Jean Gabriel Domergue
Segundo os padrões familiares, nova demais para assistir ao Teatro de Revista quando o esplendor lhe pertencia, vi a primeira ‘revista’ pouco antes do 25 de Abril de 74. Recordo-me da sensação de forma de teatro menor, conquanto divertido, cenicamente encantador. Falas brejeiras, muitas; as de censura à censura vigente e à sociedade portuguesa mais aos governantes, por tanto curarem da discrição, somente entendimentos treinados as assimilavam. Na altura, jovem espigadota, enformada pela doutrina vigente, não fora a liberalidade da JEC, restaria surda e cega ao sistema ditatorial.
Com o espírito de então, ao Teatro de Revista chamaria 'pimba' fazendo uso da atávica arrogância juvenil a pender para o ‘intelectualóide’. Nem perceberia que 'pimba' era eu devido às palas que me restringiam horizontes e das quais foi difícil abdicar. Mas lembro, sim, os corpos perfeitos das coristas, os strass e cetins, a ousadia da rede nas meias, o ar canaille que pairava. E quando levantavam em simultâneo as longas pernas, os seios pulando dos espartilhos ousados? Os homens, habituados à modéstia dos sutiãs e cintas caseiras, às camisas de grosseira flanela das senhoras donas esposas no deitar, iam ao rubro e babavam na cadeira. Deles, os mais libert(in)os, enviavam flores aos camarins das artistas, coristas incluídas, pois então!, e esperavam, findo o espectáculo, acesso a momentos de luxúria inauditos. Da vontade da mulher, da conta bancária ou do arrojo e figura marialva dependia o sim e o não.
Vem ao caso o tratado pela audição desde há três dias da “Rádio Sim”. Casa esvaziada de fios ligados a satélites, o trazido deu «nega», os antigos, rijos como peros do Vale D. Pedro, funcionam. Sintonia única a emitir: “Rádio Sim”. Inenarrável a programação para quem é ouvinte da TSF - noticiários emprestados pela Rádio Renascença, música portuguesa de tempos que há muito foram outros. Tem ‘discos pedidos’, adivinhas, conversas madrugada dentro com gentes acordadas pelo ofício ou cujas insónias entretêm; idosos na maioria. Antes de ter «crescido», classificá-la-ia de ‘pimba’. Já não. Traz alegria, gargalhadas vigorosas, ânimo aos molhos a quem a procura e com ela suaviza solidões e achaques.
‘Pimba’ esta rádio? ‘Pimba’ quem a ouve? ‘Pimba’ o Quim Barreiros? _ Não! ‘Pimbas’ são os falsos profetas, os arrogantes de tigela meada, os ricos que maltratam ou exploram funcionários e passam aos alheios o estatuto de mecenas, escritores pretensiosos, artistas curvados ao que no pretenso elitismo “está a dar”.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros