O Paulo está apaixonado pela Isabel que retribui o sentir. Por orgulho, intolerância, arrumaram em lágrimas o sentimento. A Isabel continua só. O Paulo chora a paixão que não chegou a casal feito. Mas lembra os dias em que o pressentiu e quase era. Atualmente, ele penetra quem calha - umas hoje, outras quando sucederem. Que venham e vão. Ou fiquem, ofertando idolatria capaz de lhe nublar o histórico de rejeições. Presentes. Dolorosas. Hesita no afeto que, agora, lhe inspira a Sofia. Imagino, do Paulo, o pensar:
_ “Mostra que me acarinhas e colocas adiante do que é muito para ti. Do teu filho e do ainda marido. «Ex» quando o apartamento com renda proibitiva que o banco, pontual, cobra, tiver comprador. Quando forem rachadas ao meio valias e dívidas. Ganhas pouco. Eu, o dobro. Vida medíocre não alimenta desejos maiores num amor.”
Lastimo se tu, Paulo, cogitares assim e o pudor te censurar esta fala. Pelas descrições em confidências nossas porque amigos fiéis, sinto-me próxima da Isabel. Não iludas a Sofia! É mulher/menina que sonha paixão igual à dela. É afetuosa, carente de vida que lhe devolva bondade. Não ludibries quem podia ser tua filha. Esquece de vez dores e lágrimas ou enxuga-as, com lisura, no colo dela. Não podendo, evita a mentira duma paixão que somente endereças, inteira, à Isabel. Respeita-te. És homem e tanto! Vês como não prescindo deste laço fraterno que nos prende ao telefone e é confessionário? Dizes ter-me como 'não amiga' por considerares a amizade sentimento arredado dum homem que deseja aquela precisa mulher. Tem de ser assim? A amizade é elo com facetas múltiplas. Forma outra de amor, mais abrangente, mais livre, isenta de projeto comum, ressalvada a partilha de reflexões e o querer saber.
Porque se enreda o Paulo em fados doridos? Porque aquiesce à Sofia quando sabe omissa paixão e o sentir exaltado que lhe confere sentido aos dias? Porque chora pela Isabel e a Isabel por ele? Separados, levam ao palco tragédia que podia ser ópera e já foi e voltará. Digo-lhe:
_ Não engaioles a Sofia num amor de raspão. Mentiroso. Fim à vista. Acabado, o menino sofreria com o olhar e os sorrisos esmorecidos da mãe - quatro anos entendem muito, mesmo ignorando o nome do que lhe muda o horário do jantar, o gargalhar apagado à hora do banho, da brincadeira durante e depois. Deixa-o crescer sem lágrimas que tu faças verter.
Mati Klarwein
A Bélgica prova o improvável: desde há um ano, vive de modo relativamente tranquilo sem primeiro-ministro ao comando. Dedução imediatista: as redes políticas tradicionais são dispensáveis para os cidadãos ainda que repartidos por regiões e línguas – flamengo, francês e o minoritário alemão. As estruturas hierárquicas funcionam por si próprias, uma vez que Sua Majestade, o rei, apenas acumula postura decorativa com funções extremamente limitadas de Chefe de Estado. Não pinta, nem manda no essencial.
Todavia, a realidade vai além. Na ausência de entendimento entre os partidos mais votados para formação de governo, por tal omissas reformas internas, a dívida belga cresce sem parança – o terceiro país mais endividado da Europa, ocupando a Grécia lugar cimeiro. Maçada que aos belgas aflige sem que o quotidiano reflicta angústia existencial.
Lembrando ter a Bélgica participado de modo determinante na fundação da Europa Unida e nela hospedar sede da Comunidade, adivinho sinal que preside ao futuro dos vinte e sete e à organização política do mundo. Sem bola de cristal é tentador deduzir que estando o Reino Unido nas lonas, a Alemanha em desnorte eleitoral, a Itália entalada em dívidas vultuosas, a França como é sabido, ou o Durão se revela duro de roer e engendra arca de Noé que a Europa salve do naufrágio, ou, caso contrário, o mundo económico-financeiro como o conhecemos desaparece num ápice. Alguns dos centros poderosos deslocar-se-ão para outros países/leme: China, Japão, quiçá a Austrália no hemisfério Sul. O Brasil, a continuar o deslumbre pelo acesso fácil ao dinheiro de plástico, não tarda, regredirá - os europeus fizeram o mesmo e deu no que deu.
Ciclo da humanidade a cujo dealbar assistimos. Talvez fim das democracias ocidentais, talvez princípio duma nova ordem mundial.
CAFÉ DA MANHÃ
Belgas, pois então!
Sorayama Hajime, Sally Davies, autor que não foi possível identificar
Pelas nove, antes do horário estipulado para trabalho, o uso de há um ano: entrar no quase boteco, quase restaurante, ajeitar uma cadeira, pedir um café bem cheio e um copo de água. Podia tomar a delícia em casa, mas perderia momentos de conversas facilmente audíveis de gentes comuns em frente, ao lado, no balcão. Futebol, se na véspera houvera jogo com um «grande», o estado da nação reflectido nas vidas, temas avulsos que só aos próprios interessavam, estes segredados, cúmplices.
Manhã soalheira e fria. À direita da entrada, no chão, um par de botas pretas, saltos íngremes levemente descascados na base, elegantes no conjunto, obedientes à moda. Estaquei. Quem as ali deixara como lixo sem pensar no recipiente ao lado que acumulava desperdícios, sem que a paróquia, centros outros de recolha solidária fossem hipótese? Intrigada, despedi cogitações – era pressa a dose de adrenalina matinal.
Estando o Sr. Pereira sozinho, os narizes mergulhados nos jornais não contavam, perguntei:
_ Bom dia! Sabe das botas, praticamente novas, ali depositadas na entrada?
E ele que sim, que delas soubera pela dona em fúria à conta dos pés maltratados após noite de trabalho, que tomara o pequeno-almoço e partira descalça. Lançou provocação às cozinheiras:
_ Porque não aproveitam as botas novas aqui à porta?
De dentro, respostas:
_ São lindas, mas amigas do serviço nocturno. Pergunte amanhã às colegas da dona se as querem.
_ Não enfio vícios em lado nenhum, quanto mais nos pés!
Ouvi e calei o débito de juízos morais e repulsa. ‘Não sou dessas’, seria réplica mais económica. Ponderei se os homens daquelas mulheres impolutas(?) não seriam clientes de quem elas desprezavam. Afinal, ao deitarem-se com os respectivos, sabiam se aquela ou outras acusadas não estariam presentes na cama pelos restos invisíveis neles deixados?
Ainda bebericando a mistura fervente e negra, lembrei cena no Julho passado. Temperatura de ananases. Almoço e passeio num parque cerca de casa. Sandálias com nesga de salto e tiras cruzadas que não resistiram a cabriolice num penhasco. Analisei o estrago: sem arranjo. Caminhar semi-calçada, era desconforto. Larguei-as em bom recato. Arrisquei cumprir a distância descalça. O asfalto, o empedrado escaldava. Arribou interpelação: quem me viu naquela figura rir pelo prazer do diálogo e da aventura que terá pensado? _ Excêntrica, desavergonhada, ‘mulher da vida’ que a tudo se habitua? _ E se fossem alinhar pêlos a macacos?
CAFÉ DA MANHÃ
O segundo vídeo é devido a cortesia do Cão do Nilo.
Diane Maxey, Mel Ramos
A Bélgica é reino e tanto. Há 250 dias sem governo, bateu recorde que o Iraque detinha. Aos belgas francófonos e flamengos falta entendimento que lhes permita regulação estatal unificada ou separada. “Não Em Nosso Nome” é movimento. Pugna evitar o separatismo. Dinamizado nas redes sociais por estudantes, conduziu a manifestação conjunta levada anteontem às praças por iniciativa de trinta Associações de Estudantes. Após senadora declarar greve do sexo aos políticos cônjuges ou companheiros, abriram luta contra a desvergonha do impasse governamental, a divisão do território belga que diferenças substantivas lhes trazem: o corte do território belga agravará as diferentes condições dos estudantes no que concerne à gratuitidade dos transportes públicos, financiamento, numerus clausus e qualidade do ensino. Tudo em desfavor dos francófonos.
Como em 68 aconteceu, hoje, jovens belgas lideram ideais/utopias que em tempo qualquer dos percursos humanos propicia dealbar contestatário. Revolução das Batatas Fritas, chamam-lhe. E vendem-nas em barraquinhas, assim as autoridades policiais o tenham permitido há dias. Dizem-se inspirados na tunisina Revolução do Jasmim. Esquecem a papoila, símbolo/ memória da Batalha da Flandres contra os ingleses. Mas o jasmim é comestível e a papoila não.
Nota: texto inspirado nos Sinais do Fernando Alves.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros