Quem do chão afasta progressivamente o olhar, descortina belezas em lugares anónimos da rua, do em frente.
Grenás diluídos no horizonte. Apetece descobrir mais desse longe vislumbrado. Ter asas e voar. Saber do além da cidade grande mergulhada em Outono.
CAFÉ DA MANHÃ
Autor que não foi possível identificar
Passados dois terços do Verão, ainda os pavimentos suam acalorados, já ela distingue cobre nas folhagens das tílias e plátanos, o verde que murcha nos fetos dos pinhais e escurece copas frondosas. Não o verde quase negro à mistura com cinzento que pinta arbustos e árvores em Nova Iorque. É outro. Remete para o dos ciprestes destacados no ocre dos solos agrícolas da Toscânia onde apetece rolar na imensidão aveludada pelas sobras de palha das colheitas. E se ela não o compara ao dos sobreiros do Alentejo amado, tem uma razão: os caules laivados de vermelho se a riqueza da cortiça lhes foi escamada e os deixou nus como ovelhas sem lã após a tosquia.
Passados dois terços do Verão, já ela conhece pelo relógio íntimo o descair mais cedo do Sol no horizonte com suavidade dourada e ígnea sempre crescida até ao arrumo para sono tranquilo. E chega a noite das estrelas e grilos, dos pirilampos que lampejam em dança de sedução que as fêmeas aguardam, a mulher também. E por ali fica esquecida da janta. Por ali, rente ao chão e à alma, espera do turquesa o azul noite que a irá despir.
Hoje, a mulher baila, feliz, tarantella. Inventa brisa como par. É do Outono a chegada, mansa, sem despedir rudemente o ciclo que termina.
CAFÉ DA MANHÃ
Chris Peters, Gustave Courbet
Não sei quem escreveu, tão pouco se é dito popular, mas por voz amiga soube: “O Outono é a Primavera do Inverno”. Ora, implantado «calor de ananases» em cada dia nascido, garantindo os meteorologistas não haver perspectivas de nuvens que vertam o líquido que nos constitui e ao planeta em cerca de 70%, escasseia o bem maior. Em Bragança, é tempo de secura nos solos e nos ribeiros; a água potável em reserva apenas satisfaz as necessidades das 35000 pessoas afectadas durante mês e meio. Secura também nos pastos alentejanos. Dramática antevisão do que aos vivos espera daqui a décadas continuando desperdícios insanos.
Vozes se alevantam contra a entrada paga aos domingos nos museus. Por esta, estou de acordo com a decisão desde que duas horas, ou uma e meia antes do encerramento sejam, diariamente, gratuitas. Em Londres, Paris, Nova Iorque, Paris e noutros lugares o mesmo acontece desde que me lembro e não consta ter diminuído a afluência dos esfaimados por cultura ou dos curiosos. Mesmo considerando que se trata de países ricos cuja população tem nível de vida abissalmente melhor que o do nosso povo, os convénios com instituições, escolas entre elas, as horas gratuitas de visita previnem acesso a todos. Fosse substituído pelo transporte público a inundação de automóveis no regresso a casa, haveria ganho de tempo para visitar «à borla» um museu - está subentendida franja de compatibilidade nos horários. Depois, sábados e domingos também são dias para aproveitar horas da tarde em visitas graciosas, assim haja querer.
Nota: começa hoje e termina no domingo a Feira do Livro de Frankfurt – montra privilegiada para os livros escritos em português.
CAFÉ DA MANHÃ
Anthony A. Gonzale, Bob Cornelis
Nesta cidade de Lisboa onde já pinga Outono nos ventos que correm nuvens e bamboleiam plátanos jovens, foram abertos gavetões, gavetas e outras em ponto menor. Achados pertences em desuso, alguns nenhum ou pouco uso contabilizam por terem sido adquiridos ‘numa’ de just in case. A cautela trouxe-os, o case não aconteceu - jamais pernoitou, até agora, gentiaga amiga ou de família que justificasse estreia ou emprego consecutivo dos haveres armazenados. Como não há feitio para desperdiçar existências, repousam em sacos, prontos a marcha que termina na casa beirã em remodelação. Com a tarefa exaustiva de espiolhar arrecadação e armários veio sinal de alerta: coluna dorida. No entusiasmo e pressa, posta de lado a postura correcta para levantar pesos – abdómen contraído, costas aprumadas, dobrar os joelhos. Fica o aviso para a barrela do tecto ao chão que daqui a par de dias começa. Ver tudo reluzente dá gosto, mas, preferencialmente, com a mulher em condições de executar, sem parança, o necessário. E o Senhor Mário que se vá preparando para os socalcos e muros de granito que os sustêm bordejados por sebes de crescimento rápido porque as videiras, de tão antigas, orgulhosas sobreviventes, surgem aqui e ali desalentadas. O resguardo das prometedoras, havendo saber e cuidado, lembrará o esplendor rural de outrora, a azáfama das vindimas, a feitura do vinho no lagar da loja, o cheiro a mosto.
É o Outono que chega nos sinais da Terra, da atmosfera, das memórias, na malha sobre os ombros, na vontade de preparar «outonos» de algumas vidas que a boa Estrela acoita e acoitará.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros