Karin Jurick
Esbofeteá-lo era pouco. Demais para o gelo que sentia. A (des)conversa colada ao ouvido deixara-a assim: fria e ferida. Enrodilhada no sensível, na sétima nota da escala diatónica. Tom inteiro que os cinco semitons, separados pela distância, a fúria ignorava. Silenciara o jazz das noites suaves em que delas geria o fluir e um corpo era ausência.
Não o queria sempre. Que viesse, que fosse, que lhe deixasse tatuado na pele um arrepio louco. Que, após a partida, fosse tempo de anular vestígios, as máculas ansiadas, depois inúteis. Retomaria, então, a ela outra que rejeitava espartilhos.
Nos pés nus sentiu a madeira do soalho _ macia, genuína, indulgente. O contrário da fraga arrogante que acabara de ouvir. Um nada fora o rastilho que fizera arder a pólvora sem fumo. Na partilha do dia quase extinto, descrevera, ligeira, o almoço de trabalho. Por via da mesa conhecer o possível duma alma que o rosto e a fala sempre denunciam. Intrigara-a o pintor. Traço gráfico definido pelo óleo. Explosão de sentidos. Telas com arrojo e falo falado. Curvas e renda, talvez ligas, talvez intrincado labor debruando sutiã ou combinação antiga.
Resistia à crueza do comércio. Teima que encontrara abrigo no Largo do Picadeiro. Estilhaçava a alvura nas paredes do retângulo modesto com o amor/vício pelo sentir. Luzia cor e coragem nas pegadas suspensas. Antes de lhes ceder o branco vertical, carecia de entender quem o pincel manobrava. Quais as partes de enxofre e salitre, a qualidade do carvão mineral que dela e doutros fariam explodir os espíritos. Por isso o almoço. Outro entre muitos que a desviavam da galeria. O Mário como novidade e companhia.
A meio, ele ligara. Pelo relógio, supunha-a absorta na galeria, imersa na luz fria, os troncos despidos e a calçada e o limite de São Carlos como fundo. A porta por moldura. Mas fora ruído que ele ouvira, a voz dela, prática, esquecida da doçura costumada. Vira, sem o ver, brilho cortado em diamante nos olhos, sorriso bailarino nos lábios cheios donde vertia mel que (...)
Nota - Artigo publicado integralmente aqui.
CAFÉ DA MANHÃ
Karin Jurick
Neste mundo caraterizado por guerras imbecis, pela humilhação dos outros, por enganos que de ledos nada têm, por conjugações exploradoras dos cidadãos, das novas que o percorrem à velocidade das luzes, o acontecido quando é já foi – a viagem dos fotões, pelas idas aos longínquos satélites e regresso aos meios divulgadores, não apaga fósforo em menos de um sopro. E se a informação está democratizada, de tamanha ser apetece dispensá-la, alargar as grades que aprisionam múltiplos de gigabits e respirar ideias pessoais.
Ignoro se a algum observador especializado em comportamentos e pensares humanos já ocorreu teoria assim batizada. Todos experimentámos ideias que batem à porta dos meandros cerebrais e não os largam até adquirirem consistência mínima – ‘ponta por onde pegar’, soe dizer. Ora, aconteceu. Nem foi precisado extenso matutar. Questão e resposta simples: omitir crítica azeda e substituí-la por elogio vero do que de bom existe em cada um. Sai valorizado o outro, refreamos instintos primários - de malvadez todos temos um pouco.
Elogio pragmático aliado à tolerância apela ao melhor do que possuímos. Indo do pequeno ao infinitamente grande, se tem êxito nas relações interpessoais, por restritas que sejam, quais as consequências a nível planetário? Pranto dúvidas que o mundo continuasse igual.
CAFÉ DA MANHÃ
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