Tetsuya Ishida
“Não urines de pé, virado de frente para o sol: desde que se ponha, recorda-o, e até que surja não deves urinar na via ou ao lado dela, ao caminhar, nem se estiveres nu. As noites pertencem aos bem-aventurados. Sentado o faz um homem piedoso, que conhece a prudência, ou encostado a um muro de um pátio recolhido. (...)
Nunca urines na foz dos rios que deslizam para o mar, nem nas fontes deves urinar, mas de todo evitar tal coisa; nem deves defecar nunca; tal não é vantajoso para ti.” (Hesíodo)
O tal de Hesíodo, que até ao lido não conhecia de parte nenhuma – também para educar o povão iletrado como eu serve a blogosfera -, era um cromo daqueles! Que em todos os tempos os houve e nos que vindouros também. Quis saber mais da biografia do grego, mas pouco logrei: considerando-se injustiçado (de facto, ressabiado) com a distribuição da parca herança paterna entre ele e o irmão, encantou-se com musas que o tornaram poeta popular. O António Aleixo lá do sítio, com a subjetividade elevada à enésima potência.
Do excerto acima transcrito da sua obra maior, “Os Trabalhos e os Dias”, perpassa fundado respeito pela natureza traduzido numa cidadania polida e ecológica, a deixar longe muitos dos machos-humanos do presente. “Não urinar na via ou ao lado dela”, “na foz dos rios (...), nem nas pontes (...), nem defecar nunca” são louváveis normas de conduta. Contradição perturbadora é a validade de algumas estar circunscrita ao período noturno. De dia, regabofe, à noite, civismo. E qual a razão que subjaz ao princípio de não urinar de frente para o sol? Não havia buraco de ozono, nem os ultravioletas eram conhecidos. Modéstia perante o Deus Sol? Este fazia parte do Olimpo?
Por outro lado, parece-me contranatural a recomendação de homem piedoso urinar sentado. Tão horríveis eram consideradas as partes pudendas ou era a modéstia causa? Bem basta o sexo feminino necessitar de assento para levar a cabo a função. Décadas atrás, e não vão mais do que cinco, as mulheres rurais erguiam um pouco as saias amplas mais a alva camisa-de-baixo, e, afastadas as pernas, “aqui vai água!” Giestais, hortas e penedos foram testemunhas silenciosas dos idos do urinar em pé feminino. Que tente mulher de hoje fazer o mesmo – até tirar os atavios, em vez do “vou fazer” concluiria “já fiz!”.
CAFÉ DA MANHÃ
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