Jorgensen
O hábito de madrugar tem, além das vantagens conhecidas, o benefício de ouvir na estação de rádio preferida, TSF no caso, algumas notícias não repetidas depois. Como se ouvintes matutinos merecessem brinde. Como se quem acede à sintonia mais tarde fosse vítima predileta de lembretes sobre a ruína da nação. Ora, porque tamanhas desgraças são quotidianos duros de roer, já bondam repetições de meia em meia hora. É de entender a opção predominante nos taxistas pela Rádio Amália – tristes sinas em modo fadista são mais fáceis de digerir, aliviam o «anda, não anda» e a escassez de clientes. Sempre lembram dias mais animados pela inconsciência da dimensão da rataria que havia de conduzir à ratoeira atual que trilha cidadãos sem queijo à vista.
Do ouvido no amanhecer dos nacionais, destaque para história breve. Reza assim: jovem médico em estágio de oncologia peregrinava pelas enfermarias. Vê menina só. Mudando a hora da visita, o mesmo. Intrigado, entabula diálogo com a criança.
_ Porque estás sempre sozinha? Não tens visitas.
_ Tenho, pois. Todo os dias a minha mãe está aqui.
_ Então porque nunca calhou vê-la?
_ É que quando está muito triste vai para o corredor chorar. Não me diz, mas eu sei.
_ Porque chora tanto?
_ Pela minha morte, pela saudade que vai ter.
_ Receias a morte?
_ Não. Quando morrer, sei que a minha mãe gostou muito de mim. Vamos ter saudades as duas. Como nos amamos tanto, a saudade é maior. Saudade é a tristeza por já não termos aquilo de que gostámos.
Nota 1: texto publicado agorinha nesta «chaminé».
Nota 2: hoje, destaco no “Escrever é Triste” este texto do Manuel S. Fonseca.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros