Lindsay Goodwin
Dos medos ela sabia. Já em pequena temia que a calada da noite encobrisse criaturas que haviam de descer do sobrado e deslizar, manhosas, pela escada. Se da primeira vez teve os pais em socorro, acendendo a luz e provando, com mansidão, que afinal do temido nada havia, nas ocasiões seguintes recebera um beijo e um "durma, menina, que é tarde." E dormia, como bem-mandada que era suposto ser. Mas não era. De facto, ficava à espreita, aterrorizada, até provar que nada vindo até ali era porque nada havia para vir. Então, sim, dormia refastelada, a serenidade com ela.
Ao crescer, percebeu que os medos invadem quem lhes arranja lugar. E depois, na euforia das descobertas e afirmações quem tinha tempo ou interesse em olhar para o eu interior? Foi somente anos passados que sentiu temor não centrado na saúde: o medo do abandono. De ser largada. Passar de significante a insignificante. Perder importância no afeto de alguém, como os extremos de crianças e velhos e cães expulsos de casa. Deixar de merecer estima.
Começou a ver de outro modo os afetos. Turvou de ameaça o amor. E nem tinha razões, apenas coisas miúdas que amontoava e somava e temia e a ensombravam mais e mais. Retraiu-se no amor - misturava temor com amor e rancor pelo abandono que não vinha mas sentia e quase o merecia por tanto o temer e a ele ceder. Tornou-se pessoa pior. Ninguém a abandonou, salvo ela que deu ao fresco de si própria. Lutou, respirou fundo e mandou às malvas a vil persona que a habitava. Gostou do que em si e nos outros viu. E tão grata foi a percepção que, exausta de receios, abandonou o ser até aí amado - analisado a frio e sem temores, não merecia um reles medo, quanto mais o seu amor!...
CAFÉ DA MANHÃ
Tema composto e cantado originalmente por Dolly Parton
Jay Anacleto
Medos - rastos que procuramos ocultar e partem galhos delatores no caminho.
Medos - fantasmas de memórias ou projecções (in)conscientes.
Medos - dedos de gelo que escrevem na pele arrepiada «Vós, que aqui entrais, deixai lá fora toda a esperança».
Medos - manipuladores; deixam-nos indefesos perante a perversidade de alguns ou a mera estupidez de quem julga tudo poder.
Medos - sombras que embaciam o olhar e espremem veneno na cor dos dias.
Medos - ladrões da confiança e dos atavios da vida.
Medos - arma e armadura.
Medos - monstros íntimos ou desculpas rotas.
Medos - desafio irresistível. Ao terem-me na conta de junco débil, esquecem que os vendavais não me derrubam; apenas inclinam.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros