Domingo, 30 de Outubro de 2011

ÁGUA BENTA E FARÓFIAS

 

Há três semanas e nica doutra, iniciada a temporada de aniversários dos que amo e me amam. Inaugurei-a a sete de Outubro, prossegue hoje, dia trinta, continuará a sete, a oito, a dezassete de Novembro, neste dia coincidem dois, para terminar a vinte e oito de Dezembro. Três foram passados em Junho e Julho. Mas esta, pelo número de aniversariantes, sim!, é a saison das festas com parabéns e mesas alindadas e velas e palmas e olhos luzentes pela alegria do momento e da família reunida.

 

Porque do teu o dia mal começa, lembro o de sete deste mês. Inaugurado com acordar preguiçoso, corpo alongado na cama, olhar posto no céu sem máculas brancas. Desjejum frugal como é comum no quotidiano, o gozo da escrita na hora seguinte, o "ala que se faz tarde" para bandas outras de Coimbra onde rostos amados prodigalizaram mais beijos, abraços, a quentura de carinhos. A pé pelas ruelas da Baixa Velha foram descobertos mimos arquitectónicos, antigos, revista a pressa das gentes nos afazeres. Santa Cruz, ali em frente, chamou. A fé entrou e houve orações sentidas, velas acesas com ternura e crença arrebatada. No dia, antecederam outros presentes.

 

 

Sendo mulher de hábitos, conquanto não raras vezes os pontapeie, gosto de presentear quem me gerou - escolhida a mala onde flor pontifica. O mel da cor também adoçou a manhã. No Nicola, reunião de amigos, mais doçuras e formosuras em gestos e palavras. Almoço feliz, histórias de idos, lágrimas pelas saudades dos que partiram, sorrisos após pela certeza de no lugar onde estão celebrarem, juntos, contentamento igual. Depois, foi tempo do regresso a Lisboa para o jantar com outros amores. E houve bolo saído da perícia de mãos femininas da terceira geração da família. E houve farófias, deleite que me entontece a gula, confeccionadas por outras mãos de jovem mulher igualmente amada e da mesma geração da anterior. Mas o ramalhete não estaria composto sem os mimos, as ternuras floridas nos olhares de todos.

 

Para ti, amor meu e de mais que compõem a nossa pequena família, neste alvorecer, ofereço-te uma das músicas do Ray mais ouvida quando conduzes. Sorrio ao ver-te seleccioná-la entre a panóplia de gravações que não dispensas. Apresentei-ta anos atrás. Se dela te cansares, passarei, de novo, a escutá-la como ouro da memória nossa. Para mim, como oferta recuada, “Ebony and Ivory”.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 05:50
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Segunda-feira, 18 de Outubro de 2010

COM A CABEÇA QUAL BICHO ANDA?

Jane Brewster, Pat Dugin, Graham McKean

 

Na volta, o real. Criança, uma. Idosos, quase todos. Grávidas, algumas. Pacientes oncológicos, diabéticos, menos. Sentados em cadeiras azuis ligadas por plásticos e metal. É de espera a sala para quem, papel e senha na mão desde antes das oito, é obrigado a extrair sangue e encher seringa com urina, depois entregue no gabinete de recolha. “Análises” informa a tabuleta sofisticada que da finalidade informa os utentes.

 

Assentos esgotados. Senhas divididas consoante urgência pré-determinada. Ecrãs com números sempre longínquos do obtido, menos pela inequívoca eficácia do pessoal especialista do que pela gente a mais. Mas estão e chegam conformados – sabem o seguinte por alturas outras. Casais acompanham-se mutuamente, filhos(as) fazem o mesmo com a mãe ou o pai ou a tia cuja idade e debilidade justificam cuidados - o ouvido e a visão já foram melhores, por arrasto o entendimento também, as seringas para recolha de urina na única casa de banho com fila permanente são difíceis no desenroscar da tampa por onde o líquido excretado subirá. E cresce a espera. A fome pelo jejum. E a insulina adiada. E os remédios da manhã por tomar. E a procissão além da porta.

 

No durante, há o ‘louco de Lisboa’, cinquenta e pós, limpo e cortês, que cumprimenta um a um os empilhados. Deseja bom dia. Tem laracha endereçada e assertiva para cada um. À criança pergunta: _ Qual o bicho que anda com a cabeça? O menino sorri, olha o pai e assume o não saber. O homem responde: _ o piolho que tu não tens por seres rapaz asseado. Ao menino luzem as pupilas. Adiante, indaga dum casal a mulher: _ Qual a palavra com 40 acentos/assentos? Perplexa, conferencia com o marido, reconhece a ignorância. Esclarece: _ O autocarro! Esboço de sorriso, riso mesmo, nas faces até ele tristes. À mulher mais nova recita quadra tão popular quanto romântica; sem permissão, passa, ao de leve, dedos no rosto. Inquire senhora postada no extremo da carreira: _ Numa mulher, o que mais cheira a banana? _ O nariz! Pagelas debitadas em amanheceres esgalgados. Mal acaba o périplo, a cada um: _ Pode dar-me um euro se não lhe fizer falta? Ao vê-lo, insiste: - não recebo caso lhe faça diferença.

 

Ritual/desassossego completo, os «vampirados» esticam o pescoço na cafetaria fronteira para decidir medíocre pequeno-almoço que não lhes coma euros acima de dois estando na frente a caixa de pré-pagamento, o sorriso brasileiro tão plástico como as cadeiras largadas. Talvez consulta a seguir ou volta inteira para casa. Talvez madrugada/cópia após dias ou meses medidos com a régua do desespero.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 16:16
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Terça-feira, 19 de Janeiro de 2010

35%, 4% E A SENHORA DONA LOURDES

Richard Whitney

 

Funcionária exemplar. Profissional conscienciosa e sabedora – dos laboratórios conhecia segredos que, discreta, sugeria mal eram verbalizadas dificuldades ou carências. Jamais arredada do lugar – não lhe lembro faltas ao trabalho, mesmo quando instada a dar meia-volta e regressar a casa por maleitas; algumas sérias. Ficava. Sorria e as rugas desvaneciam-se.

 

Vez por vez, surgia com o rosto maltratado. Caíra, batera na porta do armário como explicações comuns. Casamento de muitas décadas. Filhos e netos que a amavam. Retribuía com a dádiva que na (im)pessoalidade laboral a caracterizava. Viu-me crescer como mulher e trabalhadora. Conheceu-me aos vinte e três anos. Meus. Continuou na profissão anos a fio além da reforma. O limite de idade remeteu-a à domesticidade exclusiva. Homenageada. Incensada. Mereceu.

 

Soube agora que, três anos após a saída, está num lar. O marido, culpado da violência que lhe marcava o rosto, finalmente!, fê-la procurar refúgio num sítio tranquilo. Teve sorte – 18000 idosos aguardam instituição que os receba quando a vida conta anos demais para utilidade reconhecida. A paga do lugar é incompatível com o líquido da reforma. Emocional e afectivamente apoiam-na filhos e netos. Reconhecidos pelo feito. Sem possibilidades económicas para tudo.

 

Ignorando ainda dados últimos do Eurostat - 35% dos portugueses não têm sistema de aquecimento apropriado em casa e  4% sem direito a refeição completa de dois em dois dias –, o local de trabalho mobilizou-se. Bateram fortes os corações. Partes dos salários empregues em bens e ajudas de primeira necessidade que à Srª D. Lourdes satisfaçam. Que lhe lembrem afectos/tributos por anos de dedicação honesta. Ninguém reteve 'quentinhos' apaziguadores da consciência pelas ajudas prestadas. Tomaram, não fossem precisas!

 

Perdoada seja a lamechice. Partidas da emotividade deixam-me indefesa.
 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

When I was seventeen
It was a very good year
It was a very good year
for small town girls
And soft summer nights
We'd hide from the lights
On the village green
When I was seventeen

 

When I was twenty-one
It was a very good year
It was a very good year for city girls
Who lived up the stair
And it came undone
When I was twenty-one

 

When I was thirty-five
It was a very good year
It was a very good year for
blue-blooded girls
Of independent means
We'd ride in limousines
And their chauffeurs would drive
When I was thirty-five

 

But now the days grow short
I'm in the autumn of my years
And I think of my life as vintage wine
From fine old kegs
From the brim to the dregs
And it poured sweet and clear
It was a very good year

 

publicado por Maria Brojo às 06:08
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