Tom Alberts, Paul S. Brown
Tinha de existir razão para o encarquilhado sorriso dos portugueses. Sim, sei, a nostalgia e a diluída crença em melhores dias ajudam a esborratar o riso. Mas mais havia. Tinha de haver. Quando um compatriota anónimo arredonda para cima os cantos dos lábios, a paisagem é, não raro, devastadora - dentola amarelada, vazios ocupados por gengivas descaídas, próteses bailarinas em risco de serem cuspidas, ferros dentários nas crianças, nos «andropausas» e «menopausas», estes rangendo dúvidas existenciais sobre o desempenho sexual das hormonas resistentes. Arreganhar os dentes não é fácil para os portugueses. Talvez por isso prefiram falar por entre dentes, dar com a língua nos dentes, dar ao dente ainda que o petisco custe os dentes da boca e só caiba na cova de um dente. Aguçar o dente, fazem menos mal, porém muitos excluíram dos dias agarrarem-se com unhas e dentes às prioridades pessoais.
Quando honesto recém-chegado ao estado adulto que a tempo e horas teve papeira, varicela, cabeça rachada por murraça em briga escolar, cuida de emprego com salário digno, contrato que legalize a procriação, comida a horas, roupa lavada e casa de banho sem tapete de pêlos, julga que durante anos a fio as favolas estão seguras, eis que a inutilidade dos sisos intervem. E doem e moem e desfazem no indivíduo a convicção de vigor imune a ridículos de cotas que, no mínimo, três vezes ao dia esfregam os dentes nas mãos.
Afinal, a precária e mal cuidada dentição lusitana foi vítima de pasta de dentes falsificada. Não qualquer uma, mas a tradicional Golgate que durante anos e anos branqueou o sorriso de todos. A boa fé do povo foi ludibriada, a marca enxovalhada e, quiçá, para sempre saída dos copos-de-dentes perfilados sob telhado de pó ao lado das escovas do cabelo encardidas, perfumes e amostras de produtos com pedigree em dia de sorte ofertados. Falsificar a Golgate é tão, mas tão grave, que semelhante só galo de Barcelos pintado à moda do falecido Warhol.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros