O homem não era boa rês, é conhecido. De tudo afirmava saber por artes próprias ou do demo. Iluminado, mágico, santo, funesto, insuportável. Por muitos cultuado. Li por aí algumas das suas intuições (profecias?). A «modos que» as acho próximas dos horóscopos - cada um enfia a desejada carapuça.
Antes que O meu corpo se converta em cinzas, cairá a águia santa. Será seguida da águia soberba. - Por esta profecia foi entendida a queda do império russo, poucos anos após a morte de Rasputin, e a chegada do comunismo.
As trevas cairão sobre São Petersburgo. Quando mudar o seu nome o império terá acabado. - Com a chegada do comunismo, São Petersburgo passou a chamar-se Leninegrado. Perdeu a condição de capital em favor de Moscovo.
Maldito o dia em que se faça comércio com o útero materno. Neste dia os homens deixarão de ser criaturas de Deus para se transformarem em criaturas da ciência. - Referência ao aparecimento dos úteros de aluguer.
O mar entrará nas cidades e nas casas. Os campos ficarão salgados. O sal entrará nas águas. Não haverá água que não seja salgada. - O aquecimento global e o derretimento da camada polar fazem aumentar o nível dos mares. Muitas cidades costeiras correm o risco de desaparecer.
Quando Sodoma e Gomorra aparecerem de novo na terra e os homens se vestirem de mulher e as mulheres de homem, vereis passar a morte cavalgando sobre a peste branca. - Interpretada como referência ao HIV, considerando a promiscuidade sexual como causa da disseminação do vírus.
Chegará um tempo em que o Sol chorará sobre a terra. Suas lágrimas cairão como chispas de fogo que abrasarão as plantas e queimarão os homens. - Possível referência à destruição da camada de ozono e respetivas consequências.
Como a maioria das profecias, as de Rasputin também deixam previsões de vida plena e abundante para a humanidade. Infelizmente, somente após o caos que construímos. Uma coisa tenho por certa: odeio profetas!
Nota- É hoje comemorado o centenário do nascimento de Billie Holiday.
CAFÉ DA MANHÃ
Barbara Silbert
Já não há porteiras. De mansinho, uma aqui, outra ali, mais uma acoli, foram desaparecendo, arrumaram os «tarecos» para gozo da reforma _ “perto da minha Arminda, que, não desfazendo, também é muito boa filha, assim como a menina, benza-a Deus!” _ ou convidadas pelo chefe anual dos condóminos a largar o ofício por troco da permanência na casa uns anos mais. Delas ficou o vazio do “bom dia! Está atrasada... Eu chamo o elevador enquanto aperta o casaco. Dê cá a pasta, «menina»”, sem arredar a mão da esfregona ao «prender» a porta do elevador.
As porteiras de bairro, quais babushkas* de São Petersburgo ou Vladivostok, eram guardiãs dos costumes encavalitados nos conformes sociais, informadoras, conhecedoras de todos os truques da sobrevivência humana, especialistas em fintarem quem julgava ludibriá-las. A menina Ivone do 4º esquerdo que havia anos deixara os quarenta para trás e nunca casou, bem podia, noite alta, manter as luzes apagadas ao sair o colega do escritório, e sussurrar: _ “Vai pelas escadas e não batas a porta de baixo.” Ou a pequena do terceiro aveludando as botas ao dispensar o elevador se era alta a madrugada ao entrar em casa. A todos topava as cautelas das quais lhes prestava conta por via de indirectas certeiras _ “A menina veja lá, suba como deve ser não seja preciso uma noite destas chamar o 112 por mor de alguma queda...” Ou o Doutor Figueira, despachado pela meia-noite da última «doente» no consultório, ainda transpirando vitalidade por todos os poros ao regressar tardiamente ao «lar» _ “Quando o doutor chega assim tardego, nada como um duche para limpar o perfume, ai, que disparate o meu!, as ideias.”
Não há segurança encorpado, a farda como envelope, prestimoso ao arranjar a porta-janela da cozinha que não fechava, o estendal no recanto do «combinado», o silicone pasmado dos cabos serpenteando no chão que me faça esquecer a D. Rosa, barriga empinada, à solta sob a bata de quadrados. Ou os seus olhos piscos de ironia ao comentar: _ “Pérolas, saia e casaco?! Hoje, chegam os paizinhos, não é?”
CAFÉ DA MANHÃ
Adoçantes
Peregrinando
Brasileiros