Quarta-feira, 7 de Setembro de 2011

HÁ UMA TELA

Paul Rahilly, Jack Beal

 

Nunca fui de aderir a promessas cuja concretização é dilatada no tempo. Seja da conjuntura ou da experiência que a sucessão dos dias comporta, dou por mim a desenhar sorriso vero ao ouvir nas notícias matutinas que o crescimento económico português será realidade em 2013. A vaga desesperançada deste povo é tamanha que começo a apreciar algumas predições optimistas, conquanto baseadas em números de papel e, por tal, voláteis como brisa. Persisto em renegar mentiras e leviandades politiqueiras que só atam e não desatam o cinto dos mexilhões. Teimo em considerar escândalo o abismo das desigualdades sociais. Porfio no ideal da equidade na justiça, na saúde, nas decisões governantes. Obstino-me no exercício pragmático da análise do visto, deduzido, que o microcosmo dum bairro, duma rua permitem. Mas sonho com advir outro para os concidadãos humilhados há demasiadas eras, com mergulho nos sentimentos e emoções sem temores que me aflijam pelo matutar no como e no porquê; contrariar vida certinha, deserta de utopias, de riscos e risos que envolvem a alma inteira, de quotidianos ronceiros e iguais.

 

Há uma tela por comprar. Sonho-a. Nela fiz esboço imaginário. Olho-a de dentro para dentro. Detecto erros e corrijo-os. É experiência nova. Amadurecida. Segue ordem diferente da habitual: apaixonar-me pelo branco esticado, pela dimensão, no instante, pensar obra, adquirir e, em casa, arrebanhar óleos, pincéis, diluentes e cavalete. Meses voaram desde que na fantasia pairam traços e cores. Alicia o perigo implícito da concretização em muito se distinguir do idealizado – são dialécticos viveres seguintes que o ser interpelam. Outono doce ou agreste pode modificar conteúdo e tons que da tela farão o que será. E pelo Princípio da Incerteza, uma certeza: pintura acordada com o acontecido e o por acontecer.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:31
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Quarta-feira, 24 de Agosto de 2011

"LA PIEL DEL TAMBOR"

Jack Beal

 

Não apetece largar a cantoria dos grilos nem o Outono anunciado de subtis maneiras. Os primeiros indícios surgem no cobre das videiras, nas folhas que caem pelo tempo de vida cumprido, nos entardeceres a pedirem malha leve que proteja as costas, no corado dos pêssegos, nas nozes cuja carapaça, antes verde e lisa, engelha agora.

 

Por fechar a totalidade das portadas, breve passeio ao Café Arcadas, quase à despedida de Gouveia para quem sobe a Estrada da Serra. Esplanada e interior silenciosos que o Tó Zé e a mulher, Maria Helena, atendem. Ambos licenciados em Inglês, ele em Inglaterra, ela em Viseu, após terem decidido, já casal e pensando em filhos, não ser Londres cidade adequada para a serenidade que requer aumento da família. Regressaram a Gouveia, construíram moradia e, por circunstâncias várias, abriram no espaço inferior lugar tranquilo.

 

Nos dias serranos, pelas cinco horas, ocupava ali, a mesa mais recôndita, após duche e banho de sol num terraço escondido de olhares. Continuava leituras, a última do Arturo Pérez-Reverte, La Piel del Tambor, que não interrompe fascínio pelo talento, semântica e léxico. O castelhano bem servido encanta, como qualquer língua cuja ligação das palavras escritas seja genial.

 

Na despedida, ainda que por semanas curtas, das encostas da Estrela, a ruptura deve ser lenta. Pneus em movimento, para trás a Dona Ventura estendendo turcos e lençóis usados em último, janelas abertas para que a ventilação condicionada não abafasse dos pinhais e dos eucaliptos os aromas. Marcha lenta, dedicada ao entreter da memória com sítios e alturas conhecidas. Somente na A1 os 140/160 foram precisos, nuvens prometendo chuva copiosa. Seguindo à frente delas, enxuta a chegada.

 

Lisboa, cidade triste, sem oferta de distâncias onde o olhar se recreie até centena de quilómetros. O apartamento/gaiola postado em sossego e negrume – gelosias cerradas, verdes implorando luz e presença que chegou sem vontade ou graça. La Piel del Tambor e a mulher foram continuidade.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 12:47
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Segunda-feira, 11 de Julho de 2011

QUADRO NEGRO

Jack Beal

 

Quem diria estarmos colados à civilizada e muito bem comportada Áustria numa ‘lista negra’ internacional? Acompanham-nos a Sérvia, Israel, a Macedónia e a Eslováquia. A Agência das Nações Unidas para a Saúde espiolhou meia centena de países europeus e concluiu maltratarmos os idosos de modo a incluir-nos no lote dos seis piores entre os maus.

 

Os números agora divulgados contabilizam e comparam o já conhecido: aproximadamente, 40% dos nossos idosos estão sujeitos a abusos graves por via dos familiares mais próximos: filhos e netos. Extorsão, negligência, violência psicológica e física, algumas das agressões relatadas por mulheres portuguesas que vivem sós.

 

Longe vai a era onde era honra considerar os progenitores merecedores de atenção e deles aproveitar saberes que os anos acumularam. Permaneciam até à morte no seio familiar. No hoje, a pequenez das gaiolas/apartamentos, o labor diário dos descendentes, as convulsões e disfunções da família, a escassez de recursos e a ambição somadas à insensibilidade e afectos desacreditados, traçam alguns parâmetros do desgraçado real.

 

É doloroso assistir à degradação física e mental dos pais e avós. A memória de idos pujantes está presente nos filhos. Havendo valores também consubstanciados na gratidão irreversível pelo amor e ternura que dispensaram, o zelo continua. Sobrepondo-se imediatismo, cobiça e desprezo pela condição de caminhantes para o final, a selva sem lei impõe-se.

 

Estivesse o país convenientemente alicerçado nos cuidados domiciliários e paliativos, houvesse maior número de voluntários acompanhando os mais velhos e solitários, não era apagado o problema, mas atenuava-o. Lembro boas práticas, raras, sei, que permitem interagir os alunos das escolas e centros de dia onde, em alguns, estiolam idosos. Quem participou nestes projectos garante a maravilha do intercâmbio de competências e saberes, do carinho entre novos e velhos. A pedagogia dos valores também se faz assim.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:37
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