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Não se reconhecia no espaço de meia dúzia de anos a que chamava e era casa. Entre idas e vindas e idas que foram e não foram, no escritório, amontoara sacos de objectos, destino o Prado, malas que por desgosto não lhe apetecera desfazer, presentes de Natal carinhosamente adquiridos meses atrás. O derradeiro retorno fora na sexta última. Tralha, diria, se não soubesse a utilidade estrita do transportado. Para organizar bagagem em trânsito condenavam-na as possibilidades de chuva e calor num Outono ora Inverno, ora Primavera. Depois havia os computadores. Sempre dois – o «sério» e o «mini». Hábito longínquo desde que confiara somente no big one e o teclado falhara. Para quê a dupla, se mal os abria para se ligar a chaminés virtuais? Razão outra era-lhe óbvia: o download das fotografias registadas no cartão da câmara e que não resistia a visualizar diariamente, a endireitar, arquivar, a tratar nos contrastes e luz. Afinal, era o prazer da fotografia instilado pelo pai uma das razões de volume extra nas viagens, do peso no saco dependurado ao ombro, das hipóteses de roupa que condissessem com a meteorologia e a não deixassem dependurada, desconfortável, deselegante quando o momento fosse registado ou libertação de preocupações comezinhas.
O treino de emalar é tamanho que conta os dias da estada, pendura farpelas uma a uma em seu cabide, todas num porta-fatos. No resto, sobresselentes. Ainda assim, viaja com excesso para o que braços e ombros suportam. Porém, quando foi restritiva nos carregos da viagem, o único par de calças entupiu o fecho e um sapato quebrou o salto. Ao sentir-se de braguilha aberta e a coxear, jamais esqueceu a lição. Nada que importe, mas ensinamento quando lazer significa conforto.
Olha com mágoa os haveres do Prado, desde há semanas prontos para viagem que, apenas, em Janeiro acontecerá. Já à porta, a partir de hoje, o pó cobri-los-á na arrecadação urbana do -2. Fica sem presentes a casa amada, fica triste a cuidadora mor. Natal solitário num espaço onde paredes suspiram e carpem o abandono.
CAFÉ DA MANHÃ
Prado Conceição Ramos (colecção "Maternidades")
A confessa ‘menina da rádio’ tem a mania de escutar a TSF desde que a frequência lisboeta nasceu. Dá-me desgostos, olá se dá!, nomeadamente quando em viagem ou no interior português o sinal é desastroso. Mas, na procissão dos dias correntes, gratifica quem lhe segue as pegadas sonoras. E sigo. E ao entrar numa das casas minhas, bagagem recatada, a primeira coisa após o andarilhar de divisão em divisão, é abrir portadas, a segunda catar a sintonia desejada que encha o espaço de continuidade do lugar donde vim.
Ontem, ao ouvir o Pensamento Cruzado, reflecti-me nos dizeres. Tema: “A casa que há em nós”. A harmonia desejada entre o indivíduo e o interior das paredes que, ao cabo de jornada, o recolhem como ninho de paz. Retrato do ser que a casa constitui. A fala silenciosa que tão eloquente é – descreve os humores, períodos de instabilidade, de calma traduzidos no desarrumo ou no seu contrário. A companhia dos objectos, do recheio diverso que ao maestro do espaço confere aplauso da invisível orquestra que dirige. E os músicos ali estão, imóveis, possuindo a mestria necessária ao encanto do conforto doméstico.
Porque caseira me declaro, fruo de cada elemento da estrutura íntima da casa. Pela utilidade, não prescindo de um - a opção minimalista evita complicações nas limpezas e no olhar. Arriba-me à memória sugestão de pessoa mui querida: para num suspiro de empreiteiro, longo e imprevisível, é sabido, completar o restauro da casa do Prado, telhado, pintura interior e exterior, grades protectoras nas janelas nos baixios, portões novos, tábuas do chão afagadas, jardim ordenado, acrescento duma casa de banho e não mexer em reservas financeiras, vender 'apenas' um ou dois dos originais que forram paredes em Lisboa. Mas como, se fazem parte do que sou? Prefiro economizar, avanço comedido, que tesourar a alma.
CAFÉ DA MANHÃ
Sugestão de Veneno C. Sugestão de 'Cão Estrela da Manhã'
“A chair is still a chair
Even when there's no one sittin' there
But a chair is not a house
And a house is not a home
When there's no one there to hold you tight
And no one there you can kiss goodnight
Woah girl”
Por muito que seja limpa e reconstituída uma casa não é um lar, como escreveu Luther Vandross, se os afectos não a habitarem. Mas esta foi e é lugar de almas que ama(ra)m, por isso lar. As paredes vetustas rogam pintura dentro e fora que honrem amados feitos pó na terra e que também fizeram da menina descendente única em três gerações a mulher escriba menor. Não recusa o desafio - vai adiante e tenta reconstituir com pertences esquecidos e sobras do esplendor de outrora sítio que a acolha e às novas gerações. Durante as sucessivas barrelas, a cada objecto seu mimo pelas memórias/doçuras que, sendo impressivas, o tempo não apaga.
Na saleta, há trinta anos 'jardim de Inverno', desapareceram avencas, espargos, todos com folhagem rendilhada, cadeirões almofadados onde eram fruídas partes de manhãs desde o pequeno-almoço até à leitura dos diários entregues pelo carteiro. Luz a rodos mesmo se a chuva ou a neve ocultavam o Sol. Hoje, sobre a mesa, lenço com o qual me enfeitava nas brincadeiras de criança só. No lado oposto, escritório e quarto abrem portadas à montanha e à aldeia incrustada no vale estreito. Baú e mala de viagem, testemunham o regresso da ‘América’, por navio, do bisavô materno, bonito, aventureiro, sonhador. Que encheria o «malão» de ferragens douradas, azul como a mala rígida e também semelhante nos latões/fechaduras? _ Presentes para as filhas já adultas e solteiras como restariam até ao final? Mais malas existem conservando como as outras em papel colado o nome do proprietário, camarote e companhia de navegação. Deste bisavô recordo descrições de Nova Iorque onde viveu décadas, da Grande Depressão, do renascer dum país e do seu povo. De parte do mundo com ele.
Chaves tantas! Após tentativas várias, foi impossível reconhecer qual pertence a que porta. Ao monte, esperam serem devolvidas à dona. Curioso encontrar dois objectos em cerâmica, iguais, e que comportam quatro velas. Não possuo recordação deles. Símbolos devem ser, mas de quê? Numa parede, tem destaque retrato imperfeito - a desproporção das figuras é notória. Abandonei pruridos artísticos e deixei ficar a tela, prova de amor aos retratados. Pintada quando iniciei os óleos e do «lambidinho» não passava. Se retratos a carvão me ocuparam idos da adolescência e juventude com relativo êxito perante olhares queridos, neste falhei, conquanto espíritos benevolentes afirmem os rostos tal qual. Não aprovo. Para melhor e em muito diferentes.
Casa de afectos, de rendas e bordados até na despensa. Das arcas, ou não contabilizasse oito no total, a maioria aguarda carícias da cera. Semana e meia revelou-se curto intervalo para do almejado cuidar. À cozinha, após limpeza, foi dado jeito respeitoso, todavia simples. Mais há a fazer em honra das preciosidades gastronómicas ali cozinhadas e merecedoras dos aplausos da família e dos bispos e dos párocos convidados para as cerimónias religiosas nas festas anuais do São Cosme e de São Damião. A romaria era linda de ver - misturava sagrado e profano em amável coabitação, trazia gentes de fora e os mordomos sempre respeitaram as tradições de Aldeias. Para dela obter ainda melhor panorama é preciso subir até ao segundo andar.
