Por ser uma só a raça dos homens e dos deuses, deixem que vos traga os primeiros versos da 7ª Ode Olímpica de Píndaro. Passaram mais de 2.500 anos e é a mesma a águia que rasga os céus. Marco Valério Marcial, romano da grande Hispânia, à águia que levava nas suas asas o deus dos deuses, perguntou: “Diz-me quem transportas tu, ó rainha das aves?” A nós, diria eu! O povo rubro que, em festa, enche as ruas de Portugal.
VII Ode Olímpica
Como alguém que, com a mão opulenta,
ergue a taça, onde espuma o rocio da vinha
e a oferece a seu genro,
brindando em nome da sua casa pela dele,
– taça que é de ouro maciço e o mais requintado
dos seus tesouros — para honrar o banquete~
e a nova aliança, e causar emulação
entre os amigos presentes
por tão bem logrados esponsais,
assim eu, mandando aos atletas vitoriosos
este líquido néctar, dom das Musas,
doce fruto do espírito,
dou alegria aos vencedores de Delfos e Olímpia.
Felizes aqueles a quem cerca a fama gloriosa!
Nota – Artigo de Manuel S. Fonseca aqui.
CAFÉ DA MANHÃ
Foi assim, aliás, que David se lixou com Betsabé (Gerome Betsheba)
Perdi o estilo. Já tive uns laivos do estilo de que fala aqui o veemente Charles Bukowski. Agora, nem pó. Farei o que for preciso para o recuperar: ou vou preso ou arranjo um gato. Arrisco mesmo pendurar-me numa varanda para te ver a saíres nua do banho sem que me vejas a mim. Foi assim, aliás, que David se lixou com Betsabé.
Entretanto, à falta de melhor, traduzi o que podem ouvir o desbocado Bukowski cantar no vídeo. E depois não digam que o “Escrever é Triste” não é serviço público.
Estilo é a resposta para tudo
Uma forma grácil de fazer coisas chatas ou perigosas
Fazer uma coisa chata com estilo é preferível a fazer uma perigosa sem ele
Fazer uma coisa perigosa com estilo é o que eu chamo arte
Tourear pode ser uma arte
O boxe pode ser uma arte
Amar pode ser uma arte
Abrir uma lata de sardinhas pode ser uma arte
Nem todos têm estilo
Nem todos sabem conservar o estilo
Já vi cães com mais estilo do que homens
embora nem todos os cães tenham estilo.
Têm-no com abundância os gatos.
Quando Hemingway esparramou os miolos na parede com um balázio,
teve estilo.
Às vezes as pessoas dão-nos estilo
Joana d’Arc tinha estilo,
João Baptista
Jesus
Sócrates
César
Garcia Lorca.
Encontrei na prisão homens com estilo.
Encontrei na prisão mais homens com estilo do que fora dela.
Estilo é a diferença, um modo de fazer, um modo de ser feito.
Seis garças de pé, quietas, numa poça de água
ou tu, nua, a saíres da casa de banho, sem veres que te vejo.
Fonte - Manuel S. Fonseca no "Escrever é Triste".
CAFÉ DA MANHÃ
Julianne Moore a partir de uma obra de Bouguereau Eddie Redmayne by Marius
"Está aí a noite dos Oscars. Confesso que é das noites para onde durmo melhor. Dos filmes de 2014, já falei. Só que, alguns dos filmes candidatos vi-os este ano. Portanto, ou falo agora, ou me calo para sempre. Não é conversa para almas sensíveis. Saiu-me, como vão ver, um minueto allegro molto, a começar em vénias e outras mesuras e a acabar em sodomia. Olhem, aguentem-se.
Ah, pois é, ainda estou à espera que 2015 me lave os olhos. Mas tenho de agradecer aos actores do filme de Alejandro G. Iñarritu. No seu Birdman, Michael Keaton , Edward Norton e Emma Stone são soberbos. É pena que haja “estilo” a mais na realização (não era preciso tanto Iñarritu), mas isso já é aquela conversa da treta de querer ser eu a fazer o filme que outro tipo fez. E ia já falar de Whiplash e do American Sniper e da série True Detective. Refreiem-se os cavalos, que Roma e Pavia não se fizeram num dia. Já falo (e só por esta primeira pessoa do indicativo se vê como a língua portuguesa é uma língua daquilo que estão a pensar, isto é e amenizando, traiçoeira).
Em Janeiro, fui ver o Foxcatcher. A realização é de um Bennett Miller, com quem não fiquei com vontade nem sequer de tomar o pequeno almoço. É um filme empertigado, de um ricaço e muitos pobres, de wrestling, dominação e submissão, com um tiro no bucho a fechar. Os actores não têm culpa nenhuma: Channing Tatum e Mark Ruffalo, tudo ponderado, estão muito bem. Steve Carell, que é no filme um milionário, para os meus pobres olhos está agarrado e vergado ao que a realização e argumento acham que é uma ideia e a mim me parece que é um espartilho. Estou de certeza enganado, mas quem dá o que tem, como eu vos estou a dar, a mais não é obrigado.
Também vi Adieu au Langage (Adeus à Linguagem), de Jean-Luc Godard. Vi o filme em 3D, mas os meus olhos já não são o que eram e a ideia de 3D de Godard, de uma radicalidade desconstrutivista, pôs o meu olho direito a olhar para uma câmara e o meu olho esquerdo a olhar para outra. Até gosto, como já várias vezes confessei, de fechar os olhos nos filmes, mas a ideia não é ficarem a doer-me. Se bem percebi a pulsão estética do filme — e Godard é mesmo um dos grandes criadores do cinema da segunda metade do século XX, digam lá o que queiram dizer — gostava de lembrar que um pequenino filme seu, uma encomenda da France Telecom a que chamou “Puissance de la Parole”, há uns 20 e picos anos, já fazia do cinema pintura, já convertia toda a linguagem em puro aforismo, numa deriva nietzschiana a roçar-se pela voz e pela linguagem de Deus. Ainda assim, ninguém ou quase ninguém filme o corpo de uma mulher, a sua funda e negra origem do mundo, como Godard o filma. Também aqui em “Adeus à Linguagem”.
Foi em Janeiro que vi The Imitation Game (Jogo de Imitação). O filme tem um realizador, mas tanto se dá ou tanto faz. Sei que vou causar o maior desgosto ao Pedro Norton, mas “O Jogo de Imitação” é um daqueles pastelões ingleses que se deslumbra com a história que quer contar e se esquece do que eu me habituei a chamar cinema. Este “Jogo de Imitação” foi a sala de cinema, a cores, e já não digo em 35 mm, que isso agora não interessa nada, mas podia ser uma série da BBC, um documentário, ou podia ser só um gajo interessante com uma voz bonita a contar tudo a uma miúda que gosta de o ouvir, mas que só pensa “este gajo está tão encantado a ouvir-se que vai ficar a falar umas duas horas e nunca mais me salta para cima”. Faço notar que estou a falar de um filme em que entra Keira Knightley — ora a boca entreaberta de Keira é, atendendo à minha idade e meios, a única coisa que hoje me tira sexualmente do sério. No filme, também entra, azar dele, Benedict Cumbernatch: faz boquinhas intestinais.
Veio, depois, o mês de Fevereiro. Vi Whiplash, (Whiplash, Nos Limites). Belo filme. É uma luta entre dois actores. Os actores, como se sabe, têm de ser alguma coisa. Em “Whiplash” há um jovem baterista de jazz em processo de aprendizagem e há um professor razoavelmente estalinista ou, para que toda a gente me compreenda, nazi. São muito bem filmados por Damien Chazelle, que também assina o argumento, e é pena por que devia ter pedido ajuda. Para mim, “Whiplash podia já ser um dos filmes de 2015, se a namorada e o pai do baterista tivessem só mais um bocadinho de densidade, e se a personalidade dos protagonistas ganhasse algumas nuances.
Em romaria amorosa, fui à Cinemateca ver um documentário. Chama-se João Bénard da Costa– Outros Amarão as Coisas que eu Amei. É um doc de Manuel Mozos, que conheço muito mal, mas por quem tenho uma irredutível simpatia. Por João Bénard tenho amor. Escuso, por isso, de vos dizer — ou melhor, digo mesmo — que vi com estremecida emoção o João a falar, a falar dele, a falar de filmes, aos beijos à Gene Tirney, à Joan Crawford e até à malvada Mercades McCambridge (e é preciso que se diga que essa mulher que nem parece bonita no “Johnny Guitar”, exsuda uma valente e rija sexualidade de alto — e oh se está alto — lá com ele). É o melhor João, o melhor escritor de e sobre cinema, a sua silhueta mítica, que o Manuel Mozos nos dá a ver.
Vi e talvez fosse melhor não ter visto, The Canyons. Realizou-o Paul Schrader, o mesmo Schrader que realizou “American Gigolo”, o mesmo Schrader, obsessivo, psicótico, calvinista que escreveu “Taxi Driver”. Pois é, já não é o mesmo. Ou pelo menos não foi o mesmo. O argumento é de Brest Easton Ellis, um escritor com que andámos ao colo ali pelos anos 80. Juntaram-se, se assim posso dizer, dois moralistas. Ora, dois moralistas juntos não fazem faísca. O católico Scorsese e o protestante Schrader, em “Taxi Driver”, faziam faísca. Aqui, neste “The Canyons”, por onde tantas vezes passei e de que tanto esperava, nem há blasfémia, nem há tesão. É só a circunstancial e muito económica puta da vida. Adiante.
Dei comigo e estava na sala do El Corte Inglès a ver o American Sniper. É, com o “Whiplash”, o melhor filme de ficção que vi este ano. Não é perfeito, nem é Ford, como já para aí ouvi dizer (digam merdas dessas e depois admirem-se que o velho irlandês se levante da cova funda e vos venha abanar pelos colarinhos). “American Sniper” é um filme colado ao mais não-empático dos heróis. Clint Eastwood, realizador de meia-dúzia de obras-primas (“Mystic River”, “A Perfect World”, “Absolut Power”, “Grand Torino”, etc…), escolheu muito bem ao escolher o básico Bradley Cooper, que é in-charmoso todos os dias. Afinou depois a mira para uma ideia precisa, a de um homem com um dom. Lembrei-me do De Niro do “Deer Hunter” a elogiar a sublime limpeza do “one shot” com que abate veados. Eastwood transfere para o Iraque as montanhas da Pensilvânia de Michael Cimino e caem veados que nem tordos, se assim se pode, impiedosamente, dizer. É quase tudo irrepreensível, menos o equivalente sniper islâmico que é uma coisinha tipificada e anedótica, menos algumas montagens cruzadas, de contraste forçado, a meter dedos pelos olhos adentro, como sói dizer-se. Nos tempos que correm, belo filme, quand même.
Também fui ver The Theory of Everything (A Teoria de Tudo). Estava a ver e “ói, onde é que eu já vi isto?” Pois é, vi isto no “Jogo de Imitação”. Os mesmos cenários, a mesma ideia narrativa, tudo ao serviço da “história”, da putéfia da mensagem, dos temas sérios com’ ó caneco. Cinema, viste-o, não viste? Tudo como se o dignificantíssimo drama, vida e obra de Stephen Hawkings estivesse a passar no canal História e a reconstituição viesse servida com aquela elegância de chá, torradas, e um bocadinho de emproada paneleirice de Oxford do “Brideshead Revisited”. Nem digo o nome do realizador que é para a mãe dele não se obrigar a vir aqui despejar comentários impróprios.
Este fim de semana, feliz no futebol, no amor e no dinheiro, saíram-me mais duas rifas no cinema. Vi um tal Wild Tales (Relatos Selvagens), uma co-produção hispânico-argentina, de fábrica almodóvariana. Percebe-se a ideia — mais ou menos indignada — tão adequada a estes tempos em que se procura encontrar num palheiro a treta da afiada agulha que se perdeu na cozinha. É uma cambada de short stories, realizadas pelo argentino Damián Szifron , todas elas engravatando de humor negro situações do mal estar contemporâneo, da auto-estima à burocracia, passando pela intrincada afectividade que nos leva a casar e a divorciar. Tanta mensagem, tanta denúncia, tanta bufaria.
Hoje mesmo, fui ver Inherent Vice (Vício Intrínseco). É um filme de Paul Thomas Anderson. Fragmentado, construído em mosaico, creio que como no livro que não li de de Thomas Pynchon em que se baseia. Ou um tipo se deixa levar e se ri (ri algumas vezes, sobretudo de metade do filme para a frente quando percebi que se não me risse, o bilhete e o tempo tinham sido um mau investimento) ou um tipo não se deixa levar. A bem dizer, não me deixei levar. Falando de Joaquin Phoenix, o protagonista, diria que muito provavelmente não poderia estar mais cabotino. Ainda assim, lá para o fim daquele “Vício” todo, vem-lhe cair no colo, literalmente, a Katherine Waterston, lindamente nuínha, de maminhas perfeitas, de pombinha, em espesso intumescimento (perdoem-me a tentativa de descrição gráfica, mas faço-o com propósitos críticos a roçar o científico), acabando tudo em moderada sodomia — a meu ver mais moderada do que parece, mas é claro que cada um sente as coisas à sua maneira.
Às vezes é preciso deixar o cinema para se encontrar o cinema. Já aqui tinha gabado True Detective. É televisão, dir-me-ão, não conta. Conta, pois. Os oito episódios de “True Detective”, de que é autor Nic Pizzolatto, são, até agora, o melhor filme que vi em 2015. Vi-os todos em três dias seguidos„ como quando ia à Gulbenkian, às programações do João Bénard, ver um filme à 6ª à noite, três ao sábado, das 15 à meia-noite, e dois fechar o domingo. “True Detective” tem crime, tem pedofilia, tem sexo, tem rituais satânicos, tem política, mas tem isso tudo metido numa fabulosa construção narrativa, com mise-en-scène e montagem, efeitos sonoros e música. E tem actores. Matthey McConaughey e Woody Harrelson não servem o argumento, reescrevem-no. Nos olhares, na tensão dos corpos, no movimento, seja o mais naturalista, seja o mais codificado e teatral dos movimentos.
Daqui a mais um mês, temos mais conversa cinéfila."
Nota – Texto escrito por Manuel S. Fonseca no Escrever é Triste.
CAFÉ DA MANHÃ
Vilhena
Nota prévia – Faz hoje duas semanas que ocorreu a chacina de cartoonistas do Charlie Hebdo. Momento adequado para lembrar livros interditos pela Censura.
O “Expresso” anunciou a disponibilização, aqui, de um inventário dos livros que a Velha Censura proibiu. Fê-lo José Brandão e a lista que estabeleceu vai em 900 livros. Já fui ver e li imensos antes do 25 de Abril, dos Harold Robbins aos chatíssimos Simonov e Cholokov, passando pelo Malraux (ainda tenho essa “Condição Humana”), o padre Jean Cardonell (este não está alcance nem do mais pintado dos intelectuais, ah, ah, ah), Henry Miller e Harper Lee. Até “A Nossa Vida Sexual” de Fritz Kahn me passou limpinho pelas mãos. Na verdade, o pai de um dos meus amigos de bairro era inspector da Pide e trazia os livros proibidos, assim providenciando, por ínvios e perversos caminhos, à educação dos infantes.
Olhando para as capas que o “Expresso” reproduzia, descubro que li, nesses tempos de Ditadura, em Angola, o Jubiabá e os Capitães de Areia, de Jorge Amado, as Mãos Sujas, de Sartre e, o que diz alguma coisa sobre a minha idiossincrasia, quase todos os livros do mais proibido dos autores, o José Vilhena, até a minha mãe os apanhar e eu ter mostrado vergonha sonsa e adolescente arrependimento.
Nota final – Artigo publicado aqui por Manuel S. Fonseca.
CAFÉ DA MANHÃ
Gosto da festa da vitória, mas confesso que gosto mais do jogo. Das virtudes do jogo e das virtudes que vêm com o jogo.
E, hoje, na festa da vitória, na Catedral, quando os jogadores do SLB iam passando com os filhos às cavalitas e Luisão beijava a mulher na boca, algumas das virtudes do jogo tingiram felizmente a festa: inocência, afecto, camaradagem e o paraguaio Cardoso a apontar para a imagem de Eusébio, dizendo “é para ti”.
Os jogadores do Benfica iam falando à televisão e retive duas coisas. Creio que foi André Gomes que, perguntado sobre o que significa ser campeão, disse que era “dar alegria aos outros”. Depois, ou já tinha sido antes, Steve Vitória, jogador hercúleo, massa muscular luso-canadiana, com o que era pouco mais do que um bebé nos braços, disse: “Este é um grande clube para ser ser campeão, um grande clube para se fazer a festa com um filho ao colo.”
Hoje, dia da ressurreição de Jesus (que ao contrário do Pedro eu tive a tentação de crucificar no fim da época passada), a minha alegria é estar nesta festa em que um homem pode levar um filho ao colo.
Texto de Manuel S. Fonseca no “Escrever é Triste”
CAFÉ DA MANHÃ
"Escrever é triste", frase de Carlos Drummond de Andrade, é nome de lugar na rede classificado como o melhor blogue em 2013 pelo Pedro Rolo Duarte. E se ele é fiável nestas e noutros pensares muitos!
Entre publicações que poderia ter importado dali, escolhi as duas últimas. Esta, da Rita Roquette de Vasconcellos, é imperdível. Apesar de, justificadamente, tratar do invisível, mais visível é impossível. E que passe em claro a quadratura dos «ível». Divertimento e aprendizagem assegurados.
O Manuel S. Fonseca publicou crónica na imprensa (Expresso, sábado, dia 8 de Março) que ontem também surgiu no "Escrever é triste". Tem por nome "Sempre que gritam Stella, é por ela que gritam".
Mais não digo porque melhor que tresler é ler. Para começo de fim-de-semana de escrita online ignoro melhor.
CAFÉ DA MANHÃ
O vídeo da Rita O vídeo do Manuel
Autores que não foi possível identificar
No texto de arquivo pessoal que mereceu o mesmo nome, “Da Frente para Trás”, e exterior a este paraíso, perguntou o Manuel S. Fonseca: _ “Mais où sont les femmes d’antan?”
O Bernardo Vaz Pinto comentou: _ “O que mudou afinal? Tudo ou um pouco de nada! E ainda bem…a woman is a woman is a woman.”
Se nada foi mudado na biologia feminina, se a “woman is a woman”, estares revoltos das mulheres alteraram-se de modo substantivo correndo séculos e outros ciclos da Terra. Tomemos o exemplo da Mona Lisa como imortal símbolo da feminilidade.
(...)
CAFÉ DA TARDE
Paul Meijering - Lou Reed Autores que não foi possível identificar – Lou Reed
“Era um aristocrata nova-iorquino. Ou, visto, de Los Angeles, um desses snobs contidos que toca guitarra como se não lhe coubesse um feijão já se está a ver onde. Visto daqui, de Lisboa, será sempre um tipo que caminhava pelo lado selvagem.
Tinha tanto de poeta como cara de velha. Misturava-se nele uma poesia simples e direta, um convívio fácil com as outras artes, um gosto suave por uma certa decadência existencial. Como todos os nova-iorquinos, parecia que podia ser europeu, mas nunca teria sido nada sem Brooklyn ou Coney Island.
Um tipo de veludo, um tipo das catacumbas. Teve alguns dias perfeitos. Fez canções e, sem o escarcéu de Keith Richards, tomou uma valente carrada de droga, da boa e da pesada. Para fazer canções, diz ele, batia uma todos os dias. Sem trabalho não se vai a lado nenhum.”
Nota: publicado no "Escrever é Triste".
Duas obras que vão além do simples retrato de Lou Reed. A primeira, de Peter Rodulfo - Living with Lou Reed, a segunda, de Fabrice Plas – Vicious, inspirada por um dos temas mais aplaudido de Lou Reed.
CAFÉ DA MANHÃ
Yuri Matsik - Clowns
Valente anonimato
“Uma das coisas que abomino na bloga, em toda a net, é o anonimato. Toda a diatribe sem assinatura, toda a iconoclastia atrás de uma máscara, São o que são: pusilânimes.
Neste blog, ainda por cima um blog que se quer de escrita lúdica, sem propósitos de arregimentação, em que todos os autores assinam com o próprio nome, gostava que os comentadores usassem também o deles. Não gosto de falar com pseudónimos, com fatinhos de arlequim e mascarilhas de Zorro.”
Eu conheço o anónimo!
“Caro, eu conheço o anónimo. É uma besta chapada, um alarve, um safado. É um tipo que julgaram inteligente, porque aos três meses já andava pelo seu pé, mas veio a saber-se que era apenas porque ninguém queria andar com ele ao colo.
O anónimo tem o cabelo oleoso, a unhaca do dedo mindinho crescida e caspa nas sobrancelhas. De figura é um nojo, com queixo proeminente donde parece escorrer em permanência um fio de azeite mau. E tem mau hálito, o que agrava o quadro, porque sendo baixote dirige, quando fala, o bafo na direção das narinas do circunstante.
Intelectualmente é um calhau. Dizem que ficou em segundo lugar num concurso de estúpidos e que foi confundido com um peru quando tentou multiplicar nove por nove. Há quem sustente que devia estar internado, mas veio a saber-se que ele era assim por gosto e não por qualquer deficiência, salvo de caracter.
Não sei se lhes disse que é corrupto… Mas é! E mentiroso. E vigarista. O anónimo só tem uma utilidade que é esta: podemos descarregar nele o fígado, porque, cobardemente, embora saiba bem que é dele que falamos, nunca haverá de dizer quem é.
E tu escusas de ficar chateado. Não é de ti que estou a falar.”
Por me assentar também o gorro, de hoje em diante exposto o que todos sabiam: Maria Brojo já foi “Tati” e “Teresa C.”
CAFÉ DA MANHÃ
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