Oleg Zhivetin – “New Addition”
Eu sou daquele tempo relativamente remoto em que muitos problemas seriam resolvidos caso as mulheres alcançassem o poder, em vez dos homens. Depois, houve Thatcher, uma das mulheres com mais testosterona da história; e Merkel, Cristina Kirchner e Dilma. E pronto! Nada de substancial, afinal, mudou
Os velhos romanos dividiam-se sobre estas matérias. Embora na época, segundo nos informam Phillippe Ariès e George Duby na sua monumental História da Vida Privada em cinco volumes, o poder em causa fosse aquele que se tem dentro do lar. Os velhos paters eram amiúde contra o casamento considerando que isso significava um homem submeter-se ao poder de uma mulher (eles lá sabiam, meus filhos, eles lá sabiam).
Mas os médicos, por exemplo, não só eram a favor do casamento, porque às mulheres alguma atividade (já se vê qual) faz-lhes bem, como defendiam a tese de que o marido confiasse na cara-metade, dando-lhe a cura (governo) da casa. “Vigiar o escravo padeiro, vigiar o feitor e dar-lhe os géneros de que necessita, dar a volta à casa para verificar se tudo está em ordem” eram outras atividades benéficas para as damas não se abandonarem à depressão (melancolia), tanto mais que as donas de que os historiadores têm registo eram ricas e não faziam mesmo nada – nem pentear-se, nem descalçar os sapatos, nem tirar as vestes. Uma única coisa faziam sozinhas (e não é a que estão a pensar): lavar os dentes!
Já agora, aquela em que estavam a pensar, não era no recato de um quarto a dois. Havia escravos e escravas a circular. Digamos que a vila romana era pior do que um prédio de habitação social… Sabe-se que um amante apanhado pelo marido no quarto da sua querida mulher, se justificou estar ali pela escrava. Um dos satíricos citados por Duby e Ariès diz que “quando Andrómaca montava Heitor” os escravos e escravas masturbavam-se.
Enfim, a vida já foi melhor para uns e pior para outros. A longa luta de libertação feminina tem muito que se lhe diga e, embora justa no essencial, tem passado anos de mais no desconhecimento destes pormenores da História que não dizem respeito às brincadeiras dos meninos – guerras, política, lutas – mas sim àquilo que é fundamental: como nos relacionamos entre nós? E nesse aspeto, sim, continuamos a lavar os dentes sozinhos… só que também temos de tirar os sapatos e a roupa… e, em muitos casos, depois disso, temos de nos vestir outra vez.
Henrique Monteiro no “Escrever é Triste
CAFÉ DA MANHÃ
Ron Pfister Victor Dubreuil
O seguinte texto foi publicado recentemente no El País, tendo-se tornado absolutamente viral em Espanha. Reflete sobre o terrorismo financeiro e a captura económica. Faz uma análise sobre o capitalismo atual que está a incendiar não só Espanha como todo o mundo. O título é "Um canhão pelo cu", e é escrito por Juan José Millas.
“Se bem entendemos - e não é fácil -, a economia financeira é a economia real do senhor feudal sobre o servo, do amo sobre o escravo, da metrópole sobre a colónia, do capitalista manchesteriano sobre o trabalhador explorado. A economia financeira é o inimigo de classe da economia real, com a qual brinca como um porco ocidental com corpo de criança num bordel asiático.
Esse porco pode fazer com que a tua produção de trigo se valorize ou desvalorize dois anos antes de sequer ser semeada. Na verdade, pode comprar-te, sem que tu saibas da operação, uma colheita inexistente e vendê-la a um terceiro, que a venderá a um quarto e este a um quinto, e pode conseguir, de acordo com os seus interesses, que durante esse processo delirante o preço desse trigo quimérico dispare ou se afunde sem que ganhes mais caso suba, apesar de te deixar em maus lençóis se descer.
Se o preço baixar demasiado, talvez não te compense semear, mas ficarás endividado sem ter que comer ou beber para o resto da tua vida e podes até ser preso ou condenado à forca por isso, dependendo da região geográfica em que estejas - e não há nenhuma segura. É disso que trata a economia financeira.
Para exemplificar, estamos a falar da colheita de um indivíduo, mas o que o porco compra geralmente é um país inteiro e ao preço da chuva, um país com todos os cidadãos dentro, digamos que com gente real que se levanta realmente às seis da manhã e se deita à meia-noite. Um país que, da perspetiva do terrorista financeiro, não é mais do que um jogo de tabuleiro no qual um conjunto de bonecos Playmobil andam de um lado para o outro como se movem os peões no Jogo da Glória.
A primeira operação do terrorista financeiro sobre a sua vítima é a do terrorista convencional: o tiro na nuca. Ou seja, retira-lhe o caráter de pessoa, coisifica-a. Uma vez convertida em coisa, pouco importa se tem filhos ou pais, se acordou com febre, se está a divorciar-se ou se não dormiu porque está a preparar-se para uma competição. Nada disso conta para a economia financeira ou para o terrorista económico que acaba de pôr o dedo sobre o mapa, sobre um país - este, por acaso -, e diz "compro" ou "vendo" com a impunidade com que se joga Monopólio e se compra ou vende propriedades imobiliárias a fingir.
Quando o terrorista financeiro compra ou vende, converte em irreal o trabalho genuíno dos milhares ou milhões de pessoas que antes de irem trabalhar deixaram na creche pública - onde estas ainda existem - os filhos, também eles produto de consumo desse exército protegido pelos governos de meio mundo mas superprotegidos, desde logo, por essa coisa a que chamamos Europa ou União Europeia ou, mais simplesmente, Alemanha, para cujos cofres estão a ser desviados neste preciso momento, enquanto lê estas linhas, milhares de milhões de euros que estavam nos nossos cofres. E não são desviados num movimento racional, justo ou legítimo, são-no num movimento especulativo promovido por Merkel com a cumplicidade de todos os governos da chamada zona euro.
Tu e eu, com a nossa febre, os nossos filhos sem creche ou sem trabalho, o nosso pai doente e sem ajudas, com os nossos sofrimentos morais ou as nossas alegrias sentimentais, tu e eu já fomos coisificados por Draghi, por Lagarde, por Merkel, já não temos as qualidades humanas que nos tornam dignos da empatia dos nossos semelhantes. Somos simples mercadoria que pode ser expulsa do lar de idosos, do hospital, da escola pública, tornámo-nos algo desprezível, como esse pobre tipo a quem o terrorista, por antonomásia, está prestes a dar um tiro na nuca em nome de Deus ou da pátria.
A ti e a mim, estão a pôr nos carris do comboio uma bomba diária chamada prémio de risco, por exemplo, ou juros a sete anos, em nome da economia financeira. Avançamos com ruturas diárias, massacres diários, e há autores materiais desses atentados e responsáveis intelectuais dessas ações terroristas que passam impunes entre outras razões porque os terroristas vão a eleições e até ganham, e porque há atrás deles importantes grupos mediáticos que legitimam os movimentos especulativos de que somos vítimas.
A economia financeira significa que quem te comprou aquela colheita inexistente era um porco com os documentos certos. Terias tu liberdade para não vender? De forma alguma. Tê-la-ia comprado ao teu vizinho ou ao vizinho deste. A atividade principal da economia financeira consiste em alterar o preço das coisas, crime proibido quando acontece em pequena escala, mas encorajado pelas autoridades quando os valores são tamanhos que transbordam dos gráficos.
Aqui se modifica o preço das nossas vidas todos os dias sem que ninguém resolva o problema, ou mais, enviando as autoridades para cima de quem tenta fazê-lo. E, por Deus, as autoridades empenham-se a fundo para proteger quem te vendeu, recorrendo a um esquema legal, um produto financeiro, ou seja, um objeto irreal no qual tu investiste, na melhor das hipóteses, toda a poupança real da tua vida. Vendeu fumaça, o grande porco, apoiado pelas leis do Estado que são as leis da economia financeira, já que estão ao seu serviço.
Na economia real, para que uma alface nasça, há que semeá-la e cuidar dela e dar-lhe o tempo necessário para se desenvolver. Depois, há que a colher, claro, e embalar e distribuir e faturar a 30, 60 ou 90 dias. Uma quantidade imensa de tempo e de energia para obter uns cêntimos que terás de dividir com o Estado, através dos impostos, para pagar os serviços comuns que agora nos são retirados porque a economia financeira tropeçou e há que tirá-la do buraco. A economia financeira não se contenta com a mais-valia do capitalismo clássico, precisa também do nosso sangue e está nele, por isso brinca com a nossa saúde pública e com a nossa educação e com a nossa justiça da mesma forma que um terrorista doentio, passo a redundância, brinca enfiando o cano da sua pistola no rabo do sequestrado.
Há já quatro anos que nos metem esse cano pelo rabo. E com a cumplicidade dos nossos.”
Texto adaptado do escrito por Juan José Millas, enviado por Jaime Brojo Esteves
CAFÉ DA MANHÃ
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