Domingo, 10 de Novembro de 2013

GRAÇA DELGADO E "FERNANDO PESSOA, PESQUISADOR" NO CNC

  

 

 

 

 

Quando a noite cai, densa, sobre Lisboa, é chegado o tempo de amar urbe outra que o dia esconde. A beleza da cidade obriga a paragens. Obriga a registar olhares. A fazer álbuns para num qualquer dia revisitar.

 

Após o azul enegrecer, a preguiça de sair para onde o coração desta nossa humilde capital palpita é imperdoável arrastando-se demais o interregno. Mas basta desafio amigo para que a memória desdobre imagens e a saída aconteça. A última sessão no Centro Nacional de Cultura requisitava presença pelo tema a desbravar – “Fernando Pessoa, Pesquisador” -, pela perdição que as obras da pintora Graça Delgado constituem, pela qualidade dos oradores pessoanos. Guilherme d’Oliveira Martins, Vítor Pomar, Pedro Teixeira da Mota, João Barreto e alguns dos participantes ensinaram-me mais em par de horas que o aprendido ao longo de décadas.

 

Antes, foi o tempo de partilhar contos das vidas minhas e da querida amiga/irmã Maria Fernanda Rocha. E Lisboa ali tão bela, silenciosa, cúmplice por não interromper sussurros e risos.

 

 

Graça Delgado é artista por demais conhecida. Dispensa apresentações. Todavia, a alguns falta conhecer uma das variadas facetas da pintora. Esta aqui em mostra, fascinou-me. Não conhecia. Estes trabalhos em papel que a Graça Delgado amorosamente fabrica no seu ateliê têm em espera grades para constituírem maravilhas com dimensão à altura.

 

Senti-me rodeada de granitos leucocráticos (claros), dos luminosos desenhos ígneos pela menor quantidade de minerais de ferro e magnésio e majorada percentagem de quartzo e feldspato. A subjetividade da minha leitura conduziu-me às Beiras que amo, ao minimalismo não impositivo que forra espaços serenos. Como a personalidade da Graça que a si permite rompantes de paixão criativa.

 

 

Batendo a fome, calcorrear ruas e praças até ao lugar da janta. Uma dúzia de presenças multiplicou palavras e conceitos, partilhas que a alguns faltavam, alegria a rodos estendida na alvura da toalha à mistura com petiscos.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:38
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Sexta-feira, 23 de Setembro de 2011

“RIBEIRA NEGRA”, “A CIDADE DE GARRETT”

Júlio Resende

 

Homenagear o pinto Júlio Resende anteontem falecido e, em simultâneo, Eugénio de Andrade é o meio escolhido para hoje celebrar oito anos de SPNI. Desde o início, duas vertentes caracterizam este espaço: escrita e pintura. Não planeando torcer o caminho, agradeço a todos os leitores e comentadores o favor de passarem por aqui e dalguns haver registos.

 

A propósito do mural cerâmico Ribeira Negra de Júlio Resende escreveu Eugénio de Andrade:

 

_ “Agora vinde cá, que vos quero dizer uma coisa. Como sabem, o grande cronista desta terra foi Camilo Castelo Branco, esse diabo, que não é tão feio como o pintam. Mas depois de Camilo vieram outros: o Ramalho, que era um homem de respeito, o Raul Brandão, que tinha um olho muito fino para os pescadores da Foz e para aquele mar, e já nos nossos dias, a Agustina, que fala do Porto ora com azeda melancolia ora com incomparável sedução. Mas a cidade tem outro cronista admirável, em que se não repara tanto por não se servir de palavras. É de Júlio Resende que estamos a falar. Agustina e Resende são em rigor contemporâneos, mas o olhar inquisitoriamente poético de ambos contempla realidades muito diferentes. O mundo que despertou o interesse da romancista é o da burguesia decadente, o da aristocracia rural, com algumas incursões às esferas da finança e da política; ou seja, um mundo pelo qual a pintura de Resende tem um soberano desprezo.

 

A gente a que o pintor sempre procurou dar corpo e alma, e que lhe sai ao caminho mal pega no lápis e no pincel, é aquela a que Fernão Lopes chamou arraia-miúda. Isto, que nunca passou despercebido àqueles que seguiram empenhados a sua obra, tornou-se pura evidência a todos quantos tinham olhos na cara a partir de Ribeira Negra, o magnificente historial da miséria e da grandeza da população ribeirinha do Porto, exposto pela primeira vez em 1984, no Mercado Ferreira Borges.

 

Há uma brutalidade nesta pintura, digamo-lo sem qualquer hesitação; brutalidade que consiste em obrigar-nos sem trégua a pensar que o homem é o mais mortal dos animais, que o seu corpo não cessa de ser corroído pela lepra do tempo, que o esplendor da sua juventude se converte com facilidade na mais grotesca paródia de si próprio, que tudo nele está inexoravelmente votado à morte. É uma crueldade, é certo, mas a compensá-la há também em Resende uma infinita piedade por estas criaturas cobertas de farrapos, quase sempre mulheres envelhecidas muito antes de serem velhas, porque tudo lhes faltou excepto o mais amargo da vida, e a quem também coube em sorte, apesar de tudo, semear a terra da alegria.”

 

Em A Cidade de Garrett, Fundação Eugénio de Andrade, 1993

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:22
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Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2011

NA HORA MORTIÇA, GRITOU O BREU

Pascal Chôve 

 

Nem tinha sido diferente o acordar. No breu do quarto, arrebanhou os precisos com o olhar de gato que a escuridão potencia mais o hábito mais o intuitivo saber dos sítios onde o pijama e as meias e os sapatos de casa caíram antes do deitar. Com tudo numa braçada, saiu. Só então, protegeu a pele nua do frio. Lavou o rosto e os dentes, alinhou com os dedos o cabelo; ao espelho, não se viu – conhecia de cor o reflexo pela insistência do nitrato de prata atrás do vidro em devolver imagens fiéis. Impiedosas por vezes. Cruéis nunca, que as coisas ignoram sentires e limitam-se a fornecer os objectivos que presidiram à respectiva criação.

 

Na cozinha, o almoço pequeno e frugal. Ligou a rádio. Nada de inesperado ou que não fosse sobra da véspera, como restos do jantar acondicionados em caixa tapada. Servidos em falta de paciência para novo fazer ou numa pressa comum. Lembrou o escuro e quem respirava sono nele. As razões dos pés nus ao sair da cama. O assim continuarem até à certeza do silêncio preservado. Para quê? _ Apaziguar consciência, descartar culpas incómodas? Não gritar em hora mortiça, nada querer daquele corpo outro, dormido ou acordado? Fumegava o café, gritou razões. Escancarou a janela da alma centrada no coração. Três portas cerradas entre o sítio negro e a luz e a rádio e os olhos fechados e o clamar do mal-querer.  

 

Moveu a perna semi-dobrada. Depois, o rosto imóvel. Sentiu a almofada e a maciez dos lençóis. Estendeu o braço para o lado. Inundou-a alívio por não lhe pertencer o drama. Alagou de prazer incontido a cama. No breu, sorriu.

 

CAFÉ DA MANHà

 

Cortesia de Veneno C..

 

publicado por Maria Brojo às 07:17
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