Timothy Kou Val Stokes
Sinto-me assim e.................................................................................. assim.
Silvio Fiorenzo John Shakespeare
Também assim..............................................................................quando o redor é assim.
CAFÉ DA MANHÃ
Jan Bollaert
À beira dos sessenta, por entre brumas e smog, ela entretinha o vazio e a falta de hormonas vivazes na rede virtual que o longe aproxima. Visitava salas de chat ignorando(?) fundos lodosos. No silêncio doméstico, amparava-lhe o desamparo o romantismo do chintz esparramando das rosas a paralisia, repetido nos reposteiros da sala, na cabeceira da cama, na «senhorinha» capitonné que a melhores tempos assistira. Da ligação ótica à fantasia de mundos venturosos, não tardou a dependência somente igualada pelos litros de chá bebericados. Não, não se resignaria às compras de bairro, à reforma coroada por festa e ramalhete florido e mais canecas e bules e inutilidades cheirosas! Queria mais. Mistério e aventura. Afagos. Sexo que não arrotasse pubs. Bombons. Um homem.
À beira dos cinquenta, dúvidas tenebrosas. Ele omitia-as vazando encanto ao lançar redes da sedução onde calhava. Aconteceu pescar, entre brasileiras, portugueses, africanas and so on, a inglesa. Por facilidades próprias, foi à ilha da rainha conhecê-la. Entre chá e «sandochas» de pepino, a adrenalina piou baixinho. Manteve o polimento e, no regresso, deu folga ao laço. Sendo a fortuna marota, um exemplar de pescado antigo abriu - milagre! - as guelras e revelou escamas luminosas. Veio o romance, o «amor» aqui e ali sacudido por fanecas ocasionais.
Corria a vida assim-assim, quando a inglesa decide corresponder ao amável convite - chutado para canto no passar dos muitos dias - de vir a Portugal fruir do sol e do bombom lusitano. Caiu-lhe o mundo em cima. E agora? Inglesa com portuguesa finória, refinada trinitroglicerina. À namorada conta um conto: colega de trabalho à beira da reforma, convida-a por gentileza e não é que ela teve a insensatez de aceitar? Teria de a receber, fazer o sacrifício de ser escort por quinze dias. Mais nada. Mera cortesia e honra à palavra dada. Ouvindo mais que o relatado, a namorada viu feliz oportunidade de dissecar breus ocultos. Esperou, feita lagarta ao sol, o desenrolar da trama.
A trama
Laura
A inglesa diz chegar num sábado. Combinado previamente fim-de-semana com a namorada. Adia a vinda da inglesa por oito dias. Semana seguinte. Inicia na quinta, outro final de semana a dois. No sábado, abala para receber a «colega» no domingo. À chegada, o infortúnio prega dolorosa partida: ainda no aeroporto, a senhora cai e fica uma amálgama de nódoas negras e luxações. Ele relata o infortúnio à namorada. Põe a inglesa no hotel (disse). Na manhã seguinte, o estado clínico piora. Centro de Saúde com ela. Nada partido. Um analgésico que a dor não alivia. Trá-la para casa e para a única cama. Ele cozinha, cuida da doente e dorme com ela. A coisa piora. (...)
CAFÉ DA MANHÃ
Num centro de imagiologia, entram jejuns, ansiedades, temores. Pontualidade é lema e pena – se alivia quem as máquinas esperam, sobra pouco do tempo dedicado ao despacho do “vamos a isto que se faz tarde”. Porque nas paredes obras de arte com qualidade são muitas, somente quem da máquina fotográfica faz recheio diário da mala tem o gosto de levar para casa tanto belo acumulado. É certo, as imagens recolhidas de pinturas que verniz final reveste serem feridas com o brilho do flash. Mas que importa se o testemunho satisfará, ainda assim, a necessidade estética que todos temos?
Desemboca a porta estreita do centro de imagiologia nos Restauradores. E é o belo que persiste no casario, nos ícones arquitetónicos deste lado da Baixa.
José Guimarães
Nota: apenas mencionado um autor por demais conhecido e pela inexistência de assinatura visível ou, existindo, dificuldade em identificá-la.
CAFÉ DA MANHÃ
Maggie Taylor
Neste dia a Todos os Santos dedicado, informa a rádio que 5% dos funerais são pagos a crédito. Notícia de ontem, Dia Mundial da Poupança, lembrava que por cada centena de euros recebidos os portugueses põem de lado onze. Desde o início deste século que tal não acontecia.
Esperança de pelo cúmulo de dinheiro aforrado prevenirem os estragos económicos anunciados para o ano de 2013? Quase certo. Feliz ideia de adiantarem furos no cinto enquanto, com sacrifícios aumentados, é possível. Duvido que deste modo evitem a sangria dos dinheiros que um funeral acarreta. E há o sabido da morte surgir sem a delicadeza de aviso. E há a incerteza dos defuntos terem bilhete de ida redentora direta ao paraíso onde anjos soprem trombetas por novo santo chegado. E há a certeza dos vivos pagarem fatura untada. A prestações, às tantas. Pela alongada divisão mensal, já as coroas floridas esmaeceram, a cera das velas esgotou a chama, o esquife degradou-se.
Ainda assim, o pagante satisfará o compromisso pela morte do familiar cujo saldo bancário não chegou para descida à terra conforme os usos.
CAFÉ DA MANHÃ
Para suavizar:
Patricia Rachidi
Deixo à consideração de todos o testemunho da Sara, filha do Joaquim Fidalgo, jornalista. A mãe, professora de inglês, suicidou-se.
“Carta a professores, alunos, pais, governantes, cidadãos e quaisquer outros que possam sentir-se tocados e identificados.
As reformas na educação estão na boca do mundo há mais anos do que os que conseguimos recordar, chegando ao ponto de nem sabermos como começaram nem de onde vieram. Confessando, sou apenas uma das que passou das aulas de uma hora para as aulas de noventa minutos e achei aquilo um disparate total. Tirava-nos intervalos, tirava-nos momentos de caçadinhas e de saltar à corda e obrigava-nos a estar mais tempo sentados a ouvir sobre reis, rios, palavras estrangeiras e números primos.
Depois veio o secundário e deixámos de ter “folgas” porque passou a haver professores que tinham que substituir os que faltavam e nós ficávamos tristes. Não era porque não queríamos aprender, era porque as “aulas de substituição” nos cansavam mais do que as outras. Os professores não nos conheciam, abusávamos deles e era como voltar ao zero. Eu era pequenina. E nunca me passou pela cabeça pensar no lado dos professores. Até ao dia 1 de Março.
Foi o culminar de tudo. Durante semanas e semanas ouvi a minha mãe, uma das melhores professoras de Inglês que
conheci, o meu pilar, a minha luz, a minha companhia, a encher a boca séria com a palavra depressão. A seguir vinham os temores, as preocupações, as queixas de pais, as crianças a quem não conseguimos chamar crianças porque são tão indisciplinadas que parece que lhes falta a meninice. Acreditem ou não, há pais que não sabem o que estão a criar. Como dizia um amigo meu: “Antigamente, fazíamos asneiras na escola e quando chegávamos a casa levávamos uma chapada do pai ou da mãe. Hoje, os miúdos fazem asneiras e os pais vão à escola para dar a dita chapada nos professores”. Sim, nos professores. Aqueles que tomam conta de tantos filhos cujos pais não têm tempo nem paciência para os educar. Sim, os professores que fazem de nós adultos competentes, formados, civilizados. Ou faziam, porque agora não conseguem.
A minha mãe levou a maior chapada de todas e não resistiu. Desculpem o dramatismo, mas a escola, o sistema educativo, a educação especial, a educação sexual, as provas de aferição e toda aquela enormidade de coisas que não consigo sequer enumerar, levaram deste mundo uma das melhores pessoas que por cá andou. E revolta-me não conseguir fazer-lhe justiça.
Professores e responsáveis pela educação, espero que leiam isto e acordem, revoltem-se, manifestem-se (ainda mais) mas, sobretudo e acima de qualquer outra coisa, conversem e ajudem-se uns aos outros. Levem a história da minha mãe para as bocas do mundo, para as conversas na sala dos professores e nos intervalos, a história de uma mulher maravilhosa que se suicidou não por causa de uma vida instável, não por causa de uma família desestruturada, não por dificuldades económicas, não por desgostos amorosos mas por causa de um trabalho que amava, ao qual se dedicou de alma e coração durante 36 anos.
De todos os problemas que a minha mãe teve no trabalho desde que me conheço (todos os temos, todos os conhecemos), nunca ouvi a palavra “incapaz” sair da boca dela. Nunca a vi tão indefesa, nunca a conheci como desistente, nunca pensei ouvir “ando a enganar-me a mim mesma e não sei ser professora”. Mas era verdade. Ela soube. Ela foi. Ela ensinou centenas de crianças, ela riu, ela fez o pino no meio da sala de aulas, ela escreveu em quadros a giz e depois em quadros electrónicos. Ela aprendeu as novas tecnologias. O que ela não aprendeu foi a suportar a carga imensa e descabida que lhe puseram sobre os ombros sem sentido rigorosamente nenhum. Eu, pelo menos, não o consigo ver.
E, assim, me manifesto contra toda esta gentinha que desvaloriza os professores mais velhos, que os destrói e os obriga a adaptarem-se a uma realidade que nunca conheceram. E tudo isto de um momento para o outro, sem qualquer tipo de preparação ou ajuda. Esta, sim, é a minha maneira de me revoltar contra aquilo que a minha mãe não teve forças para combater. Quem me dera ter conseguido aliviá-la, tirar-lhe aquela carga estupidamente pesada e que ninguém, a não ser quem a vive, compreende. Eu vivi através dela e nunca cheguei a compreender.
Professores, ajudem-se. Conversem. E, acima de tudo, não deixem que a educação seja um fardo em vez de ser a profissão que vocês escolheram com tanto amor. Pensem no amor. E, com ele, honrem a vida maravilhosa que a minha mãe teve, até não poder mais.”
Sara Fidalgo
CAFÉ DA MANHÃ
Mudando de assunto ou talvez não.
David Ligare e adaptação de obra de Manet
É falada a felicidade. Sentir intermitente. Viver cada dia como se fosse último conduz a desmandos pessoais. Vivê-la como projecto obriga a esforço, a ordenar prioridades, ao gozo do instante em que surge inopinadamente. Depois, é fruição, porque, seja ingénua, concordo, o caminho calcorreado por cada um apenas tem esse objectivo. Se em cada amanhecer for objectivo último, é imediatismo. Como projecto de vida obriga a optar entre o fácil e a dificuldade. E nem sempre um obstáculo é entendido como degrau capaz de quem o ultrapassa ascender a paraísos. E surgem. E são memórias e presentes. Porque não aprendemos com passados? _ Por ser milimétrica a capacidade de reter experiências. Mas é necessário delas constituir acervo. Remirá-lo. Jamais remetê-lo ao esquecimento.
Recebo, diariamente, sugestões na minha caixa de correio/chaminé virtual propostas de uma qualquer Groupon para “jantar com show de striptease para duas ou quatro pessoas, desde 27 €”, “Lavagem automóvel: 1 ou 3 lavagens completas com limpeza interior e exterior, desde 12€”, “Corpo perfeito: 3 ou 6 sessões de endermologia, desde 29 €”, “Depilação caseira: 1, 3 ou 5 luvas depilatórias e esfoliantes Smooooth Legs, desde 16 €”, “Animais domésticos: puff canino de tamanho normal ou XXL disponível em 5 cores, desde 35 €” e outras sugestões de teor semelhante. Serão propostas de momentos e actos inolvidáveis? De atingir «felicidadezinhas» por encomenda?
Haja pudor em tentações(?) mesquinhas que têm o destinatário por incapaz racional.
CAFÉ DA MANHÃ
Por via de Mário de Carvalho, que não o escritor: _ "Orçamento é uma mulher honesta que se prostitui mais tarde."
Walter Girotto
Mulher atraente não precisa ser bonita. Ou esbelta. Ou angélica. Mulher atraente tem imperfeição que à perfeição acrescenta o “je ne sais pas quoi” que a outras falta. É feminina desde o peito do pé suavemente arqueado até ao progressivo enrolar da meia que da coxa desce lentamente. Quando se despe. Tem miolos laboriosos. Sustenta, activo, o intelecto. Não desdenha o humor. Solta gargalhada pronta. Ou sorri indefinida – complacência, gosto ou irónica leitura do que vê? Caminha com a coluna direita, conquanto se lhe adivinhe flexibilidade de junco. Ergue o queixo. Sem o apontar ao alto, mas de frente para o horizonte. Luzido o olhar. Ri e chora e hesita e nele reflecte o que vai dentro. Jamais estático, porque da acuidade dos receptores sensoriais faz uso harmónico com a atitude. Nunca banal. A vida exalada por cada poro. Frágil ou decidida consoante o momento. Que não esconde. E porque silenciando revela, atrai. Também pela sensualidade de quem aos cinco sentidos costumados parece somar outro. Invisível. Como campo magnético que às leis da Física desobedece – são inexistentes forças repulsivas.
Mulher atraente não tem facilitado o caminho. Se acresce exigência e prioridades alinhadas, as dificuldades aumentam. Dos atributos que dizem pertencerem-lhe, contam-lhe os homens. Uns bajulam. Mentem, portanto. Outros aspiram a bibelô que o dinheiro não compra. Presunçosos. Usam a mulher para aos demais crescerem na importância. Alguns querem-na pelo desafio. Pelo Evarest da escalada sedutora. Os restantes, e são estes que importam, vêem-na como pessoa. Amável. Arisca. Meiga. Maliciosa. Perspicaz. Plural. Generosa. Granítica.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros