Carybé, ilustrador brasileiro
Houve tempo em que todas as noites desenhava ilustrações da história que engendrava para a hora da deita da pequenada. Contar o conto enquanto dava uso aos lápis de cor ou de pastel era hábito do qual nem adultos nem crianças permitiam falta. Amontoados maços de papel cavalinho com desenhos e o título do conto em lugar cimeiro. Em serões menos inspirados, relatava fábulas de La Fontaine e outras conhecidas por via de herança oral: como as raposas dizimavam as capoeiras das tias-avós solteiras na “Casa do Prado”, como os lobos uivavam ao redor dos pastores e seus rebanhos até o cão Serra da Estrela aparecer como salvador dos animais em pernoita nos cumes.
Numa das noites em que a minha fantasia dera ‘às de Vila-Diogo’, expressão raiana usada nos sopés da Estrela bastas vezes, socorri-me do conto que Jorge Amado escrevera em Paris no ano de 1948 como presente no primeiro ano de vida do filho primogénito. Quando o texto reapareceu em 1976, o artista plástico Carybé decidiu ilustra-lo e o autor publicou o conto de amor feito e de amor contado. Uma fábula enquanto metáfora social enredada num parque - lugar confinado - onde animais são atores e cada um solta a voz na narrativa sussurrada pelo “Vento”. Segundo este, o “Tempo” prometera a “Manhã” uma rosa azul se a história que ela lhe contasse fosse boa. E foi. E o “Tempo” passou a ser determinante nesta história de amor impossível entre o “Gato Malhado” e a “Andorinha Sinhá” – um mamífero e uma ave, um vagabundo temido por todos e uma ‘flor de estufa’ da alta sociedade.
As estações do ano regulam os sentimentos dos protagonistas. Na primavera, o Gato e a Andorinha conhecem-se. No verão, o Gato apercebe-se que está apaixonado pela Andorinha e fica com ciúmes por ela sair com o Rouxinol, seu mestre de música. No outono, o Gato sofre pela fama de mau, rabugento, perigoso, temido. De nada servia como reabilitação perante os outros animais a escrita de poemas apaixonados para a andorinha amada. O inverno é a tristeza pela separação dos amantes.
“O mundo só vai prestar
Para nele se viver
No dia em que a gente ver
Um maltês casar
Com uma alegre andorinha
Saindo os dois a voar
O noivo e sua noivinha
Dom Gato e Dona Andorinha”
Por que me lembrei da história de “O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá” contada por mim em família há anos e mais anos em cima? _ Na busca de memórias em fotografias, dei com uma captada num restaurante do Parque Mayer em que figuro belissimamente acompanhada: Zélia Gatai e Jorge Amado. Recordo (…)
Nota – Texto publicado hoje aqui.
CAFÉ DA MANHÃ
Blake Flynn, Greg Horn
Lia desde os cinco. Antes, com ajuda do avô e do pai, juntara letras para satisfazer a necessidade louca de descobrir o sentido daqueles desenhos impressos a negro que contavam histórias lidas pela mãe ao adormecer. Satisfeito o sono, pulava para a cama onde a esperava o colo materno; continuava a ouvir o que a noite interrompera. Devorou a ‘Formiguinha’ antes da entrada na primária. Talvez pela condição de filha única, além dos amigos reais, privilegiava os imaginários, dela em lugar primeiro, dos Grimm e de La Fontaine. Da Comtesse de Ségur, da Louisa Alcott, mais tarde. Da Odette de Saint-Maurice cujas estórias ouvia nos sábados da rádio sob o formato de episódios. Desenhava as cenas, treinava a figura humana. Fez do carvão um amigo – os lápis de cor pouco lhe diziam. Blocos de ‘papel cavalinho’ gastos em menos do soprar de um fósforo. E os pais, compreensivos e atentos, reabasteciam-na dos instrumentos/brinquedos. E pensavam a filha como menina-prodígio pela celeridade das aprendizagens e múltiplos interesses. A verdade desmentia – tão somente criança só buscando na fantasia irmãos que não tinha.
Um dia, desprezando a conversa das cegonhas, da mãe quis saber se nela existia a vontade de ter um bebé. Que sim, que tinha, que se veria. E tinha, mas não chegou. Até hoje, o porquê não foi explicitado e vivem ambas a não-pergunta, a não-resposta. Fosse noite de estio que pede liberdade fora de paredes e nenhuma das lembranças acima ocorreriam. Mas é serão dum Dezembro morno acolhido em alma fervente a propiciar revisitação de idos, enquanto lãs e enfeites desenham motivos outros.
CAFÉ DA MANHÃ
Frank La Torre e Rafhael Ray
Fábula de La Fontaine revisitada. Fosse assim tão despachada a justiça em Portugal, e não seria a chaga que tantos faz penar.
"Decidi sair do trabalho mais cedo e ir jogar golfe. Quando escolhia o taco, notei que havia uma rã perto. Disse a rã:
_'Croc-croc! Taco de ferro, número nove.
Achei graça e resolvi provar que a rã errava. Peguei no taco sugerido e bati. Surpresa: a bola parou a um metro do buraco!
_ Uau! - gritei, virando-me para a rã.
_ Será que és a rã da sorte?
Resolvi levá-la comigo até o buraco.
_O que achas, rã da sorte?
_ Croc-croc! Taco de madeira, número três.
Utilizei o taco 3 e bati. Bum! Directo no buraco. Dali em diante, acertei todas as tacadas e fiz a maior pontuação da minha vida.
Levei a rã pra casa. No caminho, falou:
- Croc-croc! Las Vegas.
Mudei o caminho e fui directo para o aeroporto. Nem avisei a família.
Chegado a Las Vegas, disse a rã:
_ Croc-croc! Casino, roleta.
Sugeriu:
_ Croc-croc! 10 mil dólares, preto 21, três vezes seguidas.
A aposta era loucura, mas não hesitei. A rã conseguira a minha credibilidade.
Coloquei todas as fichas. Ganhei milhões. Peguei na «massa» e fui para a recepção do hotel. Exigi suite imperial. Tirei a rã do bolso, coloquei-a sobre os lençóis de cetim e disse:
_ Rãzinha querida! Não sei como pagar-te tantos favores. A minha gratidão é eterna.
Replicou:
_ Croc-croc! Beija-me na boca.
Tive nojo, mas fui coerente. No momento em que a beijei, transformou-se numa linda «barbarella» de 17 anos, nua, sentada sobre mim. Empurrou-me, devagarinho, para a banheira de espuma.
Houve denúncia, o caso chegou à Comissão de Ética e fui processado. Aleguei:
_ Juro por Deus que foi assim que consegui a minha fortuna. A menina, simplesmente, apareceu no meu quarto. -
Não só o Presidente da Comissão de Ética acreditou, como todos os membros do Tribunal. Fui absolvido.”
Nota - versão adaptada de um texto enviado pelo caríssimo António Eça de Queiroz.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros