Duy Huynh
“Era o pinheiro mais alto aqui do bairro
o único dos quatro iniciais
o arquitecto a desenhar sem lhes tocar
e eu a gritar-lhe
livre-se nem um risco a mais
Altaneiro
parecia um farol sem faroleiro
Atrevido
deu´em rachar o muro alto do vizinho
o perigo era grande e espreitava
e eu fazendo de conta assobiava
adiando o inadiável
Era Janeiro e o meu pai partia...
(ele que também o defendia)
Então pois tem de ser
marcou-se o dia
e o meu coração atormentado
inventava ainda uma espécie de milagre por acontecer
Ao cair da noite
olhei-o e demorei o olhar
mal sabes tu que será a última vez que anunciarás o nascer do sol
Fugi antes do crime
mal embrulhada em roupa velha e quente
atravessei avenidas e ruelasnos ouvidos as máquinas e as serras
e a seiva a correr em lágrimas
voltei a custo ao fim da tarde
Fiz o luto dos DOIS adoecendo
Postura igual desassombrada
Um velho e doente, o outro não, presente
e a vida roubou-me os dois tão indiferente
como se não doesse nada
Quando os dias cresceram de novo e aqueceram
e voltei ao meu pequeno mundo
reparei que o céu era maior e mais azul
Era verdade que Deus fecha uma porta escancarando uma janela
Pois é
há um lugar dentro de nós
onde se guardam os pais os amores os pinheiros bravos
e os nossos queridos bichos
como se fosse a nossa arca de Noé
Ainda hoje o lembro com culpa e com saudade
e na cama de rede que criei onde ele estava
me deito
sonho e olhando o céu
espreito o nascer do sol como ele espreitava...”
Nota – texto escrito por Era Uma Vez
CAFÉ DA MANHÃ
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