Autor que não foi possível identificar
Gosto de desporto, pratiquei alguns durante três décadas com entusiasmo e dedicação. Não sei se pelos relatos na rádio que em menina me eram impingidos aos domingos enquanto o senhor Marques, soldado e «impedido» da casa, lustrava com energia e solarina os dourados das fardas do pai, ter criado desgosto pelo futebol. Recordo um objeto de madeira onde os botões encaixavam para serem reluzidos sem que pingo gorduroso do químico deixasse marcas nos tecidos. Aninhava-me ao pé dele, conversava e ouvia-lhe as histórias. Não tardou, fiquei amiga dos filhos, sendo que o mais próximo em idade é hoje entidade respeitada na ciência em Portugal e noutras bandas que ao mundo pertencem. Como não era destituída de curiosidade e entendimento, muito lhe devo por motivações que absorvi e permanecem.
Deve ter sido por essa altura, que reinando o Futebol Clube do Porto em casa, adotei simpatia, jamais disso passou, pelo Benfica idolatrado pelo avô julgo que à conta do Eusébio. Curioso era assistir a desafios entre os dois clubes no convívio amigável e bem-humorado dos avós e dos pais – a mãe tornou-se portista ferrenha, enquanto à avó tanto se lhe dava. A mãe bordava, a avó dormitava. Os golos dum ou do outro clube eram aplaudidos por todos; a tal chegava o amor familiar. Esta tolerância aprendida cedo viria a integrá-la na personalidade que desenvolvi. Não me queixo.
Problema foi ter absorvido superstição, logo eu que a rejeito em qualquer forma e nela evito cair, de enviar «malapata» ao clube do meu coração, a Académica, se jogava. Não ouvia relatos nem via os desafios pela televisão, convencida que perderia pela certa se um mau-olhado algures em mim alojado interviesse. Ficou-me a mania. Ainda no presente, recuso saber de jogos da seleção nacional ou do Benfica ou da Académica. Ressalvo os resultados obtidos que após me preocupam e investigo. Pior: diverte-me ouvir os comentários dos «doutores da bola». Utilizam jargões suntuosos. A propósito do confronto da nossa seleção com os nórdicos, captei este: _ “O Ronaldo teve de comer a relva para marcar o golo.”
Ganhando a seleção por um «tento» - outro termo que adoro do «futebolês» –, sorri ainda o sábado nascera nem há meia dúzia de horas.
CAFÉ DA MANHÃ
Lugar habitual de almoços no intervalo do trabalho. O mesmo com reuniões de negócios. Desde a abertura, inúmeros clientes fiéis ali se ajuntam por razões de amizade a requerer alimento outro que o servido beneficia. Risos e memórias nestes reencontros. Sendo de negócios o pretexto, adrenalina em alta, diplomacia e persuasão. Aprendizagem também, que isto de lidar com respeitáveis intelectos é pedagogia nada despicienda.
Das luzes bem calculadas, ao brilho dos vidros, é inaugurado o apetite.
E os pitéus, senhores, os pitéus a estimularem partilhas das vidas de quem há semanas muitas não está frente a frente.
No lugar recorrente, grupo de amigas. Faltam duas na imagem colhida: uma por razões envolvendo inundação doméstica, outra porque fotografa. As presentes na «cantina», de tão repetido o uso merece a alcunha, esbanjam alegria, lembranças das décadas que as une, o presente das horas de todas.
À saída, continua o humor atávico no grupo. Antes da despedida, tempo ainda para fruir dos comentários de última hora, do momento feliz. Amigas para a vida.
CAFÉ DA MANHÃ
Aqui não foi de certeza. No ‘Teco-Teco’ a hélices e barulhento da ida, também não - andei fina como lâmina de alho durante cinco dias.
Tremuras, espirros e tosse explicados pelos aviões a sério da volta, pejados de vírus em caldo condicionado e pelos acessos nos corredores das mangas equilibrados térmicamente com os zero e menos. Por isto, resto queda, cabeça latejante, figura de «mete-nojo», dores indiscriminadas em todo o corpo.
Que me seja concedida a benesse da compreensão pela ausência de respostas aos estimados comentadores.
TISANA DA TARDE
Boris Vallejo
Bela como poucas. Olhar marítimo, corpo-obra de cinzel talentoso. Alta. Cabelos soltos para lá dos ombros. Encandeia pela simplicidade e inteligência. Pelo riso leve. Pelo todo harmónico.
Tinha emprego seguro que lhe aproveitava os dotes e a preenchia. Mulher só com filhos. Quando a Medusa, já assassina pelas serpentes no lugar dos cabelos, mãos de bronze e asas de ouro, a lobrigou, teceu estratagema que aniquilasse a mulher. A duzentos km de distância, instituição credível dispunha de emprego em oferta. Salário dobrado, ajudas de custo, bem-estar crescido na pequena família. Aceitou.
Passado mês probatório, o responsável chamou-a. Impressionara-o a diligência e criatividade no trabalho. Reunia condições para assinar contrato. Na secretária o documento-selo da situação. Antecipou ter feito reserva para fim-de-semana em pousada. A dois. Sem estrangular a fala, ela desmentiu:
_ Não mereço ser provida no lugar. A minha dedicação laboral termina sendo requeridas competências outras não incluídas nas profissionais.
E saiu. Hoje, desempregada, sobrevive dignamente pela ajuda dos pais. Conta cêntimos e o rombo na alma.
Que venha Perseu com o escudo polido oferecido por Atena espelhando o reflexo de olhar perverso. Que o capacete de Hades o deixe invísivel. Que calce as sandálias aladas de Hermes. Que decepe a Gorgona e enfie o despojo sangrento na bolsa presentada pelas Ninfas. Que os humanos fiquem libertos das garras cortantes e do olhar mortal das Medusas na forma de homens e mulheres predadores.
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros