Quinta-feira, 23 de Janeiro de 2014

GAIOLA DE VIDRO (I)

  

Tony Chimento

 

Uma casa. Nova. Torres de apartamentos, no conjunto, encerrados por grades. Jardins em construção. A cova da piscina forrada e vazia. Como as casas cujos compradores ainda não habitam. Porteiro e telefone na receção a impedir entrada livre da família, de amigos, o simples tocar da campainha e resposta pelo intercomunicador. Porteiro que ao comunicar com os proprietários vira costas a quem espera sob vento gelado, não seja recusada admissão por inconveniência do momento e exigida por resposta “não está ninguém”. Condomínio que de tão fechado engaiola quem lá vive. Liberta de intrusos, afasta a realidade quotidiana das paredes de vidro a partir das quais somente luzes e «luziratos» provam existir cidade outra, mais vidas além das resguardadas que ali fazem lar. Nem buzinas exaltadas sobem ao enésimo andar. Foi escolhido e obtido silêncio. Largueza e mármores cujo brilho encandeia. Dentro, madeiras nunca vistas, ambiente produto de estirador e decoradora. Onde ficas Lisboa das cantinas sociais que amparam misérias, dos desvalidos, dos embrulhados por jornais nos vãos que protegem, mal, da chuva?

 

Qualidade de vida(?) e luxo amalgamados. Beleza? Design raro? Impressiva arquitetura? _ Sim! Todavia, assusta a perfeição. Talvez quem assim opina seja campónia habituada a condomínios modestos se comparados àquele.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 09:20
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Segunda-feira, 19 de Agosto de 2013

O CAPITÃO DA AREIA

 

Ernani Oliveira

 

O Capitão da Areia não tem pedigree e orgulha-se do seu passado de puto das ruas da beira-rio de Lisboa, profundo conhecedor dos meandros da pulhice autêntica, amigo de outros putos de caras envelhecidas, com eles frequentador das casas de «meninas», onde, empertigadamente, se faziam passar por mais velhos frente à jurássica proxeneta, na esperança de uma espreitadela, quiçá de um favor a troco de outro favor.

Nas outras horas vagas, mergulhavam no rio e o seu sonho era emparceirar com uma "toninha", nem que fosse por breves segundos, para depois alimentar tempos intermináveis de tédio no café do bairro, cantando as suas prosápias. Outras vezes, entravam nos navios ancorados e sonhavam com viagens, aventuras, mulheres de beleza exótica fazendo questão de emparceirar nos trabalhos de bordo com os marujos autênticos, ainda que a troco de um maço de cigarros.

O Capitão da Areia possuía, no entanto, um dom que o diferenciava dos restantes. Para a sua curiosidade natural de puto, procurava obter sempre respostas elucidativas, não se detendo nas meias-tintas. Era igualmente um observador nato do que se vê à vista desarmada e do que se não se vê nem com poderosas lupas, daquelas iguais às da montra na "casa do prego" do Sr. Leitão, para os lados de Santo Amaro. Pressentia intuitivamente os anjos ou demónios que aureolavam as pessoas e as situações. E foi por aí que ele deu a volta. Com curiosidade sempre, observando, compreendendo.

Algumas dezenas de anos após, ei-lo afirmando viver no Bairro de Alcântara, escrevinhando para jornais, provocador umas vezes, ironicamente amargo outras, folgazão, meio louco, sempre a sério em todas as facetas, mas recalcando algumas frustrações. Uma delas, sei eu de verdade verdadeira, é a de ter entrado na curva descendente da vida e não ter viajado ainda no seu saveiro (que desenhou e tudo), em direção aos mares do sul para aí, render a sua, pessoal, íntima,  homenagem ao patrono inspirador que lhe mostrou e apresentou os putos de outras ruas, os capitães de outras cidades, de outros mundos e lhe abriu a porta de uma esperança desmesurada, quase concretizada, mas hoje, irremediavelmente utópica.

 

(…)

 

Nota: texto integral aqui.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:44
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Sábado, 22 de Outubro de 2011

SENHORA/PUTA

Al Moore

 

Há muito tomou assento no lugares-comuns sociais a ideal combinação senhora/puta, respeitados que sejam os locais convencionados: a primeira à mesa, a segunda na cama. Ora, este é conceito tacanho, remetendo para o tempo das delicadas essências senhoris por oposição ao fedor encorpado na meretriz de rua. Hoje, olfacto e visão falham como juízes quando damas de aluguer adoptam postura de senhora. Ou o contrário para as misteriosas "belle de jour".

As putas genuínas, as que no trottoir têm lugar marcado ou andante, perderam algum do exotismo que lhes adivinha da boçalidade dos gestos e excentricidade do visual. Lêem, por ora, revistas cor-de-rosa, copiam as calças, cabelo, postura e maquilhagem da Cinha Jardim. Quem as vir tomará como certo que os lusos supermercados do sexo não descuram embalagens ou certificações. Problema: como no demais que é nosso, atamanca-se o fundamental por ausência de fundos ou pachorra ou incapacidade e apura-se a caiadela que o velho fará luzir como novo. Um despacho.

 

Desde há séculos, a moral hipócrita transmitida de geração em geração maldizia os apetites sensuais e o gozo do corpo. Mais grave na tabela dos pecados se feminino. Meninas educadas para a modéstia, castidade até ao casamento e, daí em diante, sempre com o objectivo da procriação. Importante: não esquecer Ave-Maria antes, Pai Nosso depois ou qualquer reza equivalente. Como fosse imolação.

Voltando às putas senhoras e às senhoras putas. Mulher que é mulher não confundiu educação e diploma académico com peça de enxoval. Ginasticou o intelecto, apurou polimento sem esquecer regar a lascívia no íntimo jardim dos prazeres. «Putices» ou não. E quando mulher assim caminha, inebriada pelos sensuais apelos dos canteiros onde frui delícias, não cuida de dissecar com pinça e bisturi a proveniência dos desvelos sexuais a que se entrega. Ondulando no desejo, os suspiros e a fala dura nos tais momentos de ascensão directa aos céus, serão, classicamente, impulsos de rameiras? Inerentes à mulher via herança da mãe natura? Degenerescência civilizacional? Aprendidos na feitura de delicados bordados em ‘ponto pé de flor’ é que não.

 

Nota: devo aos colaboradores Veneno C., Acuçar C. e Cão do Nilo os três vídeos sobre o assassinato de Muammar Abu Minyar al-Gaddafi publicados hoje no 'Café da Manhã' de ontem.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

Sugestão de Veneno C.

 

publicado por Maria Brojo às 07:12
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