Quinta-feira, 13 de Janeiro de 2011

MANIFESTO DANTESCO - ATÉ A TRAGÉDIA ACONTECER

 

Mikel Glass

 

A última preocupação nas escolas públicas é saber se o FMI entra ou não na desgraçada jogatina portuguesa. Na ruína laboral em que se inserem, é ociosidade como a estória do Pedro e do Lobo - tanta vez ameaçou que, a sério, foi mais uma. Entre pelo país dentro ou não, pior é impossível – ainda sem o fantasma, ao Ministério da Educação apenas interessam números desligados das gentes e do mapa social que as insere. As escolas públicas não dispõem de funcionários suficientes para garantirem o normal funcionamento das actividades. Os alunos, entregues a si próprios nos corredores e pátios, correm perigos inumeráveis. Na sala de aula, o professor dá o melhor para garantir aparência de normalidade - lecciona, destila conteúdos, utiliza estratégias que motivem aprendizagens eficazes. Quando a campainha toca é o caos: omissos funcionários vigilantes, se um transviado decidir puxar de arma ninguém o impedirá, salvo o acaso. Enquanto tragédia não acontecer e o ‘fia-te na Virgem’ for regra, os pais, através das respectivas associações, mantêm-se indiferentes. Para eles o importante é ver, pela matina, portas abertas que legitimem o depósito dos infantes. De seguida, irem descansados à vida. Julgam, mas visitassem amiúde a escola dos filhos, fosse importante o saber das horas em que não os vêem, a inquietude não lhes permitiria dia e noite descansados.

 

Pelo insano Estatuto do Aluno, basicamente os gaiatos fazem o que lhes é ditado pela gana integrada no espírito grupal. Faltam, assinam mais as famílias ‘contratos de aprendizagem’ sem lhes passar pela cabeça cumpri-lo. Director de Turma atento, se detectar estados psíquicos alterados por fumaças ou «snifs» e convocar para entrevista o Encarregado de Educação arrisca-se a ouvir: _ O Martim está farto de saber que não lhe permito «charrices» nas aulas. O professor, boquiaberto, emudece. O Estatuto do Aluno em muito pouco legitima procedimentos punitivos. O referido Martim encontrado com maço anormal de notas garante-o fruto de presente natalício. Chamados, de novo, os pais confirmam, não seja o infante castigado e denunciado por tráfico de droga.

 

Se após desmando grave, o adolescente for punido com trabalho escolar comunitário, aqui d’el rei que o meu filho não foi (des)educado para limpar mesas que conspurcou durante as aulas, acobardado atrás do colega da frente que nem olhar laser do docente detectaria. É que o professor, um tonto, ainda se entusiasma na transmissão dos conteúdos e tenta levar além quem o segue, menosprezando a função policial quando pares de olhos curiosos pedem mais saberes. Afinal, a turma estava em absoluto silêncio. Os cretinos também.

 

Entretanto, os professores, abalroados com papelada, sem tempo para o principal, ensinar com qualidade, amarram-se aos computadores e marcam faltas e planos de recuperação, enviam cartas aos Encarregados de Educação que, na maioria, ficam sem resposta; convocam entrevistas e sentem-se totós num universo de espertos. Certezas têm: cortes nos salários, limpeza do material de laboratório, sem a presença da assistente laboratorial assumirem, isolados, os perigos das aulas experimentais, trinta e cinco horas de trabalho por semana, onze horas de trabalho individual, normalmente cumpridas ao fim do dia ou da semana, destinadas a elaborar e corrigir testes, fichas, estudo e preparação de aulas. Era desejável que o professor lesse, tivesse possibilidade de assistir a espectáculos de teatro, concertos, ópera, bailado? Sim, mas a tanto não aspiram – pré e tempo para evoluírem culturalmente é escasso. Empobrecida, também por esta via, a actividade docente. Prejudicados alunos e a educação em Portugal.

 

A reorganização curricular no próximo ano lectivo prevê a eliminação de cerca de vinte por cento dos postos de trabalho – aproximadamente dez mil professores. Ao terminar com o ‘estudo acompanhado’, ‘formação cívica’, a disciplina da ‘Área de Projecto’, o prejuízo dos nossos alunos é incalculável. Das trinta e cinco horas, previstas vinte de carga lectiva semanal independentemente do estatuto na carreira, da idade. E se cidadão fora desta realidade argumentar que não lhe parece mal, que vinte horas frente a alunos ainda são de menos, configure uma média de quatro blocos de 90 minutos por dia, o aumentado número de turmas por docente, o acréscimo de trabalho nas tais onze horas individuais, o castigo do implacável decréscimo de exigência profissional para quem o brio em cada aula ministrada é honra devida aos alunos. E a vida familiar, o acompanhamento dos filhos, que mudanças sociais nefastas terá?

 

Ontem, numa escola, correndo aula, o professor encontrou um jovem com arma carregada e manual de instruções para fabrico de bomba artesanal. Este é começo. Não fosse estarem imbuídos do espírito de serviço à comunidade, directores das escolas e a classe docente há muito e para segurança de todos deviam ter fechado portas a vários estabelecimentos de ensino. Não o fizeram, não o fazem; todos se desdobram em actividades mil. Subserviência bem intencionada que sai cara ao país. 

 

CAFÉ DA MANHÃ

  

Cortesia de RMF.

 

publicado por Maria Brojo às 07:16
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