Sábado, 21 de Março de 2015

PALPÁVEL E BELISCÁVEL

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Caul­fi­eld defen­dia a ine­xis­tên­cia de uma rea­li­dade pal­pá­vel com exce­ção do tra­seiro da vizi­nha mexi­cana, Lolly Rodri­guez, que era, nas suas pala­vras, “pal­pá­vel e belis­cá­vel”. Aos dezas­sete anos, Caul­fi­eld come­teu a pro­eza de num fim de semana criar as bases duma Filo­so­fia Moral ten­tando desen­vol­ver a ética da liber­dade de cada um fazer o que bem enten­der na vida. Pen­sa­mento mar­cante: “Há um sólido equi­lí­brio em todos os ele­men­tos do Uni­verso que une e dá sen­tido às coi­sas. Desde que o sujeito não tenha entor­nado sozi­nho uma gar­rafa de Bourbon.”

 

 

 

Hol­den Caul­fi­eld está para o século XX como Huc­kle­berry Finn para o XIX: a ines­que­cí­vel assom­bra­ção dum ado­les­cente em con­flito com uma soci­e­dade opres­sora e divi­dida em cas­tas. Hol­den, oposto de Huck, é um menino rico infe­liz na escola chi­que Pen­cey Prep em Agers­town, Pen­sil­vâ­nia. Per­so­na­gem cri­ado por J. D. Salin­ger e pro­ta­go­nista anti-herói da novela The Cat­cher in the Rye publi­cada em 16 de Julho de 1951, cáus­tico da soci­e­dade de elite em que nas­ceu, foi ado­les­cente que viu longe. Muito longe. Tão longe, que a rea­li­dade pal­pá­vel mais pró­xima per­ten­cia à vizi­nha. Pelo lido, o gosto dele asse­me­lha a nossa con­di­ção latina dada a oito ou oitenta.

 

 

 

 

Ori­gi­nal­mente publi­cado para adul­tos, o livro adqui­riu popu­la­ri­dade entre os jovens ao lidar com temas tipi­ca­mente ado­les­cen­tes como revolta, angús­tia, ali­e­na­ção e lin­gua­gem. Tra­du­zido para quase todas as prin­ci­pais lín­guas do mundo, são ven­di­das anu­al­mente cerca de duzen­tas e cin­quenta mil cópias, com um total de ven­das de mais de 65 milhões. Hol­den Caul­fi­eld tornou-se um ícone da rebe­lião ado­les­cente. Na China, é vene­rado pelos jovens. The Cat­cher in the Rye foi incluído na lista da Times em 2005 como um dos 100 melho­res roman­ces da lín­gua inglesa escri­tos desde 1923 e nome­ado pelos lei­to­res da ‘Modern Library’ como um dos 100 melho­res livros da lín­gua inglesa do século XX. Os Esta­dos Uni­dos aban­do­na­ram a cen­sura que no iní­cio o livro mere­ceu pelo uso libe­ral de calão e pelos retra­tos da sexu­a­li­dade e dile­mas ado­les­cen­tes. Em 1981, já foi o segundo livro mais ensi­nado nos Esta­dos Uni­dos, con­quanto ainda banido de mui­tas bibli­o­te­cas esco­la­res de lín­gua inglesa pres­si­o­na­das pelas Asso­ci­a­ções de Pais.

 

 

 

 

Vol­tando a Caul­fi­eld — não pres­cin­di­mos do pal­pá­vel e belis­cá­vel. Apalpa-se, logo existe. Ou se belisca. Ou vasa de uma mão. Infiro pelas esta­tís­ti­cas onde consta que as lusas fêmeas não bas­tam aos par­cei­ros ou recu­sam apal­pões ou eles têm mais olhos que bar­riga. Aten­dendo ao que elas, ‘à sor­relfa’, dizem, (…)

 

 

 

Nota – Publicado integralmente aqui.

 

 

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

 

 

publicado por Maria Brojo às 10:03
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Quinta-feira, 30 de Outubro de 2014

“ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE”

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Mulher do século XXI – Bravo da Mata

 

Assassinam-nas quando a relação entorta. Maridos, companheiros, namorados estão incluídos nos 71% dos agressores. «Ex» são, entre eles, 19%. Somando as duas parcelas no quadro da violência doméstica, temos que em cada dez assassinos, nove estiveram afetiva e/ou emocionalmente envolvidos com as vítimas.

 

É frequentemente letal para mulher que negue continuar num relacionamento moribundo o síndroma da rejeição de que padecem alguns homens. Vieram a lume números inquietantes a partir da comunicação social. A violência doméstica mata mais mulheres que o cancro da mama. Nos dez meses deste ano, dezenas foram assassinadas e centenas estiveram à beira do mesmo fim ao decidirem retomar a vida sem aqueles com quem partilharam um amor. Nos dados obtidos, são notícia homens vitimados por razões semelhantes, todavia em número residual, mais os que decidem procurar tratamento clínico antes dos comportamentos agressivos surgirem.

 

Para alguns homens, “até que a morte nos separe” é literal. Mais fundamentalistas do que a Igreja Católica que no ritual do casamento a idêntica jura obriga nubentes. O perigo social destes machos violentos advém das crianças e familiares serem vítimas potenciais. Bombas-relógio que atingem, preponderantemente, mulheres na faixa etária dos 36 aos 50 anos, seguida pelas maiores de 51 anos. Quase todas, sujeitas a décadas de maus tratos. Nestas situações, é leviandade afirmar “quem está mal, muda-se”, como se num estalar de dedos a tragédia se evaporasse.

 

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

publicado por Maria Brojo às 09:52
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Sábado, 8 de Fevereiro de 2014

NO PORTO, SALVOU-SE O "ALEIXO"

 

 

 

The Travelling Companions by Augustus Leopold Egg                                                     Autor que não foi possível identificar

 

“O que mal começa tarde ou nunca tem arranjo”. Adágio certeiro. O povo acumulou sabedoria que traduziu em sínteses rimadas e curtas. Ditos populares, ouvidos desde a infância, merecem reverência.

 

Madrugar num fim-de-semana só por obrigação ou masoquismo. Mas a agenda existia, reclamava cumprimento e, pelas seis, guinchou no despertador. Destino: Porto. Alfa Pendular como veículo – quem aos comboios reserva apreço mítico, não resiste; entre as quatro rodas atentamente comandadas e o descanso na viagem que demora o mesmo, a escolha é simples: comboio. O Oriente recebeu duas mulheres em abafos quentes e providas de chapéus pelo frio mais a chuva anunciada.

 

Já o alumínio embalava sonolência desacomodada havia duas horas, quando parou fora de sítio. Na inusitada Pampilhosa, inquirido o revisor. Explicação:

_ “Um desafortunado, colhido entre linhas, pela morte interrompera o andamento das vidas passageiras. Imprevisível a retoma. Imprevisível espera pela vinda do Delegado de Saúde, identificação da vítima, remoção do corpo.”

 

Os telefones dos passageiros apitavam em cacofonia. Porque nas tragédias inevitavelmente se alevantam líderes, o do momento foi eficaz. Que ele e o sócio, pela urgência duma reunião, sairiam do comboio ali mesmo. Que o revisor no bilhete e por escrito registasse a causa. Saíram quatro passageiros: as duas mulheres, o líder e o sócio. Táxi como remedeio. Pelo conhecimento pessoal do chefe máximo da CP, o líder garantiu o reembolso dos 120 euros da corrida revelada amável pela simpatia e conversa das companhias, disse. Uma delas sugeriu “acompanhamento psicológico e ser indemnizada pela privação da magnífica imagem das escarpas, das pontes que ladeiam e unem Porto e Gaia que nunca vira a partir dos carris.” O «sócio» confessou aversão a comboios porque, pela mesma fúnebre razão, num regresso a Lisboa ficara retido em Espinho três horas.

 

Do dia e meio no Porto, pelo atraso, omitida a exposição em Serralves. Na Miguel Bombarda, chamariz pelas galerias e «movida» artística, houve demora imerecida. Na Foz, compras/fatalidade pelos saldos. Mais: um casaco em Santa Catarina, botas junto ao Aleixo. Nele, os filetes de polvo macios, o vinho verde da casa, a magnificência das rabanadas e da aletria. O mui querido Hotel Boa Vista fruído de menos.

 

No regresso, o equívoco de um Intercidades. A fome aguilhoando o sono pela ausência de serviço de bar, de encostos adequados, das paragens gritadas. À mulher que amava comboios acudiu o sonho impossível de um TGV cómodo, rápido e silencioso unindo, do país, as capitais. 

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:45
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Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2013

COMO SE ESTIVESSE MORTO

 

 

Henryk Fantazzos

 

É homem das letras. Ensaísta, crítico de arte e literatura, poeta, amante da vida e do que dela afirma melhor: as mulheres. Casa e descasa por paixões – estando uma moribunda, outra se alevanta. Farto dos registos burocratas que legitimam amores, altura houve em que decidiu levar a cabo empreitada diferente das comuns. Calcorreou repartições em busca de alguma que, destemida, carimbasse inédito compromisso entre um homem e uma mulher: pacto mutuamente consentido, de exclusiva prática adúltera. Não conseguiu. Há vinte e cinco anos que vive com a «mulher-amada-amante» nas condições fora-da-lei então definidas.

 

Num fim de tarde adoçado por réstia de sol, o lençol do Tejo em frente, afirmou: “nunca falhei a uma mulher”. Bailaram insinuações brejeiras. Amigos de tempos que foram e são aproveitaram a deixa magistralmente encenada pela voz grave, gestos largos e lestos olhos azuis. Garantiram que alguma falha, alguma negação à sorrelfa da vontade, terá cometido o pedaço do corpo que nas vulvas encontra deleite. Negou. Deu razão: “a uma mulher, ou mais, se ajuntamento delas acontece, sempre disse: façam-me tudo como se estivesse morto! Ora, de um defunto nada há a reclamar. É milagre a ressurreição da carne. Alegre acrescento ao nada que antecipei.” Voaram risos e contestações no crepúsculo de folhas caídas.

 

Remoí a frase. No respetivo contrário, me fixei. Sendo um homem dado à multiplicação das grutas femininas que lhe recolham o sémen acresce consideração nos machos congéneres. As legítimas são consideradas “devotas e amorosas almas” respeitadoras do ‘pater’ que, com elas, família gerou. Mulher que se declare aberta a múltiplos dadores de fluidos e prazeres gera repulsa nas pares. Talvez comiseração. Talvez rótulo de “perdida” ou paciente que a ninfomania vitimou. Os companheiros guindados ao altar da infelicidade pelos enfeites na testa.

 

Mas também eles são vítimas dos «pré-conceitos» sexuais. Abeirando-se dos cinquenta, é memória ou surpresa rara a generosidade das «duas» consecutivas. «Uma» incondicional é rara sendo a base diária. Cada vez mais longo o recobro e o regresso do sangue à guelra e a passagem de defunto sexual a vivaço capaz de débito que povoe lugarejo – perdida, tempo atrás, a capacidade de, numa assentada, preencher cidades com novos habitantes. E alguns homens «pintam» com benevolente pastel as mudanças. Dizem-se mais sábios. Mais atentos aos jogos que antecedem a prova que espera a carne pendente. Mais desejados por ninfas pela demorada entrega que dos homens próximos em idade não obtém. Esquecem que, passada a novidade, a demora cansa as “lolitas”. E correm, alegremente, o risco de serem chutados para fora da pequena área. Que outros façam goleada com eficácia e pundonor.

 

A partir dos cinquenta, rala certos homens saber das mulheres, pares na idade, a gloriosa fase de não temerem gravidez e da fruição aumentada dos jogos de pele e corpo. E temem-nas. Alguns renegam-nas. Encantam ninfetas com o erotismo advindo de outros poderes. Pelo seu lado, as mulheres ditas maduras deparam-se com a realidade de homens distantes, para menos, na idade atentarem no fascínio das balzaquianas a que a modernidade somou vinte anos. Se Honoré de Balzac por cá andasse, em vez do título “La femme de trente ans”, pela certa escolheria outro: “La femme de plus de quarante ans.”

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:18
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Terça-feira, 21 de Maio de 2013

BELISCÕES E PONTAPÉS

 

Autor que não foi possível identificar

 

Caulfield defendia a inexistência de uma realidade palpável, com exceção do traseiro da vizinha mexicana Lolly Rodriguez, que era, nas suas palavras, "palpável e beliscável". Na prisão, onde passou 10 anos por porte ilegal de armas, Caulfield criou as bases da sua Filosofia Moral: uma ética baseada na liberdade de cada um fazer o que bem entende na vida. Pensamento marcante: "Há um sólido equilíbrio em todos os elementos do Universo, que une e dá sentido às coisas. Desde que o sujeito não tenha entornado sozinho uma garrafa de Bourbon." Holden Caulfield, personagem criado por Salinger e protagonista da novela “The Catcher in the Rye”, cáustico da sociedade de elite em que nasceu, viu longe. Muito Longe. Tão longe, que a realidade palpável mais próxima pertencia à vizinha.

 

Nos tempos correntes, o real “palpável e beliscável” também fala português. Apalpa-se, logo existe. Ou é beliscado, ou vasa da mão. Por ora, não vasa e faz mais do que beliscar: pontapeia traseiros a eito e a jeito.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:53
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Terça-feira, 2 de Abril de 2013

À PROCURA DO «HOMEM»

 

Arthur Sarnoff

 

Por todo o Ocidente, as evidências assustam: violência conjugal associada a morte, elevadas taxas de suicídio masculino, dificuldades escolares dos rapazes, jovens assassinos nas escolas, movimentos de pais contra a justiça(?) que os afasta dos filhos se a rutura conjugal sobrevém. Estes e outros dados – mudanças profundas nos papéis sociais e afetivos dos sexos – sugerem refletir sobre a condição masculina.

 

Recuando cinquenta anos, situaria o começo do declínio do patriarcado. Formal, por que à mulher eram reservadas competências no “lar” e educação dos filhos, seguramente tão decisivas e dominadoras como as atinentes aos “chefes de família”. O acesso generalizado à pílula contracetiva e, posteriormente, ao divórcio para os casados pela Igreja Católica, a entrada massiva das mulheres no mercado do trabalho e o dinamismo dos movimentos feministas abalaram definitivamente as tradicionais estruturas do homem e da família – pai e mãe como iguais, diferentes quando a relação acaba e é atribuída a guarda dos filhos.

 

Se na condição feminina a clareza existe, na masculina é tíbia. Atentando em Portugal, embora o problema ignore continentes, trinta e nove anos após a revolução de Abril, é periclitante o sistema social, económico e político. Mudada a legislação, as mulheres rapidamente integraram atitudes e expectativas tradicionais por outras conquistadas mundo fora. Existem abrigos e proteção para mulheres em crise. E quanto aos homens? Aceitam o mesmo ou prevalecem os preconceitos machistas (deles e delas)? Em 1995, as Nações Unidas empenharam-se numa análise diferenciada pelo sexo. Hoje, presta maior atenção ao sofrimento masculino.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 10:07
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Sábado, 20 de Outubro de 2012

PARTE DO FOI ASSIM

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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publicado por Maria Brojo às 08:32
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Domingo, 30 de Outubro de 2011

ÁGUA BENTA E FARÓFIAS

 

Há três semanas e nica doutra, iniciada a temporada de aniversários dos que amo e me amam. Inaugurei-a a sete de Outubro, prossegue hoje, dia trinta, continuará a sete, a oito, a dezassete de Novembro, neste dia coincidem dois, para terminar a vinte e oito de Dezembro. Três foram passados em Junho e Julho. Mas esta, pelo número de aniversariantes, sim!, é a saison das festas com parabéns e mesas alindadas e velas e palmas e olhos luzentes pela alegria do momento e da família reunida.

 

Porque do teu o dia mal começa, lembro o de sete deste mês. Inaugurado com acordar preguiçoso, corpo alongado na cama, olhar posto no céu sem máculas brancas. Desjejum frugal como é comum no quotidiano, o gozo da escrita na hora seguinte, o "ala que se faz tarde" para bandas outras de Coimbra onde rostos amados prodigalizaram mais beijos, abraços, a quentura de carinhos. A pé pelas ruelas da Baixa Velha foram descobertos mimos arquitectónicos, antigos, revista a pressa das gentes nos afazeres. Santa Cruz, ali em frente, chamou. A fé entrou e houve orações sentidas, velas acesas com ternura e crença arrebatada. No dia, antecederam outros presentes.

 

 

Sendo mulher de hábitos, conquanto não raras vezes os pontapeie, gosto de presentear quem me gerou - escolhida a mala onde flor pontifica. O mel da cor também adoçou a manhã. No Nicola, reunião de amigos, mais doçuras e formosuras em gestos e palavras. Almoço feliz, histórias de idos, lágrimas pelas saudades dos que partiram, sorrisos após pela certeza de no lugar onde estão celebrarem, juntos, contentamento igual. Depois, foi tempo do regresso a Lisboa para o jantar com outros amores. E houve bolo saído da perícia de mãos femininas da terceira geração da família. E houve farófias, deleite que me entontece a gula, confeccionadas por outras mãos de jovem mulher igualmente amada e da mesma geração da anterior. Mas o ramalhete não estaria composto sem os mimos, as ternuras floridas nos olhares de todos.

 

Para ti, amor meu e de mais que compõem a nossa pequena família, neste alvorecer, ofereço-te uma das músicas do Ray mais ouvida quando conduzes. Sorrio ao ver-te seleccioná-la entre a panóplia de gravações que não dispensas. Apresentei-ta anos atrás. Se dela te cansares, passarei, de novo, a escutá-la como ouro da memória nossa. Para mim, como oferta recuada, “Ebony and Ivory”.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 05:50
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Quinta-feira, 27 de Outubro de 2011

DA FRENTE PARA TRÁS

Shinichi Noda, Sorayama, Mel Ramos 


2011

Ao despojamento íntimo chegou a mulher actual. Na pele nada protege as margens que o rendilhado pequeno não cobre. Airosa sensação do nada que à própria tenta! Minimalistas por fora, mais complicadas que nunca por dentro. De tal modo elaboradas (baralhadas?) que 1/5 do bolo masculino lida mal com o desejo e a respectiva concretização. O Relatório sobre a Situação da População Mundial em 2011 constata que “Portugal tem a segunda taxa de fecundidade mais baixa do mundo, o que na prática significa que as mulheres portuguesas estão entre as que têm menos filhos.” Neste relatório, “as Nações Unidas admitem que «a falta de mão de obra ameaça bloquear as economias de alguns países industrializados». As baixas taxas de fecundidade significam menos pessoas a entrar no mercado de trabalho, numa tendência que põe em causa o crescimento económico e a viabilidade da segurança social. A ONU diz que em alguns países mais ricos, a falta de jovens «significa incerteza sobre quem vai cuidar dos idosos e sobre quem pagará os benefícios dos mais velhos».” Esta é uma perspectiva utilitária do homem e da mulher enquanto parideira sem atender às razões (texto publicado no SPNI a 24 de Outubro deste ano de 2011).

 

1991

À-vontade na sexualidade, prestígio do corpo, abordagem liberal das relações dos homens e das mulheres. Elas conquistando terreno social, eles surpresos com os avanços nos seus territórios tradicionais. Perdem nas universidades, na prestação de serviços diferenciados e no domínio familiar. Hesitam como prima-dona a quem a figurante ameaça roubar papel e protagonismo. Viram-se para a própria cas(c)a, aprendem a fruir de modo mais solto e gracioso dos afectos. Aventuram-se na ternura exposta. Chorar sim, se for esse o sentir.

 

1981

Elas tomam, maioritariamente, a iniciativa do divórcio, decidem quando, como e com quem geram filhos. Fazem amor e odeiam a guerra. Das flores nascera símbolo de paz, continuava o tempo de delírios comunitários induzidos por substâncias várias. O corpo tenta, seduz, arrebata, mas é contido por limites que a moral convencionada e os preceitos sociais injectaram como adição. A «roupa interior» diminui em tamanho, cobrindo, todavia, o suposto desdém pelo estabelecido. Lá por fora, houvera, década mais trio de anos antes, Woodstock num descarado 69; por cá, nos setenta e meio, a ilusão do «tasse bem».

 

Gil Elvgren, autor que não foi possível identificar

 

1951

Ousadas? Nunca, salvo as delambidas de intimidade descarada. Corpo impressivo, curvas exuberantes, cintura de vespa não isenta de similar do espartilho. Cinto de ligas, cintas, sutiãs inteiros, vestidos rodados e soquetes ou saias esticadas revelando desafiadoras nádegas. Para elas, as delambidas, aquelas que obliquavam o olhar aos maridos das «esposas modestas». Estas, aos trinta, pelo aspecto da «farda» eram velhas sensaboronas, passadas, mães de família com rolos na cabeça ou apressadas na rua com sacos de compras na mão. Ele saía pela manhã, ficando dela a retaguarda familiar. Pelo final da tarde, ele demiti-a da função no acto de meter a chave à porta. No dia seguinte, mais do mesmo. Pelo mundo, os fifties impavam no maravilhoso(?) mundo dos reactores nucleares.

 

Belle Époque

Espantoso período do avanço cultural e tecnológico europeu. Surge o telefone, o telégrafo, a primeira fábrica Ford e o primeiro dirigível de Santos-Dummont. Depois, a belle époque foi iluminada pela lâmpada eléctrica, pelos filósofos nietzschianos e pela sexualidade abordada por Freud. Conheceu a arte da imagem através do cinema, a arte do som através da rádio, a arte de fotografar através da fotografia colorida, a arte da pintura e da música através dos impressionistas. O espírito europeu estava elevado e com ele todos os sentidos que instigavam a produção cultural. À mulher é permitida a curiosidade e o acesso à formação intelectual superior. Tem espírito incendiado e corpo confinado a pouco mais que a procriação. A «roupa de baixo» é muita, grossa, grande e feita à mão.

 

Autor que não foi possível identificar

 

Intemporal

Arenga para comportamento antigo em tudo semelhante ao presente - dois seres humanos, o desejo, a união. Novo ser depois? Manda o acaso, a guerra e a paz, o bem estar económico, social e da família.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 08:44
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Sexta-feira, 25 de Março de 2011

NO NIPÓNICO E NO SEM GRAÇA NEM RAÇA

Autor que não foi possível identificar, Graham-McKean, Scott Jacobs

 

Duas histórias, dois restaurantes de Lisboa. Num japonês, amiga jantava com a família; num sem raça gastronómica, colega jantava com amigos. Ambos com televisões excepcionalmente ligadas na espera do veredicto pela voz de Sócrates. Silêncio de sepulcro chegado ao ecrã o P.M.. Ouvida a declaração ‘The game is over!’, diferentes reacções: no nipónico, desde os clientes aos funcionários com origem na terra onde, pelo nome, dizem o sol nascer, de todos, aplauso vibrante. Depois, risos e festa, copos a mais. No restaurante sem graça nem raça, brindes repetidos. O colega mais companheiros levantam taça de vinho barato e imperiais, declarando à vez:

_ Este é pelo subsídio de férias que já foi! Alguém me empresta dinheiro para o seguro da carripana?

Em coro, resposta: _ «Tás» maluco ou parou-te a digestão?

Continuaram:

_ Este pela entrega ao banco da casa onde vivo!

_ Mais um pela ponte que por baixo me irá alojar!

_ Brindo ao subsídio de Natal em Certificados de Aforro como no governo do Cavaco. «Porra»! Onde terei metido o papel para levantar aqueles tostões? E se têm prazo de validade? Estou «fodido».

_ Outro porque este será o último jantar fora de casa em tempos próximos!

_ Ergo a minha caneca à comédia burlesca em que se transformou a política nacional - faz chorar em vez de rir. Somos uns «bacanos» criativos!

_ E vai o último pelo aumento de impostos que me irá elevar ao grau de teso maior entre os tesos. Nalguma coisa seja primeiro!

Acabaram a celebração com sais de frutos e Guronsan, que as ressacas não perdoam misturas e má escolha do tinto.

 

Ao acordarem, diferentes reacções dos protagonistas celebrantes perante as declarações de Angela Merkel: _ "As novas medidas tomadas pelo Governo português para reduzir o défice orçamental foram de longo alcance e apoiadas pelo Banco Central Europeu e pela União Europeia. (…) Sócrates esteve correcto e foi corajoso em levar as novas medidas de austeridade ao Parlamento português para votação.” Os do japonês dizem que a mulher nunca soube metade da missa, os do restaurante sem raça juram o ‘tarde piaste!’

 

Apêndice (des)infectado: hoje, ouvi «cenarizações», derivado de cenarizar que os meus dicionários não reconhecem, e «franchizador». O que aprendo diariamente, deuses! Haja neurónios para tantas aquisições.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 07:03
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Segunda-feira, 18 de Outubro de 2010

COM A CABEÇA QUAL BICHO ANDA?

Jane Brewster, Pat Dugin, Graham McKean

 

Na volta, o real. Criança, uma. Idosos, quase todos. Grávidas, algumas. Pacientes oncológicos, diabéticos, menos. Sentados em cadeiras azuis ligadas por plásticos e metal. É de espera a sala para quem, papel e senha na mão desde antes das oito, é obrigado a extrair sangue e encher seringa com urina, depois entregue no gabinete de recolha. “Análises” informa a tabuleta sofisticada que da finalidade informa os utentes.

 

Assentos esgotados. Senhas divididas consoante urgência pré-determinada. Ecrãs com números sempre longínquos do obtido, menos pela inequívoca eficácia do pessoal especialista do que pela gente a mais. Mas estão e chegam conformados – sabem o seguinte por alturas outras. Casais acompanham-se mutuamente, filhos(as) fazem o mesmo com a mãe ou o pai ou a tia cuja idade e debilidade justificam cuidados - o ouvido e a visão já foram melhores, por arrasto o entendimento também, as seringas para recolha de urina na única casa de banho com fila permanente são difíceis no desenroscar da tampa por onde o líquido excretado subirá. E cresce a espera. A fome pelo jejum. E a insulina adiada. E os remédios da manhã por tomar. E a procissão além da porta.

 

No durante, há o ‘louco de Lisboa’, cinquenta e pós, limpo e cortês, que cumprimenta um a um os empilhados. Deseja bom dia. Tem laracha endereçada e assertiva para cada um. À criança pergunta: _ Qual o bicho que anda com a cabeça? O menino sorri, olha o pai e assume o não saber. O homem responde: _ o piolho que tu não tens por seres rapaz asseado. Ao menino luzem as pupilas. Adiante, indaga dum casal a mulher: _ Qual a palavra com 40 acentos/assentos? Perplexa, conferencia com o marido, reconhece a ignorância. Esclarece: _ O autocarro! Esboço de sorriso, riso mesmo, nas faces até ele tristes. À mulher mais nova recita quadra tão popular quanto romântica; sem permissão, passa, ao de leve, dedos no rosto. Inquire senhora postada no extremo da carreira: _ Numa mulher, o que mais cheira a banana? _ O nariz! Pagelas debitadas em amanheceres esgalgados. Mal acaba o périplo, a cada um: _ Pode dar-me um euro se não lhe fizer falta? Ao vê-lo, insiste: - não recebo caso lhe faça diferença.

 

Ritual/desassossego completo, os «vampirados» esticam o pescoço na cafetaria fronteira para decidir medíocre pequeno-almoço que não lhes coma euros acima de dois estando na frente a caixa de pré-pagamento, o sorriso brasileiro tão plástico como as cadeiras largadas. Talvez consulta a seguir ou volta inteira para casa. Talvez madrugada/cópia após dias ou meses medidos com a régua do desespero.

 

CAFÉ DA MANHÃ

 

publicado por Maria Brojo às 16:16
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Terça-feira, 19 de Janeiro de 2010

35%, 4% E A SENHORA DONA LOURDES

Richard Whitney

 

Funcionária exemplar. Profissional conscienciosa e sabedora – dos laboratórios conhecia segredos que, discreta, sugeria mal eram verbalizadas dificuldades ou carências. Jamais arredada do lugar – não lhe lembro faltas ao trabalho, mesmo quando instada a dar meia-volta e regressar a casa por maleitas; algumas sérias. Ficava. Sorria e as rugas desvaneciam-se.

 

Vez por vez, surgia com o rosto maltratado. Caíra, batera na porta do armário como explicações comuns. Casamento de muitas décadas. Filhos e netos que a amavam. Retribuía com a dádiva que na (im)pessoalidade laboral a caracterizava. Viu-me crescer como mulher e trabalhadora. Conheceu-me aos vinte e três anos. Meus. Continuou na profissão anos a fio além da reforma. O limite de idade remeteu-a à domesticidade exclusiva. Homenageada. Incensada. Mereceu.

 

Soube agora que, três anos após a saída, está num lar. O marido, culpado da violência que lhe marcava o rosto, finalmente!, fê-la procurar refúgio num sítio tranquilo. Teve sorte – 18000 idosos aguardam instituição que os receba quando a vida conta anos demais para utilidade reconhecida. A paga do lugar é incompatível com o líquido da reforma. Emocional e afectivamente apoiam-na filhos e netos. Reconhecidos pelo feito. Sem possibilidades económicas para tudo.

 

Ignorando ainda dados últimos do Eurostat - 35% dos portugueses não têm sistema de aquecimento apropriado em casa e  4% sem direito a refeição completa de dois em dois dias –, o local de trabalho mobilizou-se. Bateram fortes os corações. Partes dos salários empregues em bens e ajudas de primeira necessidade que à Srª D. Lourdes satisfaçam. Que lhe lembrem afectos/tributos por anos de dedicação honesta. Ninguém reteve 'quentinhos' apaziguadores da consciência pelas ajudas prestadas. Tomaram, não fossem precisas!

 

Perdoada seja a lamechice. Partidas da emotividade deixam-me indefesa.
 

CAFÉ DA MANHÃ

 

 

When I was seventeen
It was a very good year
It was a very good year
for small town girls
And soft summer nights
We'd hide from the lights
On the village green
When I was seventeen

 

When I was twenty-one
It was a very good year
It was a very good year for city girls
Who lived up the stair
And it came undone
When I was twenty-one

 

When I was thirty-five
It was a very good year
It was a very good year for
blue-blooded girls
Of independent means
We'd ride in limousines
And their chauffeurs would drive
When I was thirty-five

 

But now the days grow short
I'm in the autumn of my years
And I think of my life as vintage wine
From fine old kegs
From the brim to the dregs
And it poured sweet and clear
It was a very good year

 

publicado por Maria Brojo às 06:08
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