con­ce­lho de Gou­veia onde ainda tenho a casa do Prado e raí­zes fun­das, está ferido por gen­tes des­me­mo­ri­a­das cuja tra­di­ção oral não importa. Dela, relem­bro idos e o desuso em que caiu lin­gua­jar que me encantava.

 

Nome pri­meiro acom­pa­nhado por outro asso­ci­ado ao lugar de morada ou afa­zer é pas­sado. Hoje, impe­ram ape­li­dos como o notá­rio regis­tou. Mas são lem­bra­dos alguns, embora os uten­tes, na mai­o­ria, já tenham a alma no Além. Curi­oso era não se apo­quen­ta­rem os alcu­nha­dos. A Emí­lia ‘da Car­va­lha’, habi­tava junto ao car­va­lho fron­doso no adro da Igreja. A ‘tia Cos­tu­reira’ ou ‘Emí­lia do Canto’ asso­ci­ava lugar de morada à pro­fis­são exer­cida com pun­do­nor. O ‘José da Volta’ tinha casa à ‘curva do Prado’ e, logo abaixo da esca­da­ria que ao mesmo lugar ascen­dia, morava o ‘Senhor Bar­bas’. O ‘Joa­quim e a Emí­lia do Largo’ viviam no Largo da Igreja, a ‘Céu For­neira’, no cen­tro do «povo»*, cozia pão no forno comunitário.

 

Do casal ‘Joa­quim e Alice das Risa­das’ lem­bro a curi­o­si­dade e o sor­riso melí­fluo da mulher, pais extre­mo­sos de menina que casa­ria cedo, tal­vez com dezas­seis anos. Tornou-se mulher bonita que recordo ele­gante na pos­tura ao atra­ves­sar a cidade. A ‘Senhora Céu Ame­ri­cana’ fora emi­grada nos Esta­dos Uni­dos da Amé­rica. Vol­tara com for­tuna, enfei­tes e ouros no pes­coço, tam­bém ao depen­duro em todas as extre­mi­da­des, salvo pés. Ócu­los excên­tri­cos para a moda local, lábios pin­ta­dos com car­mim espesso, cabelo enro­lado em «banana» ripada. Sim­pá­tica e generosa.

 

À ‘Fer­nanda do Sar­gento’, filha de mili­tar da GNR, sol­tei­rona, caracterizava-a o silên­cio, a afa­bi­li­dade, o ar mal­tra­pi­lho con­quanto tivesse pos­ses de sobra. Com­bi­nar roupa extra­va­gante era a sua espe­ci­a­li­dade. Irre­ve­rente, pouco lhe impor­tava o que sobre ela era falado nos dize­res aldeões. Per­sis­tia nas idas e vin­das diá­rias, a pé, para a cidade de Gou­veia, àquele tempo, vila, que os mil e pou­cos metros faci­li­ta­vam. Dis­creta, não era mulher para ‘levar e tra­zer’, o mesmo é cos­cu­vi­lhar. Parece que por ter sido o pai repu­bli­cano aguer­rido, não para­vam padre, ando­res, anji­nhos e banda nas pro­cis­sões junto à casa de morada.

 

A ‘Emí­lia Romeira’, mulher sim­ples no pen­sar, amiga dum copito mas sem exa­gero, tra­ba­lha­deira nos cam­pos como pou­cas, tinha um filho: o ‘Menã’. Dele recordo (…)

 

Nota: há instantes, texto publicado aqui.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:55
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Terça-feira, 29 de Março de 2011

À VOLTA DO BURRO QUE SUBIU O ‘CÂNTARO MAGRO’

Victoria Moore, Kristin Abraham

 

Houve menina que bem conheci. Fez-se mulher. Privou com avós e bisavós e ‘tios-bisavós’, mais tios-avós até idade adulta avançada. Teve infância pobre à conta da falta de irmãos e primos directos - respeitasse o novo acordo ortográfico e escreveria ‘diretos’ - desde três gerações; rica pela família que a gerou (o ‘rico’ não significa óbvio – tem a ver com experiências inusitadas de que guarda memórias d’ouro).

 

O avô era músico autodidacta. Lia pautas como criança industriada que, de cor, repete tabuadas. As filhas cantavam primorosamente, eram prendadas em artes várias (domésticas incluídas). Uma foi p’ra freira e conservou a tradição de cada camada geracional contribuir com um ou mais elementos para casório divino. Pelos muitos castos(?) da família, houve descendente única. Transviou – não fez votos de castidade e de pureza ou pobreza. Insubmissa, escolheu trilho diferente dos mandadores: o comum. Nunca se arrependeu, mas venera crítica e afectuosamente donde e de quem veio para o mundo.

 

De regresso ao avô - viajar para tempos mais recuados dava livro e não crónica. Compunha músicas e letras/poemas. Amante da mulher que lidava com o quotidiano e do marido/amor respeitava utopias, teve casamento feliz por décadas até se despedir da vida. A mulher, namorada sempre, sobreviveu-lhe um ano. Primo exímio em guitarra mais colegas tocadores da canção coimbrã eram visitas da casa. Desafiavam-no para serenatas e tocatas até horas-meninas da madrugada, para aventuras como fazer serenata no cimo do Cântaro Magro; quem o conhece de longe vislumbre a aventura. Burro atestado com víveres, violas e guitarras subia com eles. Loucos deliciosos!

 

Nos estios, noite chegada, a casa vibrava com acordes. Tertúlias que arrebatavam amigos e personalidades de artes várias. Uma delas, Irene Lisboa, a menina já não conheceu mas leria a obra em que desancava tias-avós. A pequenota levantava-se pé-ante-pé, sim, porque era mandada cedo para a cama, e, sentada num vão da escada roendo maçãs, ouvia e ria com as anedotas, as picardias sobre política e literatura que intervalavam música.

 

A mulher não herdou talentos - limita-se a fazer uso menor do aprendido no regaço meigo da família.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:27
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Sexta-feira, 10 de Dezembro de 2010

RELIGIOSOS, POLÍCIAS E PROFESSORES

Autor que não foi possível identificar, Paul Corfield, William Perry

 

É refrescante saber que religiosos, polícias e professores estão equiparados na confiança que os portugueses lhes atribuem como os menos corruptos do país. Sendo que a maioria dos elementos das classes mencionadas são pelintras por desvio da roda da fortuna, esta fé comove. O mesmo que dizerem: _ Coitados! Que podem eles fazer? De que vale tentá-los se o sistema lhes confere poderes mínimos? Corromper por corromper antes aqueles com estatuto bastante para cunhas que influenciem advires.

 

Longe vai o tempo em que o pároco da freguesia era interpelado sobre a seriedade de jovem casadoiro(a). Em que distribuía pelos desfavorecidos queijo flamengo e leite em pó vindos da Caritas Americana, conquanto reservasse para os seus gastos fatia substantiva. A Irene Lisboa disso fez retrato vivido no “Crónicas da Serra”. Frades e freiras, pelo voto de pobreza, estão impedidos de acumular bens materiais em benefício próprio. Corruptíveis somente por via do coração. Um cachecol de agradecimento, ainda vá, sumptuosidades nem vê-las, nem delas experimentam o aroma, nem lhes caem no regaço.

 

Polícias é outra loiça, ainda assim resignados a parcas ligas metálicas em forma de moedas, no conjunto notas poucas, se no trânsito traficam medos. Isto para os mais afoitos. Os outros, nem isso. A fracção maior, portanto. Arriscam balázios, sim, pecúlios extra, não.

 

Os professores também honestos. Podem enfiar cunha para um infante ter acesso à escola onde os docentes quase pernoitam. Recompensa por isso? _ Nenhuma! A consciência e o risco de ficarem sem trabalho não lhes permite escorregar na rampa que lhes escapa e nem é tentadora. Podem dar explicações sem recibo, mas é crime outro: economia paralela que, somadas a muitas outras actividades, subtrai milhões ao fisco e ao bolso de cada um. Equivalente, assim se deparasse a possibilidade, faríamos pela precisão e pela raiva de tanto roubo incompreensível aos haveres e fazeres. Apontem-me um impoluto e crescerá a minha fé na lusa candura.  

 

CAFÉ DA MANHÃ

  

Autor que não foi possível identificar

 

Cadeira vazia em Oslo ocupada por milhões.

  

Autor que não foi possível identificar e Clay Jones 

 

 

 

Após dezassete anos, os Da Weasel findam o projecto. Memória uma.

  

publicado por Maria Brojo às 07:10
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