Sexta-feira, 11 de Abril de 2014

‘PEGA-MONSTROS’

  

Mati Klarwein – Barcelo Family(1995)                                                                Mati Klarwein – Schulte Family(1989)

 

Desde que o ‘pega-monstros’ chamado crise nos agarrou, menos divórcios dão entrada nos tribunais e notários. Explicações, muitas. Algumas: se o rendimento mensal de dois não chega para dividir contas, um ainda menos; processos que envolvam advogados e custas estão fora do alcance da vasta maioria das bolsas conjugais; casais/amantes cujo afeto sólido mais ordena reforçam a ligação neste tempo medíocre em benesses - preocupações bastam as bastantes e acrescer outra é como sardinha a mais na carga de quadrúpede asinino. Assim sendo, as conjugalidades vão-se arrastando, ficando, quiçá, fortalecidos elos nos casais, mais pródiga a maré da vontade de solucionar desavenças – se tem que ser, que seja o melhor possível.

 

Talvez finda a saison do fast food, uma sopa bem confecionada alimenta saudavelmente várias bocas e é mais barata, do fast sex, obriga a jantarinhos, copos, preservativos e rendas telefónicas, do fast life, ‘pede agora, paga depois’. Historicamente, em tempos recessivos há evolução social. Que a mais-valia da cola dos sentimentos positivos traga às famílias entendimentos novos e harmonias reais.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:42
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Terça-feira, 1 de Outubro de 2013

MULHERES «RESOLVIDAS»

 

Jan Bollaert - Nostalgic Seduction                                                                                               Jan Bollaert – Tantfiori

 

O mesmo é dito dalguns homens. Todavia, expressão maioritariamente aplicada ao género feminino. De mim, o mesmo foi/é dito.

 

Jamais entendi o significado do adjetivo. Pessoas que o vulgo considera equilibradas? Normais(?) e, por isso, conotadas com banalidade vezes demais infeliz? Emprego estável, acompanhados(as) por parceiros(as) «sacramentados»? Objetivos definidos e perenes na matriz pessoal? Na ausência de companhia quotidiana, assente no sexo e/ou no afeto, estão por «resolver»? Ou, nesta condição, se em paz com o íntimo o sentimento é bovino ou expoente de conquista interior?
_ Não sei, não gosto da ambiguidade do termo, da passividade implícita, não aceito rotular o espírito de cada um.

 

Gentes «resolvidas», curiosas, idealistas e batalhadoras não existem. Humanidade implica evolução. Crescer. Mudar. Ser outro no mesmo à medida das experiências trazidas pelo girar terrestre. Aprendizagem contínua. Filtrar acontecidos e aprender. Sem que se «resolva», mas abra janelas ao advir.

 

Pessoa aliciada pela corda bamba do tempo é, necessariamente, instável? Cata-vento orientado para o lado donde vêm os empurrões atmosféricos? E mesmo que a mudança de opinião ou prioridades ocorra, foi, obrigatoriamente, soprada por vento ou anjo mau?

 

Creio no acreditar da mudança como necessidade. Antes por «resolver» que rotineira irracional. Desminto quem me classifica «resolvida». Evitarei ser tão pouco enquanto sopro exalar dos pulmões.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:29
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Sábado, 20 de Julho de 2013

CHAVE D’OURO (PARTE II)

 

E. Segal - Afternoon Street Café

 

Na continuação do artigo publicado aqui no SPNI, mais algumas expressões cujo significado e origem são descritos nos pacotes de açúcar que publicitam o café Chave D’Ouro.

 

“Ter para os alfinetes”

- Significado: ter dinheiro para viver.

- Origem: em outros tempos os alfinetes eram objetos de adorno das mulheres. Daí que a frase significasse o dinheiro poupado para a sua compra porque os alfinetes eram muito caros.

 

“Engolir sapos”

- Significado: ter de ouvir caldo ou fazer algo contrariado.

- Origem: a invasão de milhares de rãs numa das pragas do Egipto. Os animais não apenas invadíamos ambientes – cozinhas, quartos, casas de banho – como também os pratos dos habitantes do reino. Daí a expressão “engolir sapos”, ou seja, suportar situações desagradáveis sem qualquer manifestação.

 

“Casa da mãe Joana”

- Significado: lugar onde impera a desordem, vale tudo, lugar ode todos podem entrar.

- Origem: Joana era condessa de Provença e rainha de Nápoles (Itália). No séc. XIV, aos 21 anos, regulamentou os bordéis da cidade de Avignon, França, onde vivia refugiada. Uma das normas dizia: “o lugar terá uma porta por onde todos possam entrar”.

 

“Dentada de cão cura-se com pelo do mesmo cão”

 - Significado: conselho em que se propões que se use como remédio/cura o mesmo agente inimigo que nos provocou o mal.

- Origem: tradução de uma expressão inglesa “You may cure the dog’s bite with its fur”. Originalmente, referia-se a um método de tratamento da raiva que se pensava que curava colocando o pelo do cão sobre a ferida.

 

“Uma odisseia!”

- Significado: acontecimentos imprevistos, aventurosos ou de algum modo singulares.

- Origem: tratando a ”Odisse(é)ia de Homero do regresso pleno de percalços e dificuldades de Ulisses à sua terra natal, Ítaca, a expressão anda à volta disso mesmo.

 

“Caiu o Carmo e a Trindade”

- Significado: desgraça, aparato, surpresa, confusão.

- Origem: durante o terramoto de 1755, ouviu-se um enorme estrondo por toda a cidade de Lisboa. Quando os habitantes descobriram qual tinha sido a causa da barulheira, logo disseram “Caiu o Carmo e a Trindade”. Isto é: desabaram os conventos do Carmo e da Trindade.

 

“Muita m****”

- Significado: expressão muito utilizada nos meios artísticos como forma de expressar sucesso e felicidade a um colega.

- Origem: nos séculos XVI e XVII, a maioria dos frequentadores de espetáculos pertencia a uma classe social que se deslocava em carruagens puxadas por cavalos. Quanto maior era a assistência, mais carruagens circulariam na rua do teatro, gerando assim uma maior quantidade de excrementos de animal nas ruas.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

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Domingo, 28 de Abril de 2013

O ACORDAR DO PLÁTANO

 

 

 

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

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Segunda-feira, 9 de Janeiro de 2012

‘PEGA-MONSTROS’

Mati Klarwein

 

Desde que o ‘pega-monstros’ chamado crise nos afundou, menos divórcios dão entrada nos tribunais e notários. Explicações, muitas. Algumas: se o rendimento mensal de dois não chega para dividir contas, um ainda menos; processos que envolvam advogados e custas estão fora do alcance da vasta maioria das bolsas conjugais; casais/amantes cujo afecto sólido mais ordena reforçam a ligação neste tempo medíocre em benesses; preocupações bastam as bastantes e acrescer outra é como sardinha a mais na carga de quadrúpede asinino. Assim sendo, as conjugalidades vão-se arrastando, ficando, quiçá, fortalecidos elos nos casais, mais pródiga a maré da vontade de solucionar desavenças – se tem que ser, que seja o melhor possível.

 

Parece terminada a saison do fast food, uma sopa bem confeccionada alimenta saudavelmente várias bocas e é mais barata, fast sex, obriga a jantarinhos, copos, preservativos e rendas telefónicas, do fast life, ‘pede agora, paga depois’. Historicamente, em tempos recessivos há evolução social. Que a mais-valia da cola dos sentimentos positivos traga às famílias entendimentos novos e harmonia real.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:56
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Quinta-feira, 22 de Setembro de 2011

ABRIR PORTAS DO CÉU

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Autor que não foi possível identificar

 

Numa unidade de saúde, Centro de Recolhimento recatado. De segunda a sexta, pelas cinco da tarde, missa para utentes e visitantes. Acompanhei quem ali me levou e o embate com os crentes da unidade de cuidados continuados, muitos em cadeiras de rodas perfiladas frente ao altar, não me foi estranho – a doença e o fim da vida são chegados inopinadamente, julgando todos que estamos neste mundo para “lavar e durar”. Daí a convicção de fruir de cada dia como se fora o último e novo são amanhecer apenas possibilidade. Este modo de encarar o precário traz benefícios ímpares: abertos os olhos para a manhã começada, é tempo de alegria, ronceira antes do ‘café das velhas’ mas alegria ainda assim, que favorece planos amistosos e preciosos, concretizá-los, gozar das pequenas/grandes coisas o melhor.

 

Alto, esguio, sem a clássica voz de seminário, o sacerdote pediu desculpa pelos minutos de atraso. Enquanto duravam, vozes ensaiavam os cânticos, a Doutora Teresa, utente do centro gozando oitenta e seis anos pujantes que somente a visão afecta, dispôs sobre a toalha alva os livros santos abertos nas páginas das leituras, acendeu vela/símbolo de fé, cuidava de estar pronto o necessário. Já paramentado, feita a saudação aos fiéis, vozes suaves cantaram louvores pelo dom do momento. O ritual litúrgico prosseguiu como é comum. Não. Mais intenso – crença espiritual vívida dos presentes, tocante para quem assistia pela primeira vez no contexto. Ao devido tempo, atribuída a extrema-unção a três dos presentes, dois deles idosos com respiração esforçada, outro, uma senhora alta na idade meia da vida previsível estatisticamente. Vestia tons claros que favoreciam a jovialidade da aparência; acompanhavam-na marido e filha atentos. Jamais tendo assistido à «ministração» do sacramento, salvo na agonia da morte e no estado de quase inconsciência, foi tumultuoso o sentir. Ver pessoas a entenderem o instante da bênção para o final sem um gesto de desalento ou lágrima caída na face constituiu sinal de preparação prévia e rebate que todos precisamos para colocar o ocioso das horas em esconso remoto.

 

Mais aprendi: actualmente, a extrema-unção é prestada enquanto a capacidade de escolha individual existe, arredando familiares ou acompanhantes de decidir o que bem pode ser oposto às convicções do enfermo. Abrir portas do Céu a quem nele não acredita é violar o livre arbítrio pertença dos humanos.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:41
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Segunda-feira, 5 de Setembro de 2011

DO ‘MUCHATA’ E DOUTRA RIBEIRA

Autor que não foi possível identifficar

 

Na escola primária de granito com recreio amplo em terra batida, decorriam brincadeiras que ainda hoje as crianças têm. Cansada das comuns, a menina que seria minha tia e freira resolve brincar às missas. Meninas de joelhos, pés tapados com lenços como viam às mulheres que, pela ajuda das saias compridas, na igreja faziam o mesmo. A tia atamancou um dos sermões do tio-avô padre António da Ordem do Espírito Santo que fez de África o seu amor. Levantados os braços, disse com pompa na voz e na postura:

_ “Escavai bem escavadinho e encontrareis gotinhas de água.”

Reclamando os ouvintes por ali dela não haver vestígio, foi transferido o sermão para a ribeira da Ponte onde água não faltava. Consta terem chegado a casa encharcados os petizes. 

 

No outro lado da aldeia, a ribeira do Muchata era tentadora: margens livres e planas, ervadas, algumas rochas pelo meio da correnteza mansa a pedirem saltos para a água. As mulheres do lugar lavavam roupa, estendiam-na e deitavam olho à pequenada que por ali cabriolava. A futura senhora minha mãe era terrível pela ousadia nas brincadeiras. Provas várias deu para inquietação dos pais e de quem dela se encarregava; amainaria na adolescência ao ter-se por menina/senhora. Entre as traquinices é contada a de fazer escorrega dum penedo alisado pela erosão e que à água da ribeira determinava remoinho. Supunha, como de costume, ser capaz de parar a tempo, repetir subidas e descidas vezes a fio sem molhar as extremidades das sandálias. Num impulso mais arrojado, estatelou-se na água. Quem dela tomava conta, numa corrida foi a casa avisar a mãe, a doce avó ‘Mamia’. Não só proibiu muda de roupa que à filha cobrisse, como, sem delegar em ninguém a tarefa, foi buscar a infractora. Num canto, amarfanhada pelo medo e frio, a garota esperava. Firme, a mãe fê-la atravessar o povoado, humilhantemente embrulhada em toalha que nos arbustos secava. Os anais familiares garantem não ter repetido a graça.

 

O sol e o degelo e o despontar dos verdes anunciavam, breve, a Primavera. Na varanda com sacada de ferro torcido em curvas caprichosas, entretinham-se as duas irmãs. A mais velha, um mês faltava para chegar a dois anos a diferença na idade, na sua pequenez cantava enquanto a irmã fingia tocar:

_ “Toca a «coneta» nossa menina!”

A ‘tia Amélia’ à janela, habitual posto de vigia, conquanto se afirmasse eternamente amiga da família, não conteve o sangue venenoso:

_ “Olha o padre-nosso e a avé-maria que a mãe lhes «enxina» de «noute»!

Noutras vezes, e porque tinha pouco apetite, a mesma das manas refugiava-se em casa da tia Amélia que cozinhava na lareira o pouco de que dispunha; os filhos comiam sentados no chão em paródia desmedida. Ali, a garota não escusava alimento fosse ele qual fosse, quantas vezes enviado pela mãe para matar a fome da filharada em frente. Feliz por ver a petiza alimentar-se com gosto, assomou ao balcão:

_ “Ó senhora dona Belmira, venha cá ver a sua filha comer como uma «marraninha»!”

Certo é ter conhecido sempre encurvada e idosa a senhora Amélia. O tempo suavizar-lhe-ia defeitos e acrescido benevolência.

 

Ainda sobre a futura senhora minha mãe. Destemida, brincava com meninos e meninas, mais cobiçando carrinhos que as bonecas do quarto. Ao Armando da comadre Maria aprazia provocá-la:

_ “Não te chegues que és menina de mimo!”

Resposta pronta:

_ “Serei, mas aposto que não sabes dançar a «marcoliana» como danço com o meu pai.”

E se a dançava bem! O pai tentava segurá-la para conversa e possível castigo, enquanto a pequenota rodopiava como enguia em redor dele.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:58
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Domingo, 3 de Abril de 2011

DE NÓS PARA TODOS

 

Haviam sido aroma distante. Quando a glicínia surgiu como Norte de bússola, mais enrodilhou emoções como, dela, os troncos enlaçados no ferro/grade. Espessos pelos anos, corredores de seiva nunca perdida, os cachos lilás pendiam impressivos. Majestosos. Impossível arredar os olhos do verde novo que luzia cerca deles e os protegiam de ventos contrários ao crescer do momento. Do alto, folhagens ciciavam brisas que os sentidos davam conta e, sem o mostrarem, ondulavam com elas.

 

 

Os rebentos brotados dos troncos ainda por encascar condiziam com falas novas e de sempre quando o sentir é lume. O dia meado, soalheiro, tudo via e ouvia sem pestanejar nuvem que fosse como cúmplice astral.

 

 

Frente ao pavilhão dito chinês cujas portas escancara mais adiante nos meses, balaustrada em pedra esculpida, recanto atapetado por cerâmica, vergas que pedem assento. Quem julga apenas atravessá-lo, a sedução do lugar pede intimidade, exaltação no florir de sentimentos.

 

 

Esculturas/ícones acompanham escadaria simétrica da primeira. E do pensar surgem as palavras do ‘comboio descendente’ do Zeca Afonso sendo que quem as pisava nem vinha de Queluz nem rumava à Cruz-Quebrada, conquanto não importasse avançar de Palmela a Portimão. Desejo que a fala omitiu.  

 

 

No palácio, os frescos, os dourados, pastéis nas cores, o luxo do restauro, as mil luzes redobradas por espelhos e salas muitas em corredor romântico. Destoam os reposteiros que desvendam gloriosas portas-janelas – organzas medíocres, em vez de brocados ou veludos ou cetins. Sem detença, os olhos avançaram.   

  

 

O labor do ferro forjado em mostra trabalhada de acordo com o uso do tempo é portão. Por ele saíram corpos enlaçados sem mãos que pela mútua força nos dedos apertassem o que já dilatava emoções nas veias e artérias latejantes. Último olhar para o frontispício talvez em lioz talhado em rosas que são e colunatas que não.

 

 

Mais lioz, amores-perfeitos cor-de-fogo, de chama que também, assim as almas o queiram e queriam, incandescem fala e sentires. O exterior das cavalariças, pertença do palácio no lado fronteiro ao portão, oculta do século dezanove azulejos e madeiras nobres, clarabóias e jardins. Subindo a escada de caracol vedada a curiosos, Lisboa e rio e outra banda. Deslizando para dormida o sol no horizonte, que imagem, que pintura, que memórias!…

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:43
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Terça-feira, 1 de Março de 2011

CINCO CARREGOS IMPLÍCITOS

Ben Long, Boris Vallejo

 

Pediu-lhe ajuda nas compras semanais. Por resposta escusa frívola. Foi sozinha, como tantas vezes outras. Demais. Encheu o rodas até transbordar. Cinco carregos implícitos: da prateleira para o carrinho, deste para o tapete da caixa, depois para o automóvel, para o elevador, após, do hall comum para casa. Ele não estava.

 

Pela sobrecarga, sentiu dor no pulso direito, ombro acima em rota descendente - era dextra abusadora da condição. Arrastou os sacos para a cozinha, fechou a porta da entrada e, como se fosse dia sétimo, descansou instantes. Enquanto bebericava chá verde e frio sentada em frente da janela ampla que emoldurava colina sem construção, sentiu-se menor. Meditou nas razões: à custa de paz falsa, suportava em silêncio a revolta pelo carinho medíocre, ausência de partilha das emoções, por lhe caberem tarefas pesadas e solitárias que deviam ser comuns, pelo sexo e rotina pobres. Raras vezes verbalizados os factos por conduzirem a diálogos estéreis quea fatigavam. Sem coragem para confrontamentos decisivos que perigrassem a alternativa da conjugalidade obtida – outras diriam mais-valia  no tempo de ‘homem a tiracolo’ para mulher ser -, desiludida pelos antecedentes de ‘cama, sim, compromissos, nunca’, submetera-se. Reconhecia o erro seu. Vivia a conformação.

 

Ele fora paixão. No presente, amor e amante vago. Deu por si desinstalada num relacionamento com alicerces de junco. Ela tão frágil como eles. Deixou os sacos cheios pejando meia cozinha. Bateu com força a porta. Saiu.

 

Faria insistentes pedidos de «volta-atrás». Ela que não. Regressou, com pré-aviso, para retirar pertences. Não lhe fizeram mossa as tentativas dele conciliar o impossível: a necessidade confortável que para o homem era, a consciência do mais querer bem cheia no peito dela. Caminho solitário? _ Talvez. Sexo de ocasião ditado pelo apetite? _ Sim. Noites desempecilhadas na cama exclusiva? _ Venham muitas! Preferíveis a amores de faz-de-conta afastados do âmago da mulher.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

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Domingo, 19 de Setembro de 2010

NA DESPENSA OU NA COPA

Autor que não foi possível identificar, Myra Schuetter

 

Sem esconder fantasia/cobiça, quem dera ser herdada por emigrante brasileiro dos fins do IXX ou início dos XX. Conta bancária em maré alta não motiva a fantasia – antes desta enésima descendente muitos a teriam repartido e partido e feito em nada. Diz a sabedoria popular que não necessita de ser letrada para dizeres assisados: “a primeira geração constrói, a segunda consolida, a terceira arruína”. Circulando a atenção nas empresas familiares é comum a trindade de etapas. Como moeda caída na areia, desaparece o bem construído pelo ouro acumulado que predispõe os herdeiros segundos para vida de facilidade.

 

Os emigrantes portugueses que no século e pouco anterior debandaram para o Brasil fugiam da condição campesina ou artesanal que miseravelmente e a custo alimentava a família. Gente do Norte e Centro interior aventurou bilhete para a esperança. Cruzar o Atlântico na situação de pobres embalados por ondas. Pelo sacrifício pessoal, alguns deram em ricos. Destes, poucos voltaram e construíram casas exuberantes, orgulhosamente distintas do ambiente rural que vira partir os donos.

 

As Casas dos Brasileiros que desde as férias da infância me alimentam o imaginário, pela majestade e profusão ornamental foram ridicularizadas: exibição de poderes e haveres por pessoas sem instrução e gosto. Mas continuam como soberbos testemunhos dum tempo e apelam a quem nelas deseje atentar. Foram integradas no ‘património qualificado’ Anteciparam tendência actual da arquitectura: arte nómada. Duma delas gostaria de ter herdado, pelo menos, lugar na despensa ou na copa e perder-me dentro e fora.

 

CAFÉ DA MANHÃ

  

publicado por Maria Brojo às 10:46
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Terça-feira, 16 de Março de 2010

O VERNIZ PRETO DE UMA SANDÁLIA

 

 Michael Mobius


"Sabia a roupa e compusera o traje, o verniz preto de uma sandália, o branco transparente de um tecido. Na altura, fábricas de capa e paisagens de disco cresciam abruptas na janela metálica dos comboios. Mesmo se trauteasse as letras, seria nas placas anónimas que descobria a luz. Freguesias íngremes eram destinos de quase pobres, e nos centros humildes maquinavam-se conjuras de sonho com rio em fundo. Escolhera aquelas cores como se fosse fé, mas no couro macio das pulseiras residia um lado nédio de abastada falha. Estancos e comércios de vidro e folha, até num aroma de clandestino vício, um redondo de sebe em tremura de apenas quase. A parede e as letras, agora outras, quadras jorrando numa água fria de poço. Um voo e um caminho estreito em bosque, cancelas e casas de cenário ou seu inverso, a lenta fila parada na espera de uma luz. Era madrugada mas o frio não se colava em ferida, apenas o rebuço e um de despojo na manhã da rotina que deixara então. Ouvia em cada esquina um esquiço de fado, mas era norte e não tocava a linha. Olhava numa melancolia estranha a catedral que conduzia além, vultos azuis numa risca rubra. Colava e recortava e suas fadas eram apenas isso, desenhos impotentes de vara em riste. Numa mulher um cinto, noutra a sombra que lhe tapava a face. De costas, tão nua na sua voz de areia, o azul na pele dos olhos brilhando não lado lascivo da saudade." 

 
Nota -  para o SPNI, Fernando York. Katie Melua neste vídeo foi sugestão que também lhe devo.


CAFÉ DA MANHÃ

 

Da querida Isa, magnífica fotografia e texto, “Tango à Chuva”, aqui.

 

 

publicado por Maria Brojo às 06:58
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