Luis Castellanos
Chegaram dias cálidos e o amor rodopia «sem rei nem roque». A culpa é da anunciada primavera, dizem, conquanto o apogeu das euforias amorosas arribe lá mais para o verão. A culpa será então do Sol, da praia, do mar, dos corpos desnudos e das noites esticadas até ao amanhecer. Mas o denominador comum entre os arroubos primaveris e as tropelias estivais é a luz derramada sem a timidez dos outros ciclos.
Não fora a teima científica de tudo fazer hipótese a carecer de prova, e nem levaria mais longe esta arenga. A luz é o que é - feixe de fotões isentos de massa e prenhes de energia eletromagnética. Deslocam-se á velocidade que o respeitável Einstein declarou como limite, e são responsáveis, entre outras «minhoquices», pelo efeito fotoelétrico, fenómeno de muito arranjo, mais não seja pelas miraculosas portas que abrem ainda mal nos adivinham. Descrição pouco romântica e sem nada a ver com beijos e frissons eróticos.
Que a luz nos põe bem-dispostos e dá aos latinos genica extrovertida que surripia aos nórdicos, sabemos. Distribui energia positiva, é tónico para a saúde física e psíquica. Parece provado que dias ensolarados e tépidos expandem a afetividade e fazem de nós anjos batendo asas em voo direto ao paraíso dos múltiplos prazeres. Razão da luz ser olhada como adubo emotivo. Logo, fertilizante da paixão. Logo, réu no tribunal interior em que movem ações punitivas os desiludidos a quem a derradeira maré vaza levou o devaneio estival. O recente grande(?) amor. O estupor que mostrou ser depois (a ênfase dramática dá majestade a finais medíocres).
CAFÉ DA MANHÃ
Luis Castellanos
As melhores casas do mundo não precisam de figurar nas revistas como exemplo de boa arquitectura e melhor recheio. As melhores casas do mundo estão forradas com a música dos afectos que tocam harpa ou jazz na pele. As da família, dos amigos, aquela onde vemos diariamente os «repolhos» ou os repolhos plantados em frente das janelas. Onde acordamos, pacíficos, em harmonia com a persona, a pessoa, as pessoas que sentem os acordes de um saxofone dançando com o piano de cada dia e de todos.
Podia viver sem jazz no corpo? Resposta banal:
_ Podia, mas não seria a mesma coisa.
No ritmo sem partitura, há improvisação e alma. Há a do músico e as dos outros que o acompanham na partilha. O dedilhar e o sopro no clarinete, no saxo, o baile dos dedos no contrabaixo ou na guitarra. O embalo da surpresa por cada nota suspensa no ar.
E vem ao caso poema de Adolfo Casais Monteiro aqui trazido por alguém que a memória não identifica. Com gosto o li, com gosto o deixo.
Jazz
Numa cadência de enigma
entrecortada de espasmos
saltos berros mil ruídos
o jazz canta a saudade
dum sonho que não se sabe.
Chora o jazz a velha perda
dum paraíso qualquer
deixado em longes de sombra.
E no seu ritmo diverso
langoroso e crepitante
martelado e insistente
triste e cheio de alegria
do que há muito está perdido
“Presença nº 19”, Adolfo Casais Monteiro
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros