Sorayama Hajime, Sally Davies, autor que não foi possível identificar
Pelas nove, antes do horário estipulado para trabalho, o uso de há um ano: entrar no quase boteco, quase restaurante, ajeitar uma cadeira, pedir um café bem cheio e um copo de água. Podia tomar a delícia em casa, mas perderia momentos de conversas facilmente audíveis de gentes comuns em frente, ao lado, no balcão. Futebol, se na véspera houvera jogo com um «grande», o estado da nação reflectido nas vidas, temas avulsos que só aos próprios interessavam, estes segredados, cúmplices.
Manhã soalheira e fria. À direita da entrada, no chão, um par de botas pretas, saltos íngremes levemente descascados na base, elegantes no conjunto, obedientes à moda. Estaquei. Quem as ali deixara como lixo sem pensar no recipiente ao lado que acumulava desperdícios, sem que a paróquia, centros outros de recolha solidária fossem hipótese? Intrigada, despedi cogitações – era pressa a dose de adrenalina matinal.
Estando o Sr. Pereira sozinho, os narizes mergulhados nos jornais não contavam, perguntei:
_ Bom dia! Sabe das botas, praticamente novas, ali depositadas na entrada?
E ele que sim, que delas soubera pela dona em fúria à conta dos pés maltratados após noite de trabalho, que tomara o pequeno-almoço e partira descalça. Lançou provocação às cozinheiras:
_ Porque não aproveitam as botas novas aqui à porta?
De dentro, respostas:
_ São lindas, mas amigas do serviço nocturno. Pergunte amanhã às colegas da dona se as querem.
_ Não enfio vícios em lado nenhum, quanto mais nos pés!
Ouvi e calei o débito de juízos morais e repulsa. ‘Não sou dessas’, seria réplica mais económica. Ponderei se os homens daquelas mulheres impolutas(?) não seriam clientes de quem elas desprezavam. Afinal, ao deitarem-se com os respectivos, sabiam se aquela ou outras acusadas não estariam presentes na cama pelos restos invisíveis neles deixados?
Ainda bebericando a mistura fervente e negra, lembrei cena no Julho passado. Temperatura de ananases. Almoço e passeio num parque cerca de casa. Sandálias com nesga de salto e tiras cruzadas que não resistiram a cabriolice num penhasco. Analisei o estrago: sem arranjo. Caminhar semi-calçada, era desconforto. Larguei-as em bom recato. Arrisquei cumprir a distância descalça. O asfalto, o empedrado escaldava. Arribou interpelação: quem me viu naquela figura rir pelo prazer do diálogo e da aventura que terá pensado? _ Excêntrica, desavergonhada, ‘mulher da vida’ que a tudo se habitua? _ E se fossem alinhar pêlos a macacos?
CAFÉ DA MANHÃ
O segundo vídeo é devido a cortesia do Cão do Nilo.
Mort Künstler
Um escolho na cidade. Odores promíscuos para os doutrinados ocidentais. Gosto fácil para os pechincheiros urbanos ou para lascívias inquietas. “Transversal o sexo das chinesas, oblíquo o das mulheres de Java, em cruz nas mulheres de Bornéu, flor obediente nas de Samatra, magnéticas as naturas das mulheres do Industão, vasto e profundo percorrido pelos ventos da monção nas do Songo, semelhante a ostra que dentro guarda duas pérolas em cada mulher de Malaca.” A história de Simão Montalegre, verdadeira Peregrinatio ad Loca Infecta, que Abelaira conta. O bosque harmonioso que alguns incessantemente procuram?
Em Nova Iorque, Chinatown tem ao lado os lofts de TriBeCa - "Triangle Below Canal Street", - que Robert de Niro prefere, o listado verde, branco e encarnado da deliciosa Little Italy onde pouco resta da presença mafiosa de outrora. Os espécimes alimentares exóticos, vivos ou secos, expostos em bancas, intrigam a vista e o olfacto do sobe-e-desce contínuo da multidão. Que procura a gentiaga que arrebenta as costuras do bairro? A diversão pela diferença e o mesmo que no desfigurado Bairro de Campo de Ourique, por ora pejado de dragões e descoradas lanternas penduradas às portas – a pechincha ou a contrafacção d’encher-o-olho por meia dúzia de moedas.
Dias sem noites arrastadas numa pindérica Chinatown lisboeta. Nunca sítio em moda, nunca um James Bond salvando beldade azougada.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros