Leszek Sokol
Valter Hugo Mãe, Joel Neto, Manuela Costa Ribeiro e o ilustrador Paulo Sérgio Beju, participaram em 2012 no II Festival Literário da Madeira. Um dos temas em debate foi "Éramos piegas e não sabíamos - Como a lamechice pode mudar a nossa vida." Segundo o concluído, os portugueses são todos profundamente piegas. Recentemente, o mesmo ouvimos do governante maior. Sucedeu após, escândalo justo e coletivo dos cidadãos que dos bolsos rotos e do desemprego se queixam. Piegas, nós?
Valter Hugo Mãe iniciou as «hostilidades»: "Eu já sabia que era piegas para aí desde os três anos. E para exemplificar a sua pieguice, contou, em seguida, que atingiu em dezembro último um ponto de exaustão tal que mesmo as coisas que em circunstâncias normais lhe fariam bem lhe faziam mal, que se recolheu em casa, pensando que podia ver um bocadinho de televisão, que o distrairia. Enquanto fazia 'zapping', encontrou uma telenovela com uma mãe e um filho "que era um estafermo", e a relação entre os dois comoveu-o tanto que, nos dias seguintes, deu por ele a pensar que talvez fosse a hora daquela telenovela e, muitas vezes, era. E sempre que viu aquelas personagens, chorou.”
Joel Neto comentou: “Eu não sei bem o que é ser piegas, confesso. A Adília Lopes tem um verso que diz: ‘Eu sou sensível, não sou piegas'. Para perceber melhor o conceito, consultou o dicionário, onde se lia que piegas é "aquele que se preocupa com coisas comezinhas, sem importância", e concluiu: "Nesse caso, então, sou absolutamente piegas, porque prefiro emoções exacerbadas a nenhuma emoção.”
Já Manuela Costa Ribeiro iniciou a sua participação dizendo: "É uma alegria comovente estar aqui". Confirmada a sua pieguice, avançou por tema que me é caro: estados de espírito indicados para determinadas leituras, da leitura certa no momento certo. Referiu o cuidado que preserva na escolha dum livro depois de ler qualquer um da Hélia Correia. Ora o mesmo acontece comigo: fico em pousio até diluir/digerir as palavras sábias da escritora referida. Com “o Vento Assobiando nas Gruas” da Lídia Jorge, o mesmo. A propósito de pieguice e lamechice, citou "Todas as Cartas de Amor são Ridículas", de Álvaro de Campos, sugerindo o exercício de se substituir "cartas de amor" por "portugueses de hoje" e depois "cartas de amor" por "governantes de hoje". "E se, em vez de ridículos, dissermos 'piegas', deixa de ser esdrúxulo e passa a ser grave". Pelo noticiado, o público riu e aplaudiu. E não aplaudiríamos todos?
Paulo Sérgio Beju apresentou-se: "Não sou escritor, sou ilustrador, ilustra-dor, aquele que ilustra a dor" e avisou comunicar por imagens, que foi comentando. Mostrou alguns dos seus trabalhos, entre os quais a porta de um bordel que pintou numa rua do Funchal, com um céu azul e algumas nuvens e, a vermelho, a palavra "Encantos" e que já não existe assim - foi pintada de preto, ele não sabe porquê -, falou do amor, leu excertos de um texto de Yvette K. Centeno em que um homem e uma mulher dialogam, e confessou-se um romântico e, claro está, piegas.”
Sejamos, então, dignamente piegas.
Nota: informação retirada daqui.
CAFÉ DA MANHÃ
Leszek Sokol
“A única maneira de se suportar a existência consiste em deixar-se arrebatar pela leitura como se numa orgia perpétua”. Frase de Flaubert numa carta enviada a Mario Vargas Llosa que nela se inspiraria para dar título ao seu livro sobre Madame de Bovary, La Orgia Perpetua.
Tomando ‘orgia’ como escondido de culto divino, arredada a literalidade de devassidão, o enleio na leitura renova o mundo pessoal. Permite olhar vidas alheias tão reais quanto real for o desejo de erguer castelo único onde a vida se eleva. Ensina mais sobre os comportamentos do que procissão de quotidianos. Fomenta, não raro, amor pelos outros.
Engana-se quem julga isenta de riscos leitura intensa: desfasamento do real, dos esquissos circunspectos que famílias e sociedades desenham para o indivíduo. Questiona arranjos estabelecidos, regras cimeiras, seja Deus, o dia-a-dia, a família, a Igreja, governos, o arranjo cósmico. Quem manda sabe-o. Aniquila voos dos ideais. Metralha-os. Ou os abate, ou lhes cerceia proliferação. Como se maleita contagiosa requer vacina na forma de estrangulamentos inscritos em leis – a troça social tem efeito igualmente castrador.
Leszek Sokol
Virgínia Woolf coincidia no pensar que talvez e somente Deus fosse benevolente com os leitores viciados em literatura. Escreveu:
“Também eu já por vezes sonhei que quando vier o dia do Juízo Final e os grandes conquistadores e advogados e estadistas vierem receber as suas recompensas – as suas coroas, os seus louros, os seus nomes indelevelmente cinzelados sobre o imperecível mármore -, o Todo-Poderoso virar-se-á então para Pedro e dirá, não sem uma ponta de inveja, quando nos vir chegar com os nossos livros debaixo do braço: «Olha, estes não precisam de recompensa. Nada temos para lhes dar aqui. Eles amavam a leitura.»”
Leszek Sokol
Porém, haja cuidados antes do «Final». Existe caricatura onde uma ama puxa carrinho de bebé enquanto lê. De tão imersa na leitura, nem repara que há muito o bebé caiu. Semelhante com Bluma Lennon. Havia acabado de comprar um livro de Emily Dickinson. Não resistiu à curiosidade e, de imediato, começou a lê-lo alheada das cercanias. Ao atravessar rua, um carro atropelou-a. O mesmo fim de Pierre Curie, Nobel da Física que em 1903 partilhou com a mulher, Marie. Pela tempestade na hora, não consta que lesse ao sair de um almoço na Associação de Professores da Faculdade de Ciências – pensava quiçá no feito e por fazer, no lido e no escrito. Na rua Dauphine, carruagem matou-o instantaneamente. Salvou-o de agonia lenta pela radioatividade do material de trabalho como aconteceria com a sua amada Marie Curie.
Ler e pensar podem ser perigosos. Honrados sejam os não timoratos de vícios estes. E vem lugar-comum: “O que sabe bem ou é pecado ou mata.” Pela leitura morte é rara e o pecado não bate assim.
Nota: há instantes, texto publicado aqui
CAFÉ DA MANHÃ
Leszek Sokol
“Neste dia especial, queremos que se faça próximo, o distante; que não se esqueça de nós. Que nos dê os parabéns, que nos dê um mimo, um beijo, uma lembrança, uma prenda.
Não queremos mais do que merecemos pelo muito que os amamos: o sermos também por eles amados. Queremos tão só que reconheçam que temos todos a mesma condição diante da força inexorável do tempo.
Os anos são algarismos apenas, a vermelho, sobre dois estiletes brancos de estearina. Só o bolo interessa. É bom ouvi-los cantar mesmo que envergonhados porquem em desafino “hoje é dia de festa, cantam as nossas almas…”
Perguntamo-nos: Que vou vestir hoje? Tenho aquela blusa por estrear… e quer queiramos quer não, ocorre-nos um traço de somatório da nossa vida e um balanço rápido dos últimos doze meses: saúde, dinheiro, amor. Os pais, os filhos, os netos, a família, os amigos, nós!
Pensamos: _ 'Oxalá hoje não haja muito trânsito, nem seja chato o trabalho porque hoje quero-me sentir leve, solta, especial. Que a vida me traga uma surpresa boa, por pequena que seja: uma flor, um beijo, um gesto, um olhar, um sorriso. Que a vida me traga Vida.
Que essa alegria interior venha e me faça sentir mais eu, mais dada, mais amena. Que o ego seja massajado como o deseja o corpo; que as notícias sejam bálsamo sobre a seda da pele; e se os músculos se retesarem num espasmo, que seja meu o prazer porque hoje é meu o dia.
Hoje faço anos e as coisas mais simples são as mais belas.”
CAFÉ DA TARDE
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros