Jim Warren, Katherine Doyle
"Citando Mia Couto:
Um Dia Isto Tinha Que Acontecer
Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida. Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo. Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.
Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.
Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou. Foi então que os pais ficaram à rasca.
Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.
Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.
São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.
São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!
A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.
Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.
Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.
Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.
Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.
Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.
Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.
Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.
Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?
Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).
Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja! que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como seviu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.
E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!
Novos e velhos, todos estamos à rasca.
Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.
A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la. Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam.
Haverá mais triste prova do nosso falhanço?"
CAFÉ DA MANHÃ
Kenney Mencher, Katherine Doyle, autor que não foi possível identificar
Falava e saía fel. Nem a contento dos pontos de passagem de sólido a líquido, depois nem a vapor condensado através de refrigerante de Liebig a separação das partes da mistura era possível. A mulher pasmava com venenos despropositados. Eram comuns, conquanto o progressivo exacerbar a surpreendesse. Por natureza cordata, almejava, ao ouvir, entender meandros do espírito revelado pela fala. E dava com novelos sem ponta objectiva à vista por rejeitar rótulos imediatistas em precipícios da matriz original que desconhecia. E ouvia. E tentava entender sem o conseguir.
No discurso debitado em catadupa, escasseavam intervalos que do monólogo fizessem partilha de interesses e saberes. E ela tudo sentia com desprazer, pena, o tal sentimento pequeno. Por ser homem de coração bom, tinha provas, lastimava o apertado carreiro seguido quando muito e belo podia trazer aos outros.
A vida consequente e feliz obriga a mais que desgraças importadas dos jornais e telejornais. Requer perguntas ao (in)consciente, saber ouvir e aprender, fornecer borlas de alegria e esperança. Quem nada inquirir sobre si voga em ondas gigantes onde não sabe surfar.
CAFÉ DA MANHÃ
Mestre Real Bordalo, Katherine Doyle
Tem dezoito anos que o alongaram até quase metro e noventa de altura. Esguio, sorriso pronto, nado e criado numa família com desafogo económico. Cumpridos os exames, é candidato à faculdade. Anteontem de manhã, deu-lhe que fazer melhoria da nota através da prova nacional de matemática, segunda fase. À tarde, já ele seguia para férias merecidas pelo empenho no estudo. Antes, aproveitara momentos de descanso para, juntamente com amigos, reunir objectos em desuso ou não imprescindíveis. De madrugada, o encontro. Carregavam sacos e mochilas e ala que tarda escolha do lugar na Feira da Ladra. Fez maquia com a intenção de poupar as finanças da família dos gastos que férias sempre acarretam.
O João e o mesmo grupo de amigos destinaram a última semana de Agosto e a primeira de Setembro à apanha de flores e fruta na Holanda. Objectivo do João: auxiliar na despesa que em casa houve com as explicações de matemática, o seu calcanhar de Aquiles. Tudo ocorrido em ambiente familiar abonado, não sendo único o caso, revela valores sólidos, que em pequenino foi torcido pepino, recusa de construir autonomia baseada nos bens e haveres paternais. Lutar por objectivos com trabalho e suor. E se lá fora são comuns vontades assim, no espírito de gorda fracção dos jovens portugueses ainda reina o laxismo, o vício do encosto à família super-protectora e, por tal, permissiva.
CAFÉ DA MANHÃ
“Do Nilo” chegou o vídeo.
Katherine Doyle
Nova espécie de tsunami, avassaladora como as clássicas, porém isenta de catástrofe consequente, é azul. Na Ibéria de cá, foi o futebol do F.C.P. que o dos demais clubes engoliu; na de lá, o Partido Popular dominou nas várias regiões e deixou Zapatero com o PSOE a carpir.
Não admira tanto azul de lés-a-lés nesta que poderia ser a Jangada de Pedra da Europa: o F.C.P. impôs-se pela qualidade e feitos, o PP espanhol pela esperança dum curandeiro salvador das chagas que atormentam os cidadãos. Aplaudo a decisão do chefe de governo ao não confundir o equivalente às nossas “autárquicas” com “legislativas”. Oposto foi, dez anos atrás, o entendimento de Guterres e nada adveio de bom (ficando, não seria diferente o futuro, mas a destrinça inteligente e coragem política do governante mereceriam louvor).
O movimento espanhol “Democracia Real, já!” testemunha vontade de mudança dos políticos e das políticas. Se começou por jovens – os principais mártires dos 25% de desempregados -, hoje, junta avós e netos, famílias sem interrupção das gerações. Pode discutir-se se existe democracia para a generalidade dos povos que devia servir. Se a «coisa» que dá pelo nome e vigora em muitos partes do mundo, livremente ou à força, merece inclusão no conceito nobre vindo d’antanho. Se o seu abastardamento não é alicerce do estado de corrupção e ruína densa que implode sobre os cidadãos.
A solidariedade e, principalmente, o estado de sofredores por motivos idênticos em França e em Portugal imprimiram dinâmica local à inspiração espanhola. Em Lisboa, começou por quarenta acampados frente ao consulado dos hermanos e já vai em quinhentos. Propõem-se continuar o protesto sereno até às legislativas. Provam que manipular e abusar continuadamente das gentes não é receita que dure sempre. E vêm da riqueza dos nossos adágios confirmações:
- “a mentira tem pernas curtas”;
- “mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo”.
CAFÉ DA MANHÃ
Katherine Doyle
Empurrar para a rua este povo adormecido – objectivo do "Protesto Geração à Rasca". E o povo desabituado de em conjunto, sem patronos sindicais ou políticos, contestar o feito e reclamar gestão eficaz do país para salvaguarda dos direitos de todos, tem hoje a possibilidade de iniciar viragem na história portuguesa. Curiosamente, ou não porque ser jovem obriga a ideais e sonhos a cumprir, é a geração Rasca que, anos passados do rótulo, toma nas mãos ligadas a teclas a responsabilidade de acordar portugueses de todas as faixas etárias da letargia que os tem embalado. Salvé!
Do ser jovem, tempo não muito atrasado, fazia parte “Nuclear? Não, obrigado!” Progredindo a ciência e as vontades, o papão radioactivo controlado(?) pelo homem largou parte do sentido – as carências energéticas devidas ao consumo desenfreado dos combustíveis fósseis, os respectivos custos e a degradação ambiental conduziram ao “Nuclear? Talvez!”
A tragédia sísmica no Japão lembra que a produção de energia com origem radioactiva tem perigos ainda não passíveis de serem eliminados no actual estado dos conhecimentos. Parte dos muros e do tecto da central que explodiu e a cujo tempo de vida útil faltava uma década, conduziu a evacuação num raio de segurança de 10km. Mas ao nuclear haverá alternativa, sendo incipientes as formas de generalizar energias obtidas por outras vias? Ensinamentos outros o mundo teve: técnicas de construção apuradas que resistem às tremuras febris da Terra, abrigos protectores disseminados nas cidades, pedagogia efectiva das atitudes quando o chão é corda bamba.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros