Sábado, 10 de Setembro de 2011

A FELICIDADE NUM EMBRULHO

David Miller

 

A felicidade vende. Bem. Muito. Barato - ao preço dum seguro, duma ligação de internet, de um automóvel, iogurte ou de um refrigerante. Publicitários fazem do júbilo sofisticada ferramenta de consumo, substituindo a interioridade do sentimento pela dependência de bens. O histerismo dos participantes em competições asnas por uma dúzia de electrodomésticos é, do mesmo, outra prova - torradeiras, aspiradores, plasmas e carripana, o marido mais a sogra e a prima e o vizinho numa cacofonia berrada de apoios e conselhos q’arrebentam tímpanos espectadores. É o mundo ao contrário. Os antípodas da racionalidade como espectáculo. O contentamento vão. A posse como a nova felicidade – mais ter, melhor ser. 

 

Escrevia Carlos Drummond _ "Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons". Pelo prazer simples do doce engolir. Sem outras metafísicas do que comer chocolates, como Álvaro de Campos recomendava na Tabacaria:

 

Come chocolates, pequena;

Come chocolates!

Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.

Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.

Come, pequena suja, come!

Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!

Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é folha de estanho,

Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.

 

Quem desperdiça a folha metálica porque só embrulha um prazer, despreza da vida partes. No recuo aos horizontes de ontem, o histórico pessoal clarifica o hoje. Pivilegiar memórias desencantadas prova falta à lição maior: para ser feliz até um certo ponto é preciso ter sofrido até esse mesmo ponto. E há quem reconte dos «gajos» do passado que melhor fora permanecerem secretos, das «chocas» com as quais se deitaram. Apetece perguntar se foram gado barrosão sem outra serventia que estéreis parideiras ou inaptos cobridores. Ignoram o escrito de Yourcenar _ "A felicidade é uma obra-prima: o menor erro falseia-a, a menor hesitação altera-a, a menor falta de delicadeza desfeia-a, a menor palermice embrutece-a”.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:11
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