Alberto Pancorbo
“Será que mesmo com a capa do anonimato não conseguimos deixar de tentar 'vender' uma imagem?”
Divido por três o que, a propósito, a minha subjetividade entende.
- É indiscutível a distância entre as personas e o ser que nelas se desdobra. Todos o fazemos sem obrigatório fingimento. Pela infinita capacidade de sermos muitos num – o neto, o filho, o pai, o companheiro, o profissional, o amigo, o portista ferrenho, et cetera – acentuamos componentes da matriz pessoal conforme o papel assumido. O registo único estabelecido entre duas pessoas, ou uma e específico tipo de multidão, cria no(s) outro(s) perceções diferentes do mesmo indivíduo, sem que ele faça por isso. Um colega de trabalho com intelecto superiormente dotado achar-me-á banal. Outro, cujas aptidões encaminham de modo diferente, admirar-me não enjeita.
- Há quem a partir de si invente um ou mais personagens. Encene personalidades diferentes. Os mais hábeis conseguem a qualquer delas emprestar coerência. Por rejeição íntima do que em si vêem, ou por cálculo metódico, congeminam outro que lhes habite o corpo e invada o psiquismo. Na literatura e na história abundam exemplos de figuras inesquecíveis que ilustram esta categoria.
- Autor de blogue, anónimo ou não, pode colocá-lo ao serviço de alter-ego fantasiado. Obriga a disciplina, consistência, domínio absoluto da escrita e da orientação imprimida ao espaço. Sou demasiado preguiçosa e espontânea para trabalheira, a meu ver, frívola. Por que fingir é dom que não possuo – nos raros ensaios desminto-me em menos de chama ateada por fósforo – o prazer da escrita livre de cautelas que não as do pudor relativo à mui estimada privacidade, deixa livre o fluir do pensamento nas teclas. Omito, observo, reservo o que o senso filtra. Que a consciência brinque à minha revelia, concedo. Máscaras, recuso. Abro exceção ao rimmel que adoça o bater das pestanas, e para as cremosas que ocasionalmente me imobilizam e divertem e pintam de cor vistosa o rosto, com orifícios que o nariz, olhos e boca assemelham a máscara funerária. Da minha vida secreta acabou de sair disgusting inconfidência. Como construir ego alternativo se da espontaneidade não abdico?
CAFÉ DA MANHÃ
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