Das cinco divisões cimeiras, somente duas, a Este, permitem aceder a imagem que a retina não perdoa. Parte da casa que mais foi esventrada de bens para moradia com cinquenta anos a mil e poucos metros de afastamento. Dos armários biblioteca, antigamente no escritório, resta um. Na saleta de costura, revistas de croché, de ponto de cruz, de figurinos impressos que remontam a meados do dezanove, máquina que oleei e ficou pronta a uso. Num dos quartos, a simplicidade esconsa, o móvel em cujas gavetas pontificavam ‘santinhos’, imagens pias, rosários. Nos gavetões, vestidos e combinações de seda, peles e veludos. Todos enviados para a lavandaria, muito recomendados ou não sejam devolvidos como farrapos sem préstimo. Perfumes e retratos e bijutaria em taças retirados ou para o lixo, os primeiros, para restauro, os segundos, para lavar, os enfeites. Duas camas, mesinha de cabeceira, conjunto de porcelana composto de lavatório, balde jarro, recipiente fundo cujo nome ignoro e suporte em ferro preenchem o espaço restante. Contíguo, o quarto do bisavô americano. Mais à frente, dois esconsos – rouparia e arrumo destinado a compotas, fruta, e outros bens preciosos da terra consumidos durando a época pobre do ano. Ao fundo, a janela por onde me esgueirava e descia pelo telhado para a liberdade do jardim enquanto as tias e o tio padre bisavô cumpriam o ritual da sesta. Quantas telhas partidas na descida e hoje me dariam arranjo para cobrir áreas em que faltam! Assim, restou-me comprar parecidas por daquelas ser difícil obter iguais. Mas não desisto: irei à cata de casas em remodelação que as possuam. Lugarejo que seja, mal dele tenha notícia ou vislumbre, ali me terá mais feliz do que na Avenue Foch ou na George V.
CAFÉ DA MANHÃ
Jacek Yerka, Hoyt
Saíra do pó em nuvem que o interior do Prado toldava como terra ressequida que enxada lavra. A Sandra, companheira da limpeza, esquecera que o primeiro andar arrecadara mais lixo que o segundo. Eu também. Por isso, sentávamo-nos no balcão de pedra emborcando água em golfadas. O ar serrano, inspirado até às profundas, limpava pulmões mas era impotente perante desmazelo tamanho. Dele m’envergonho e me penitencio. Após a partida das tias-avós, anos e anos, persisti no remanso das doces férias na Estrela, sem atrever a moradia guardiã das férias rurais infantis. P’ra meu opróbrio confesso não ter sido o ultimato da Junta de Freguesia em conluio com a Câmara para todos os proprietários limparem os terrenos e nem subiria ao Prado. Do lado das Aldeias, acesso por escadaria mal enjorcada que caprinos e humanos utilizam, como prova as inevitáveis esferas negras dos dejectos. No lado Norte, caminho transitável até o desleixo autárquico esquecer três centenas de metros. A família viva e falecida batalhou sem resultado positivo. Os senhores mandantes locais esquecem percurso indispensável à recuperação de oito magníficas ruínas, mais duas minhas, além da casa de feliz traça chamada Prado. Amontoados de granito destelhados não pingam votos. Destroços pujantes para quem os lê até às entranhas poderiam alocar, houvesse caminho decente, turistas e novos habitantes para as Aldeias, que os há procurando naquelas bandas possibilidades ao alcance da bolsa, visto os bancos apenas financiarem credores de milhões e os remediados sem dívidas tidos por “gentinha pedinchona”!
Terminada outra jornada de trabalho, entro em casa “mais morta que viva”. Mergulhada em água tépida, cheirosa, ouço o telefone. Por tudo estar preso no sítio, nada caiu além do desgosto. Encharcada, catrapisco o inoportuno. Era a Sr.ª D. Ventura, funcionária ano inteiro e cozinheira onde crítica é impossível botar.
_ Vou aí, Senhora Doutora! Tenho um arroz doce ainda morno que acabei de fazer. Achei-a desfigurada. Isso é fome e excesso de trabalho.
_ Não se incomode. Remedeio-me com qualquer coisa.
Apertando a gula pelo pitéu, somei:
_ No estado em que traz a perna não deve andar. Vou a sua casa.
_ Não vale a pena. Tenho o dedo na campainha.
E tinha. Recusou entrada pela hora tardia. Deixou-me o doce e foi-se no breu sem que me fosse permitido dar serventia aos ténis já calçados para a condução.
Obliterei a «banhoca» interrompida. Duma assentada, comi meia travessa. Suspirei, gemi durando o deguste. Olhei para o restante e decidi ficar para o dia seguinte. _ Qual quê? Já na cama, livro na mão, havia desconforto. Era a travessa meada o problema. Deixou de ser. O sono chegou num ápice.
CAFÉ DA MANHÃ
Gail MacArgel
Olh’ó disparate! Não querem lá crer que a entidade reguladora nem sei bem de quê (elas são tantas!) pondera aumentar o custo da electricidade em 30%! Somados aos 20% deste ano, vai em 50% o escândalo. Ora, nesta fase em que todos andamos “ó tio ó tio”, vem a calhar. No Prado, terei de recuperar candeias e candeeiros a «pitrol», abastecer-me de velas e ponderar se almoço grão cozido frio ou acabado de sair da panela na boa companhia de bacalhau e ovo. No consumo da «têvê» será indiferente (não vejo), mas adeus TSF companhia, leitor de «cêdês» debitando música a esmo, roupa e louça lavadas em máquinas – o tanque terá de novo serventia e copos mais o resto também ficam um primor se no lava-loiça correr água fria.
Neste tempo de obras que atravesso, não me pode escapar quantos minutos funcionou o black & decker, impedir aparafusamentos com geringonça eléctrica, o controle de toda e qualquer maquinaria que necessite de electrões conduzidos por cabos. E o mais importante além do óbvio “não deixe em stand by aparelhos eléctricos” é ir para a cama à hora das galinhas que desconheço qual seja mas irei averiguar porque se elas, as desmioladas, sabem, mais obrigação têm os meus neurónios de se habituarem a cumprir.
CAFÉ DA MANHÃ
O Sr. Joaquim Monteiro pastoreou rebanhos pela serra fora desde que se fez homem. Nos seus oitenta e tal anos, na banda de cá da Estrela, conheceu todas as pastagens, cantos e recantos, minas de água que dessedentassem os animais. Dias e noites sem volver a casa, pernoitas embrulhado no capote, em cama de chão. Aguentou frios e gelos de rachar ossos. Amanhecendo, recomeçava a lida de “guardador de rebanhos”, por vezes sentado num penedo, filosofando sobre o que via e acontecia, a vida, enfim. Não é acaso a sabedoria dos pastores e a tranquilidade proverbial.
Em casa da antiga vila, hoje cidade, habitavam os padrinhos de casamento, amigos e protectores do casal Monteiro, Joaquim e Maria da Luz. A herdeira da família madrinha neles pensava bebericando “café dos velhos” à sombra de latada e do muro onde heras subiam. Detinha-se caindo os olhos nos frutos da macieira e do pessegueiro amorosamente plantados e merecedores de mil cuidados pelo pai em sepultura próxima. As primeiras maçãs surgiram no Verão seguinte à partida da referência que sempre constituíra a figura paterna. Sorria ao ver a maravilha dos frutos coloridos, «via» o amor e o colo do pai correndo na seiva que os crescia.
Por vontade e obediência ao preceito “quem do seu cuida não merece castigo”, ergueu-se. Esquecida do «Cristo» em que tornaria pés, braços e pernas após o trabalho dos silvedos, enfiou vestido leve em vez de calças e botins velhos, seguiu “Estrada da Serra” acima até ao “Prado” onde prosseguia o restauro da casa. Enfiou-se por carreiros conhecidos desde as férias da infância – encurtavam o percurso e transbordavam beleza. A ondulação granítica da montanha sempre na dianteira, musgo seco pelo estio alapado nas rochas, em harmonia, espécies várias de arvoredo. Continuou a subida.
Já outra etapa iniciava rumo à quinta grande, quando casebre no limite do “Prado” a estacou. Então uma beldade daquelas para ali abandonada? Mirou de todos os lados a construção. Dela fez registo. Mais andarilhou até chegar à meta segunda. O Vale D. Pedro, misto de terreno urbanizável, agrícola, pinhal (bravo e alpino) intervalado por castanheiros e carvalhos, limpo de mato seco amigo de incêndios.
Durante a passeata, vislumbra o Senhor Joaquim Monteiro, alforge ao ombro, pastoreando nem meia dúzia de cabras. Como de costume, aproximaram-se, cumprimentos, o senhor baralhado nos laços de parentesco que ligavam a mulher aos padrinhos, se bem que havia dois meses no mesmo lugar se tinham encontrado. Confundia bisneta com neta, foi novamente explicado que não, que era a neta e ele na mesma teima. Passou às queixas usuais: que o Sr. Mário, o feitor, embirrava com as “pobres cabritas”, que o expulsara, que à propriedade não ligava. Além tinha ido na querela: ameaçara-o pôr veneno nas ervas e resolver o problema de vez morrendo os bichos.
_ A menina veja, matar-me as «bonitas»! Chamou-me “filho daquela” e eu não me fiquei chamando-lhe filho “dum aquele”. A partir da última vez, quando a menina lhe chamou a atenção, mais fui destratado. Que me morreu uma, é verdade.
_ Deixe lá Sr. Joaquim que sempre foi vontade da família vir para aqui quando quisesse. Uma vez prometido, para sempre cumprido.
Por lá ficou mais consolado.
Coincidindo o Sr. Mário e a mulher irem à casa para ser tratada com uma ‘infiltração’ a Fátima que penava com dores reumáticas no ombro e no cotovelo, houve conversa lateral:
_ Faz o favor de me explicar o acontecido com o senhor Joaquim?
_ É simples, minha senhora: deixou as cabras destruírem-me as sementeiras. Fiquei danado e disse-lho. Então aquilo fazia-se? O meu suor ali desbaratado?! Ameacei-o com pesticidas, mas nada fiz. A senhora conhece-me.
E a senhora que sim, que confiava nele por jamais ter dado motivos para o contrário, mas que tivesse paciência, embora marcasse regras. Saindo da saleta a Fátima com o braço ao peito e recomendação de repouso absoluto, foi o par à sua vida. A “minha senhora” voltou ao trabalho, fiada em ter apaziguado as partes.
CAFÉ DA MANHÃ
Malin Grön
Nos pequenos aldeamentos rurais, o Presidente da Junta é autoridade que muito importa aos moradores e suscita respeito assim cumpra com dignidade as funções. É o caso na aldeia onde moradia do princípio do século resiste aos ventos e geadas e trovoadas e nevões que pintam de alvura o visível.
Num domingo, O Sr. Mário, personagem descrita atrás, cruzou o Sr. Presidente enquanto bebericava o café pós-almoço acompanhado pela mulher. Fino como alho, não esqueceu a urbana Maria, regressada em cada Agosto, para quem trabalha mais por amizade de anos que por interesse na paga.
_ Ó Sr. Presidente, sei que às Juntas não sobram cêntimos. Será que a Câmara não colabora por via de máquinas e é alargado o caminho público que serve propriedades, entre elas, a da Doutora Maria? De mau carreiro, somente trezentos metros até á quinta da senhora. Beneficia ela e quem o lado direito cultiva.
_ Olhe que a lembrança vem a propósito: a Junta acabou de receber umas migalhas tendo como destino prioritário os caminhos públicos. Peça o Mário autorização à dona que bem conheço e cuja família prestou bons serviços à aldeia. Não esqueça que as máquinas vão comer pedaço duma borda da propriedade. Do resto encarrego-me.
O Sr. Mário, mais a Fátima*, companheira desde o nó abençoado, de pronto, arribaram à moradia na urbe. A designada ‘doutora Maria’ cirandava pelo jardim enchendo um balde com restos secos das podas. Acabara de estender máquina de roupa, que isto de fins-de-semana ausentam a Leonor*. Sentados no jardim à sombra duma latada, a boa nova encheu de alegria a Maria – há quase uma década que às sucessivas Juntas de Freguesia tinha sido feito idêntico pedido pelos homens da família. Sem sucesso na demanda, partiram e recebem agora velas acesas e flores nas campas. A cuidadora-mor* rejubilou por ela, pelos amores defuntos, pela família inteira.
Nos assentos cobertos pela latada de videiras mal cuidadas - ausências longas dão em desastre - Fátima, Maria e Mário comemoraram, comentaram a observação de coscuvilheira que podia ser figura vicentina. Olhando a Maria e o Sr. Mário descendo do Prado numa incursão de medidas, rezou assim:
_ Então, sempre em redor da casa? Bem precisa que olhe por ela. E tu, Mário, não trouxeste a Fátima para vos fazer companhia no ror de tempo que lá passaram?
* Personagens descritas anteriormente.
CAFÉ DA MANHÃ
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