Mihai Criste – The Last Paradox Mihai Criste - In Memory Of Rain
Obesa. Gordura sobrando das calças e da T-shirt justa. Por cima, polar e capuz enfiado até meio da testa num começo de manhã primaveril, chuvosa, fria a lembrar Inverno teimoso na despedida. Ténis. Tudo rosa fúcsia. Isolada no canto murado de um jardim, lia revisteca: “Cuore”. Rosa como a «farda» juvenil. Dezasseis anos, não mais. Longe doutros adolescentes em bando ou repartidos em grupos. Nem ela os via nem eles a olhavam com a cobiça incipiente que as hormonas em alta ou a mera curiosidade pela diferença suscitam.
No interlúdio do café, a repetência da garota, mulher futura. Só. Como encosto, ainda a parede, ainda o capuz cobrindo testa e cabelo. Indiferente e sita na margem da indiferença de rapazes que podiam ser namorados e não eram. O corpo anafado desobedecia aos padrões rígidos e comuns numa sociedade normalizada que cobiça nas prateleiras do super ou do hiper maçãs com brilho químico, tamanho semelhante, sabor a cortiça vinda do frio/conserva. Causas e efeito. Consequentes.
Desprezada, a mancha larga/pessoa ignorava o redor. Cegueira deliberada. Eriçada a proteção do «eu». Nos cantos, procurava refúgio. E sofria com a “Cuore” aberta que a vergastava com imagens estilizadas. Cruéis. Talvez ilusões nas gotas de chuva que recebia no rosto como promessas de um amanhã sem capuz. Outono antecipado na Primavera da vida.
CAFÉ DA MANHÃ
Mihai Criste
Bufam autocarros de rolar pesado, apitam condutores desabridos e desavindos com a pressa ou a dolência dos outros, agoiram dramas os sonoros avisos das ambulâncias, roncam ziguezagues as motas no caldo motorizado das vias urbanas. O «encarnado» impacienta pelo vagar, o «verde» angustia por ser curto demais, o amarelo pisca o olho aos peritos em «verde-tinto» - dele conhecem os segundos permitidos ao acelerador. Chiam travões nas passadeiras, rosna a subespécie humana promovida a condutor poderoso que os peões julga detritos dos escoadouros viários. E há o fumar-chupado de um cigarro, a beata largada pela janela, o tamborilar dos dedos no volante ao ritmo da ânsia pela chegada, as notícias e a falta-delas e a música e a patética voz (des)animada do locutor que a sintonia baba e a trauteada leitura do CD – quantas vezes raivosa, quantas entediada. E ao mecânico e rigoroso pulsar do tempo a subjetividade do indivíduo chama mentirosa.
Quem do tempo requer tempo para o tempo diário de «ser», começa por fruir desse tempo nos tempos que diria mortos. Sai mais cedo que a pressa. Ao volante, caindo o proibido-avançar, atenta nos enfeites da manhã, em detalhes da arquitetura que o hábito esqueceu. Ouve a cacofonia exterior como o respirar da vida, ou evita-a, cerrando os vidros, para deleite de música harmónica com o instante do «eu». E se é neutro ou soalheiro ou húmido ou frio o dia, quem ama o tempo dele ama e respeita o diverso. Aproveita a consciência do inexorável pulsar atómico para desfrutar do segundo que, ao pensá-lo, já passou.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros