Sábado, 21 de Dezembro de 2013

NA VERTIGEM DO SOLSTÍCIO DE INVERNO

 

  

Carl Rakeman                                                                                                           Autor que não foi possível identificar

 

O domingo dealbara com sol. A tepidez que desde a manhã sentira nos pés nus no passarinhar pela casa anunciara-lhe dia feliz. Sentiu-o primeiro na pele, depois na alma ainda quente pela véspera prenha de afectos. Como sempre fazia, ligou a máquina de café, premiu a tecla do comando que pela voz a ligava ao mundo. Na cadeira verde-lima, tomou assento. O leite, temperado com cafeína, escaldava na chávena que segurava nas mãos. A casa ainda dormia – cuidadosamente, fechara a porta que a separava do resto do seu mundo. Entretanto, bebericava o café, agora puro e sem açúcar. A chávena verde-lima como a cadeira, como o pano de cozinha ao lado do lava-louça, como a chaleira-termo que durante o dia lhe confortaria a sede. Uma de muitas. Algumas entesouradas e de que não abria o cofre de ouro para onde as remetia.

 

Maquinalmente, ligou o computador que, indiferente ao sentir e à data, lhe depositava o correio sob a consciência. Leu novas, apagou velhas que para outrem constituíam estreia. Em dois gestos desligou a luz do monitor e cerrou o portátil maneirinho que, ao contrário da máquina fixa, lhe transmitia a ilusão de caixa oculta após o ato de a fechar. Odiava presenças impositivas. Por isso, pouco uso fazia do escritório onde os papéis, jamais os livros e as telas, lembravam obrigações. Que somente cumpria chegado o momento de transformar em gozo o tédio sugerido.

 

Pouco antes do domingo meado, saiu da bocarra funda e larga onde o automóvel dormira. Queria receber em cheio no rosto o sol do Solstício de Inverno quando fossem passados quatro minutos do meio do dia. Queria celebrar, na rua, o início da crescença da luz diária. Queria sentir o começo dos quase noventa dias da estação fria que, a 20 de Março, o Equinócio da Primavera termina. Conduzia encadeada pela beleza da cidade soalheira, pelos tons secos ou afogueados da Terra nas árvores semidespidas e nos relvados adormecidos. A cidade com eles.

 

Na descida para a Praça de Espanha, tão absorta deslizava, que na mudança de faixa fez sinal tardio. Travou sem impedir o encosto suave ao veículo que na outra seguia. Saiu ela e o condutor surpreso. No olhar cruzado, houve compreensão na vez de escândalo. Miradas as latas intactas, persistiu a vertigem do instante que marcava o nascimento do sol de acordo com as crenças antigas. A ambos tomou de assalto o início do novo ciclo que eles e a natureza empreenderiam. E a cidade vazia. E eles sorrindo nas palavras trocadas. Sentindo no sangue o privilégio da partilha.  

 

Ao contrário da azáfama em busca de prendas talvez memórias, optaram, desafio dele, pelo Tejo a Sul. Do dia mais pequeno do ano fizeram o maior. Talvez história breve, sem lastro, talvez marco de amanhãs e futuros Natais.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:54
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