Jack Vettriano, Klimt
Pijama de cetim preto enfiado ao pular da cama. Camisolão por cima. Meias de lã e sabrinas. Estremunhada, abriu o frigorífico. Encheu com leite o copo. Atestou de água e «café das velhas» a máquina. Ligou-a. O chá verde esperava. Ouviu o noticiário da hora certa. Soube do essencial ocorrido, desde a véspera, no mundo enquanto dormia. Retirou da tomada o carregador do telefone - ligá-lo-ia após as trivialidades seguintes ao acordar. Antes, gozaria a solidão de quem madruga quando outros dormem ou se afadigam nas abluções, no vestir, em pegar na pasta, nas chaves do automóvel ou na corrida para o transporte público. Não ela. Manhã por conta até às onze.
Confortável, premiu o «on» do computador. Eliminou o inútil do correio, leu o restante. Intermezzo para reforço de cafeína pingada pela ‘nespresso’. Chávena quente na mão, deslizou na leitura enquanto bebericava líquido e espuma. Quase tudo desinteressante a legitimar o «elimine» até ao inesperado. Recostou-se na cadeira e repetiu a leitura não tivesse entendido à primeira. Mas tinha. Releu. Azul em branco, desabafo d’alguém que estimava, lhe merecia admiração, não via há ror de tempo – dois, três anos ou mais que o voltear da Terra é enguia que escapa das mãos.
Houvera encontro no lançamento do livro, dois outros profissionais: o segundo deslizaria para intimidade ligeira e circunstancial, o terceiro obediente à formalidade prevista na ocasião. Evitava lembrar o último: desrespeitara diplomacia competente ao sentir-se traída pelo que meia hora antes fora combinado, a sós, com o mandante da empresa. Saíra a meio da reunião. Demitira-se nesse mesmo dia, sufocada pelo sentimento de falsa fé quando a lealdade fora linear da parte dela. Com os dias esquecera o sucedido até à leitura do e-mail. Mentiroso esquecimento, concluiu. E soube que gravara na memória todos os detalhes dos encontros, da malvada reunião, que, agora, sorria, feliz, harmónica com o lido no inesperado e-mail.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros