Peregrine Heathcote
"Na antevéspera do Ano Novo Judaico, Boris Sylberstein, patriarca judeu e a mulher, Sara, moradores num kibutz perto de Telavive, visitam um dos seus filhos na capital de Israel:
_ Jacobzinho, odeio ter que te estragar o dia, mas o Pai precisa de te dizer que a Mãe e eu nos vamos separar depois destes 45 anos!
_ O Pai enlouqueceu! O que é que está a dizer? ─ grita Jacob.
_ Já não conseguimos sequer olhar um para o outro. Vamos separar-nos e acabou-se! Liga à tua irmã Raquel a contar.
Apavorado, o rapaz liga para a irmã, que vive em Viena e conta-lhe a terrível notícia. Raquel fica em estado de choque, ao telefone:
_ Os nossos pais não podem separar-se de maneira nenhuma! Chama já o Pai ao telefone!
O ancião atende e a filha balbucia emotivamente:
_ Não façam nada até nós chegarmos aí amanhã, ouviu? Vou telefonar também ao Moisés para São Paulo, ao Salomão para Buenos Aires e à Ester para Nova Iorque e amanhã à noite estaremos aí todos. Ouviu bem Pai?
Desliga, sem esperar pela resposta do Pai. O velho pousa o auscultador no descanso, vira-se para a mulher e, sem que Jacob ouça, diz-lhe em voz baixa:
_ Pronto, Sara, vêm todos para a Ano Novo. Só que, desta vez, não temos de pagar as passagens!…"
CAFÉ DA MANHÃ
Peregrine Heathcote Autor não identificado Célia Ribeiro
Lembrei-me dela. Mulher linda. Portuguesa. Natural de Vila Franca de Xira. Quando ouvi mencioná-la pela vez primeira, contava trinta e dois anos. Não desmentia a antiga perfeição física justamente atribuída às hospedeiras de bordo que a multiplicação «pipoqueira» das companhias aéreas por ora nega - bonit(inh)as, sim, mas algumas semelhantes a chewing gum mastigado.
Meia dúzia de anos no Dubai ao serviço do Projecto Dhaka criado em 2005. Objetivo: Interromper o nó da pobreza atávica no Bangladesh encontrando trabalho para os pais das crianças de rua, enquanto as protege. Modo único de cortar o laço infeliz. Em 2009, foi considerada “Mulher do Ano” pela revista “Mulher dos Emirados” (Emirates Woman). Anteriormente, 2007, havia sido distinguida com o prémio “European Union Woman’s Inventors and Innovators Network”.
Os acasos são casos da vida. Possíveis futuros. Maria do Céu permaneceu, em escala, 24 horas em Dhaka. Confrontou-a realidade que sabia das notícias, alterada pela experiência. No hotel, indagou o que havia para conhecer. Por resposta:
_ Nada. Só orfanatos.
Quis saber do mundo sem tapetes e luxos. Visitou o orfanato da Mãe Teresa. Num hospital, conheceu adolescente de dezasseis anos, mãe de gémeos, rodeada de inúmeros doentes em macas ou no chão. Companhia suplente: cães e gatos. Higiene nula. Ofereceu-se como voluntária. Rejeitada – pois se os hospitais estavam limpos e nada fugia ao normal, para quê admiti-la? Não desistiu. Engendrou modo de formar e acolher meninos na rua «vendilhando» o possível. Seis meses passados, o namorado cansou-se. Ela persistiu.
Em 2010, compatibilizava "assistente de ar" com trabalho árduo na iniciativa solidária que fundou. Colegas contribuíam. Roupas, brinquedos – têm filhos -, amostras de gel, champôs, papel higiénico, os últimos subtraídos nos hotéis de pernoita, eram aproveitados.
O “Projecto Dhaka”, iniciado com 39 crianças numa casa alugada, pouco tempo após, dava casa, comida, roupa e educação a 600 meninos(as) cujo voar assistia. Tem creche, escola infantil, primária e secundária, centro dentário. No Catalyst, agregou cerca de sessenta pais. Os filhos ensinavam-lhes inglês. Depois, a busca de empregos. Conseguiu. Pais remunerados por trabalho digno permitem que os “meus meninos” possam ter escolaridade até aos 18 anos e formação posterior.
Há três anos, Maria do Céu da Conceição sonhava abrir orfanato no Brasil para crianças das favelas. Hoje, ignoro-lhe o rumo. O da instituição pode ser encontrado aqui. Aconselho a visita.
CAFÉ DA MANHÃ
Peregrine Heathcote
Folgo em saber, que a cintura das calças volta às cinturas femininas. Não enjeitando arejar do corpo o possível, ainda que «compostinho» – o bom senso e o pudor é bonito! -, bastas vezes o gesto de me sentar se revelou delicado. O cós baixa, o fio íntimo sobe e quando o fresco se insinua por onde não era suposto, o melhor é pôr a mala atrás das costas. Um desassossego. Prazível é o definido ondular da anca e a cintura nua ao caminhar. Como não entender que gramas a mais não impeçam a tantas mulheres igual satisfação? Não é deleite para os olhos, concedo, mas se à própria satisfaz que frua do corpo solto. E depois, há que optar entre cinturas cingidas no meio de pneumáticos, lembrando a velha publicidade protagonizada pelo homem Michelin, e o pingue bambo do peito até ao cós. Dos homens e das mulheres.
Mas são os vestidos que me tentam nos estios. Se um ‘tudo nada’ retro tanto melhor. À imagem e semelhança dos vintage que os anos não desbotam. Leves, presos por tiras, decote em bico e alças no pescoço. Ficam as costas libertas e dispensados interiores. Pernas embrulhadas em calças evito quando a calidez insinua liberdades, acelera o respirar e incendeia a pele. Um vestido é peça única que num simples desfazer do laço aos pés cai sem préstimo. A ponta do pé chega para, num toque breve, o afastar.
CAFÉ DA TARDE
Peregrine Heathcote
Antes, algumas (re)miram-se ao espelho, pela frente, por detrás, de lado. “Lá está!”, ruminam, “sorte malvada. Rios, quais rios?, oceanos de dinheiro gastos em massagens, agulhas de mesoterapia, elétrodos mais as tremuras, e as coxas insistem na superfície lunar. Minha querida, ou acendes Nvelas e apagas, ainda vestidinha, as luzes, ou lá se vai o andor.” Entretanto, eles cortam os pêlos do nariz e das orelhas, espremem os pontos negros, no banho esfregam como condenados, a cabeça e os sovacos, encolhem a barriga até mal respirarem, verificam se são compatíveis os minutos sem inspiração com despir a mil à hora e aterrarem em cima delas que, salvo as sabidonas, tomarão por impetuoso o balanço, tão certo como quatro ser o dobro de dois.
Chegado o momento da verdade dos corpos, pela ânsia de satisfação do espírito que a carne comanda, nem eles nem elas se deterão no que antes fora temor. Depois, ah, sim!, depois, é que são elas. Eles atentam nas curvas, ou na ausência delas, que a roupa escondia. O peito e as pernas, de novo essas traidoras!, sem saltos e rentes ao chão, roubam da altura metade. E, ou são curtas, ou grossas de mais em baixo e falhas em cima; o rabo que os fascinou e parecia harmonioso, tanto desaparece como engrossa. Gostam de agarrar, é certo, mas menos era o bastante.
Se a noite for farta e preguiçar pela madrugada, não será à primeira, mas da meia dúzia em diante, vem a hora do pijama. Ora, neles, este é momento decisivo. Um clássico de bandas e debrum nas virolas? Desportivo de malha de algodão? T-shirt e calças de treino? Tudo serve, assim condiga o estilo com o indivíduo. Porém, marretada que não merecemos, é enfiarem eles dentro das calças a parte de cima do pijama. Está por nascer o amante capaz de, aos nossos olhos, resistir a prova tamanha. Inquietante case study este: julgarem as gripes semelhantes a melgas ou a pulgas que se infiltram, sorrateiras, pela cintura. Podem crescer literal e metaforicamente, que destas canduras eles não se livram. Adoráveis pela santa ignorância que nos diverte. Bem hajam!
CAFÉ DA TARDE
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros