Kenney Mencher
“Ex.mos Senhores José Manuel Silva Rodrigues, Fernando Jorge Moreira da Silva, Maria Isabel Antunes, Joaquim José Zeferino e Maria Adelina Rocha,
Chamo-me Marisa Sofia Duarte Moura e sou a contribuinte nº 215860101 da República Portuguesa.
Venho, por este meio, colocar a cada um de vós algumas perguntas:
_ Sabia que o aumento do seu vencimento e dos seus colegas, num total extra de 32 mil euros, fixado pela comissão de vencimentos numa altura em que a empresa apresenta prejuízos de 42,3 milhões e um buraco de 776,6 milhões de euros, representa um crime previsto na lei sob a figura de gestão danosa?
_ Terá o senhor(a) a mínima noção de que há mais de 600 mil pessoas desempregadas em Portugal neste momento por causa de gente como o senhor(a) que, sem qualquer moral, se pavoneia num dos automóveis de luxo que neste momento custam 4.500 euros por mês a todos os contribuintes?
A dívida do país está acima dos 150 mil milhões de euros, o que significa que eu estou endividada em 15 mil euros. Paguei em impostos no ano passado 10 mil euros. Não chega nem para a minha parte da dívida colectiva. É com pessoas como o senhor(a) a esbanjar desta forma o meu dinheiro, os impostos dos contribuintes não vão chegar nunca para pagar o que realmente devem pagar: o bem-estar coletivo.
A sua cara está publicada no site da empresa. Todos os portugueses sabem, portanto, quem é. Hoje, quando parar num semáforo vermelho, conseguirá enfrentar o olhar do condutor ao lado estando o senhor(a) ao volante de uma viatura paga com dinheiro que a sua empresa não tem e que é paga às custas da fome de milhares de pessoas, velhos, adultos, jovens e crianças?
Para o senhor auferir do seu vencimento, agora aumentado ilegalmente, e demais regalias, há 900 mil pessoas a trabalhar (inclusive em empresas estatais como a "sua") sem sequer terem direito a baixa se ficarem doentes, porque trabalham a recibos verdes.
_ Alguma vez pensou nisso?
_ Acha genuinamente que o trabalho que desempenha tem de ser excessivamente remunerado ao ponto de se sobrepor às mais elementares necessidades de outros seres humanos?
Despeço-me sem grande consideração, mas com alguma pena da sua pessoa e com esperança que consiga reativar alguns genes da espécie humana que terá, com certeza, perdido algures no decorrer da sua vida.”
Marisa Moura
CAFÉ DA MANHÃ
Kenney Mencher
Pergunta: “Alguém que me diga o significado de «boa pessoa»"? Aventuro explicação.
A crueza quotidiana não é de hoje - assim foi, assim será. No decante, ao passado atribuímos feitiços vários, rodeamos de confettis idos sem regresso que emolduramos à subjetiva medida do querer. Confundimos fatos com desejos de ter sido. Que não foram. Ou foram e a consciência rejeita. Fábricas de recordações ao serviço do alter-ego. O «eu-projeto» a quem toda a confiança é devida. Sem, in factum, a merecer.
Por que melindres com o próprio tornam argiloso o solo onde se fincam alicerces individuais, preferimos fabular o atrás acontecido. Isto digo nada percebendo da anatomia do todo que a pessoa é. Descaro de viciada em especulação científica e do mais que pouco conhece, sem desistir do empírico entendimento de si e do cumprido tempo em que foi, ainda sendo.
Algumas das ditas “boas pessoas” merecem despiciendo petit-non: «totós». «Anjinhos» - aturam, engolem e digerem quase tudo. São as double B: «Boas-Bocas». Na gastronomia das relações raramente acusam alergia a um alimento ou o culpam de azia. Da cebola e dos alhos queimados num estrugido não reclamam; podem comentar que já resultou melhor, mas afirmá-lo péssimo seria tortura maior do que engolir e calar. E calam no estrugido, nas malfeitorias que testemunham ou de que são vítimas. Pois se atingem o ponto de bater no peito uma, duas, três vezes, a cabeça baixando num mea culpa contrito somente por existirem... E ressentimentos, acumulam? Poucas não, muitas sim. Porque cederam. Porque abdicaram de si e o aparentemente engolido ficou atravessado no gasganete. Como espinha de sável mal cortado e pior frito. Aos que encaixam no retrato abrange-os termo simples: pusilânimes.
“Pessoa boa” é quem ao tempo em que é traz acrescento – pela tolerância crítica, pelo diálogo com o mundo (bem pode ser o que avista da sacada e não vai além da esquina da rua), pela generosidade, abnegação se a bondade dos valores ou ideais constantes do privado rol de prioridades exige. E dão o corpo, a alma e a camisa por causas eticamente consentâneas com a família, o respeito pelos outros e por si próprios, a solidariedade com o planeta e com quem, racional ou irracional, nele mora. As "pessoas boas", como as entendo, existem. E rodeiam-nos muitas. Nesta planura redonda, um exército de bondade faz a diferença que a esperança exige. Acredito.
Nota: publicado ontem no "Escrever é Triste".
CAFÉ DA MANHÃ
Kenney Mencher
- “Qual a diferença entre língua e linguagem?
- "Língua é o que fica na boca e linguagem é o que sai da boca". (Através da Dobra do Grito e ocorrido em ambiente de aula)
CAFÉ DA MANHÃ
Kenney Mencher, Katherine Doyle, autor que não foi possível identificar
Falava e saía fel. Nem a contento dos pontos de passagem de sólido a líquido, depois nem a vapor condensado através de refrigerante de Liebig a separação das partes da mistura era possível. A mulher pasmava com venenos despropositados. Eram comuns, conquanto o progressivo exacerbar a surpreendesse. Por natureza cordata, almejava, ao ouvir, entender meandros do espírito revelado pela fala. E dava com novelos sem ponta objectiva à vista por rejeitar rótulos imediatistas em precipícios da matriz original que desconhecia. E ouvia. E tentava entender sem o conseguir.
No discurso debitado em catadupa, escasseavam intervalos que do monólogo fizessem partilha de interesses e saberes. E ela tudo sentia com desprazer, pena, o tal sentimento pequeno. Por ser homem de coração bom, tinha provas, lastimava o apertado carreiro seguido quando muito e belo podia trazer aos outros.
A vida consequente e feliz obriga a mais que desgraças importadas dos jornais e telejornais. Requer perguntas ao (in)consciente, saber ouvir e aprender, fornecer borlas de alegria e esperança. Quem nada inquirir sobre si voga em ondas gigantes onde não sabe surfar.
CAFÉ DA MANHÃ
Mary K Wood, Kenney Mencher
Local - supermercado de bairro.
Protagonistas - a Macy, o dono do supermercado, a cigana, a mulher nervosa.
Na caixa junto à porta, a Macy queixava-se do frio. «Encamisolada» até mais não poder. Rosto franzido. Contrariado. De resto, é quase sempre assim independentemente da estação do ano. Chama “meu amorrr” às clientes. É brasileira com anos de Portugal. Cinco, enumero. Dos anteriores nada sei. Dedos ágeis fazem sair, num ápice, a conta/paga. Rabuja, mas enfia à medida que tecla os adquiridos num saco. Encara as filas de clientes como prova de mau gosto pela hora escolhida.
Cenário restante – expositores, congelados no frio em arca vertical com a porta transparente para estimular apetite. Rondam-nas compradores. O dono, mal-encarado, vigia funcionárias e quem se apresenta disponível para encher o fundo do saco de plástico num irritante amarelo. Etnias misturadas atraem no lugar.
De novo, a caixa registadora. A cigana substituía a Macy no gesto «enche-saco». Totalizada a conta, sopesa conteúdo e euros. Da bonomia faz uso: _ “Esta é a casa da desgracia”. E gargalha enquanto o diz. A “senhora dona” atrás e à minha frente resolve também ensacar. Chegado o momento de abrir o porta-moedas, fosse pelo nervosismo acidental ou costumado, derrama no chão as moedas. Ninguém da fila se mexe, salvo eu. De cócoras, cato as que vislumbro e entrego-as à dona. Deparo-me com ela ao alto, esperando a minha recolha. No gesto da devolução, ouço:
_ Nem valia a pena. Acordei a saber que iria perder dinheiro.
_ Mas não perdeu. Julgo estarem aí todas.
A Macy concordou. Os da fila também. Continua a senhora dona crente em predestinações:
_ Não! Que perderia dinheiro sabia desde manhã.
E saiu cabisbaixa sem palavra mais ou olhar para trás.
CAFÉ DA MANHÃ
Kenney Mencher
- “A única mulher que sabe sempre onde está o marido é a viúva.”
- “Do que precisa uma mulher? De um homem que o seja de tal modo que prove nem todos os homens serem iguais.”
Exemplar dupla de dichotes propalados aos ventos sete entre mulheres. Ora, se tempo houve em que a generalidade das mulheres eram subservientes dos respectivos, mudando vontades e o tempo, daquela espécie existem a cada dia menos - a fábrica que as produziu está em bancarrota e apenas dispõe em stock moldes velhos. Ainda assim, por dependência, medo ou pela esperança de regeneração de companheiros violentos, persistem agressões domésticas de que elas são as principais vítimas, conquanto todo o núcleo familiar sofra. É o lado monstruoso do ser humano a vir à tona. A destemperança extremada. O desequilíbrio da «psi» levado a consequências últimas – a morte da mulher ou a sua ruptura mental e física. Depois, nas horas que correm, tanto pode um homem e uma mulher pararem em lugar incerto, enquanto o outro julga o trabalho ou o cabeleireiro razões de ausência. Casais que talvez no circo de enganos encontrem bem-estar. A cada par suas idiossincrasias.
O segundo dito tresanda a feminismo serôdio, como se os desiludidos radicais não julgassem o gineceu todo idêntico, exceptuando a mãe. Qualquer homem ou mulher, havendo amor gratificante, cumplicidade e espírito solidário que afecto intenso traz por arrasto, considera especial a(o) companheiro. Daqui, a mencionada precisão afectiva duma mulher ser, em muito, análoga no masculino. Também nestes particulares há convergência nos géneros. Mas benditas sejam as diferenças que os genes comportam e enriquecem a diversidade dos humanos!
CAFÉ DA MANHÃ
Sugestão de Acuçar C.
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros