Segunda-feira, 9 de Fevereiro de 2015

LA DONNA É FELIZ? OU SOFRE DE MELANCOLIA?

Oleg Zhivetin - New_Addition_C.jpg

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Oleg Zhivetin – “New Addition”

 

 

 

Eu sou daquele tempo rela­ti­va­mente remoto em que mui­tos pro­ble­mas seriam resol­vi­dos caso as mulhe­res alcan­ças­sem o poder, em vez dos homens. Depois, houve That­cher, uma das mulhe­res com mais tes­tos­te­rona da his­tó­ria; e Mer­kel, Cris­tina Kir­ch­ner e Dilma. E pronto! Nada de subs­tan­cial, afi­nal, mudou

 

 

 

Os velhos roma­nos dividiam-se sobre estas maté­rias. Embora na época, segundo nos infor­mam Phil­lippe Ariès e George Duby na sua monu­men­tal His­tó­ria da Vida Pri­vada em cinco volu­mes, o poder em causa fosse aquele que se tem den­tro do lar. Os velhos paters eram amiúde con­tra o casa­mento con­si­de­rando que isso sig­ni­fi­cava um homem submeter-se ao poder de uma mulher (eles lá sabiam, meus filhos, eles lá sabiam).

 

 

 

Mas os médi­cos, por exem­plo, não só eram a favor do casa­mento, por­que às mulhe­res alguma ati­vi­dade (já se vê qual) faz-lhes bem, como defen­diam a tese de que o marido con­fi­asse na cara-metade, dando-lhe a cura (governo) da casa. “Vigiar o escravo padeiro, vigiar o fei­tor e dar-lhe os géne­ros de que neces­sita, dar a volta à casa para veri­fi­car se tudo está em ordem” eram outras ati­vi­da­des bené­fi­cas para as damas não se aban­do­na­rem à depres­são (melan­co­lia), tanto mais que as donas de que os his­to­ri­a­do­res têm registo eram ricas e não faziam mesmo nada – nem pentear-se, nem des­cal­çar os sapa­tos, nem tirar as ves­tes. Uma única coisa faziam sozi­nhas (e não é a que estão a pen­sar): lavar os dentes!

 

 

 

 

Já agora, aquela em que esta­vam a pen­sar, não era no recato de um quarto a dois. Havia escra­vos e escra­vas a cir­cu­lar. Diga­mos que a vila romana era pior do que um pré­dio de habi­ta­ção social… Sabe-se que um amante apa­nhado pelo marido no quarto da sua que­rida mulher, se jus­ti­fi­cou estar ali pela escrava. Um dos satí­ri­cos cita­dos por Duby e Ariès diz que “quando Andró­maca mon­tava Hei­tor” os escra­vos e escra­vas masturbavam-se.

 

 

 

Enfim, a vida já foi melhor para uns e pior para outros. A longa luta de liber­ta­ção femi­nina tem muito que se lhe diga e, embora justa no essen­cial, tem pas­sado anos de mais no des­co­nhe­ci­mento des­tes por­me­no­res da His­tó­ria que não dizem res­peito às brin­ca­dei­ras dos meni­nos – guer­ras, polí­tica, lutas – mas sim àquilo que é fun­da­men­tal: como nos rela­ci­o­na­mos entre nós? E nesse aspeto, sim, con­ti­nu­a­mos a lavar os den­tes sozi­nhos… só que tam­bém temos de tirar os sapa­tos e a roupa… e, em mui­tos casos, depois disso, temos de nos ves­tir outra vez.

 

 

Henrique Monteiro no “Escrever é Triste

 

 

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

 

publicado por Maria Brojo às 11:07
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Quarta-feira, 2 de Julho de 2014

DO “EL PAÍS”, “UM CANHÃO PELO CU”

 

Ron Pfister                                                                                                             Victor Dubreuil

 

O seguinte texto foi publicado recentemente no El País, tendo-se tornado absolutamente viral em Espanha. Reflete sobre o terrorismo financeiro e a captura económica. Faz uma análise sobre o capitalismo atual que está a incendiar não só Espanha como todo o mundo. O título é "Um canhão pelo cu", e é escrito por Juan José Millas.

 

“Se bem entendemos - e não é fácil -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo de classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.

Esse porco pode fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que ganhes mais caso suba, apesar de te deixar em maus lençóis se descer.

Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas - e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.

Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.

A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país - este, por acaso -, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.

Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública - onde estas ainda existem - os filhos, também eles produto de consumo desse exército protegido pelos governos de meio mundo mas superprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres. E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.

Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.

A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.

A economia financeira significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um porco com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.

Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger quem te vendeu, recorrendo a um esquema legal, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.

Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.

Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.”

Texto adaptado do escrito por Juan José Millas, enviado por Jaime Brojo Esteves

 

CAFÉ DA MANHÃ

publicado por Maria Brojo às 09:06
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