Autores que não foi possível identificar
A meio do período de folia decretado pelo calendário, lembro boémios doutras eras que, com classe ou falta dela tendo emborcado uns jarros de vinho ou mistura mais fina, eram personalidades faladas na Lisboa da cultura, conhecidas dos estalajadeiros, donos de tascas e hotéis, caveaux e livreiros.
Fialho de Almeida, teria feito no dia 4 deste Março cem anos, era um deles. Demorou os estudos e somente aos 38 concluiu Medicina como cumpria a estudante que mais desejava fazer e saber do que nomes de cada ossinho e víscera do corpo humano. Quando em forma de livro dão à estampa “Os Gatos”, nele Fialho explica o título _ “Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato. Ao crítico deu ele, como ao gato, a graça ondulosa e o assopro, o ronrom e a garra, a língua espinhosa e a câlinerie. Fê-lo nervoso e ágil, reflectido e preguiçoso; artista até ao requinte, sarcasta até à tortura, e para os amigos bom rapaz, desconfiado para os indiferentes e terrível com agressores e adversários.» [...] Desde que o nosso tempo englobou os homens em três categorias de brutos, o burro, o cão e o gato – isto é, o animal de trabalho, o animal de ataque e o animal de humor e fantasia – porque não escolhermos nós o travesti do último? É o que se quadra mais ao nosso tipo, e aquele que melhor nos livrará da escravidão do asno, e das dentadas famintas do cachorro.”
Eça de Queiroz, senhor na boémia elegante e endinheirada, comentou crítica favorável à obra: _ “O artigo do Fialho – est tout à coté. Quero dizer, dá grandes golpes, mas caem ao lado do livro e fora do livro – nenhum sobre o livro. Criticar o livro, como ele faz, não pelo que é, mas pelo que devia ser – é ridículo.” Mais tarde, escreveu ao Fialho. Constava na missiva: _ “Em Portugal há só um homem – que é sempre o mesmo ou sob a forma de dândi, ou de padre, ou de amanuense, ou de capitão: é um homem indeciso, débil, sentimental, bondoso, palrador, deixa-te ir; sem mola de carácter ou de inteligência, que resista contra as circunstâncias. É o homem que eu pinto – sob os seus costumes diversos, casaca ou batina. É o português verdadeiro. É o português que tem feito este Portugal que vemos.”
Humor corrosivo, literariamente genial como o das passagens transcritas escasseia no presente. Basta ler o agora produzido, assistir, minutos que sejam, às graçolas carnavalescas e a convicção primeiro, entranha-se, depois, cria raízes.
CAFÉ DA MANHÃ
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